Museu da Pessoa

Cheguei onde eu sempre busquei

autoria: Museu da Pessoa personagem: Janine Rover de Mello

Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Janine Rover de Mello
Entrevistada por Tereza Ruiz
Vitória, 05/06/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV_21_ Janine Rover de Mello
Transcrito por Liliane Custódio

P/1 – Então primeiro, Janine, eu vou pedir pra você dizer pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Tá. Meu nome é Janine Rover de Mello, nasci em Vitória, Espírito Santo, no dia 13 de fevereiro de 1987.

P/1 – E agora o nome completo, data e local de nascimento, se você souber, do seu pai e da sua mãe.

R – Meu pai é Luiz Gualter de Mello, ele nasceu em Vitória também, Espírito Santo, nasceu no dia 23 de setembro. E a minha mãe é Margarete Rover de Mello, ela nasceu em Santa Teresa, interior do estado de Espírito Santo, no dia 15 de março.

P/1 – E o que os seus pais fazem?

R – A minha mãe é aposentada, ela foi gerente de banco por muito tempo, um banco do Estado. E o meu pai tem uma empresa, uma loja de material de construção.

P/1 – Conta um pouco pra gente como eles são de temperamento, como é a relação de vocês, como eles são como pessoas.

R – Olha, eles são fantásticos. Deixaram-me viver, me podaram quando tinha que podar. Tem aquela história de que menina é mais com o pai, mas lá em casa, minha mãe é minha parceira mesmo, uma amiga grande. E o meu pai também tá sempre junto, apoiando nas decisões, mas é pai, então tem aquela coisa diferente do que eu tenho com a minha mãe. Mas também os dois, assim, são muito presentes na minha vida, tanto profissional, quanto em casa. Ainda me dão muitas opiniões no dia-a-dia.

P/1 – E você tem irmãos?

R – Tenho. Tenho um irmão mais novo, fez 24 agora, Ricardo.

P/1 – O que ele faz, o Ricardo? Ele já trabalha?

R – Ele formou em Zootecnia na federal da UFES, do Espírito Santo, e voltou pra Vitória, porque era interior. Voltou, só que agora ele está ajudando meu pai com a loja, com material de construção. Porque não tem campo em Vitória pra Zootecnia assim, geralmente ele tinha que ir para o interior, pra São Paulo, outros lugares, então ele resolveu ficar e trocar a área.

P/1 – Trabalhando com o seu pai.

R – É. Com o meu pai.

P/1 – Você sabe qual é a origem da sua família, avôs, bisavôs, de onde vieram?

R – A família da minha mãe é italiana. Os bisavôs dela são italianos, da região do Trento. A gente até conseguiu passaporte, pra tirar passaporte italiano. E a família do meu pai, meu avô é nordestino, agora de onde, o restante, eu não sei.

P/1 – E seu avô, você sabe de onde é do nordeste?

R – Ai, boa pergunta. Não sei se é Ceará. Não sei. Eu sei que todo dia lá em casa é tapioca e carne seca, se deixar. Na casa dele.

P/1 – E você sabe por que ele veio para o Espírito Santo, ou não? Ele já contou?

R – Foi pelos pais, por conta de trabalho mesmo. O pai dele veio a trabalho e eles moraram no interior do estado um tempo, em Afonso Cláudio, e depois a minha bisavó veio pra Vitória, mas foi por trabalho.

P/1 – Pra trabalhar na zona rural assim, você sabe? Em plantação?

R – Na zona rural. Na zona rural.

P/1 – Mas você sabe qual a cultura?

R – Não. Essa parte não mesmo.

P/1 – Tá bom. Descreva um pouco pra gente como é a casa que você passou a infância, como era a casa, como era o bairro.

R – Eu moro lá até hoje, nunca mudei. Só mudei quando eu fui morar fora, pra intercâmbio. É um bairro bem gostoso, tudo pertinho, então a pé supermercado, padaria. Agora, lógico, com o passar dos anos, assim, não vê mais criança brincando na rua. Mas minha infância foi jogando bola com os amigos de rua, brincando de carrinho, não tinha essa coisa toda da violência, então dava pra curtir muito mais. Hoje ainda vê, mas muito pouco. Mas continua sendo um bairro gostoso pra se morar, tudo pertinho.

P/1 – Qual é o bairro?

R – Maruípe.

P/1 – Maruípe.

R – Isso.

P/1 – E a sua casa? Conta um pouco como era, ou como é.

R – Eu moro em cima dos meus avôs. É um apartamento, então no primeiro andar são meus avôs; no segundo, a gente, lá em casa; e no terceiro era a minha tia. Então moramos em família, aquela grande família total. De almoço de domingo, todo mundo na avó embaixo. Então eu fui privilegiada de morar com os meus avôs perto, porque ter uma segunda mãe que não briga tanto.

P/1 – É um prédio que vocês ocupam inteiro?

R – Isso. É um prédio. É. No primeiro andar, a minha avó. Agora a minha tia mudou, o terceiro andar tá alugado. Mas ainda vem todo dia pra almoçar com a minha avó, não largou essa coisa.

P/1 – E como era a alimentação na sua casa quando você era pequena? Assim, quem cozinhava, quais eram os pratos, qual era a base da alimentação?

R – A minha mãe, por trabalhar fora o dia todo, a gente tinha a secretária. Ela vinha todos os dias, ela que cozinhava. Mas a minha mãe sempre foi muito preocupada, então eu lembro que, assim, lanche de escola, meus amigos levavam aquele suco que deixa a língua vermelha, supercorante, minha mãe nunca deixou. Então era só suco natural. Chips, nunca pude ter. Então era assim, era prêmio pra quando a gente viajasse, então ela tava fazendo uma coisa diferente. Então sempre teve fruta. Minha mãe não estava em casa, mas ela que orientava a menina pra preparar os lanches e a comida também. Sempre comida arroz, feijão, a comida básica do brasileiro. Sempre foi isso. E lanche de escola, as frutinhas ali tinham que estar todo dia.

P/1 – E você tinha um prato favorito assim?

R – Olha, quando eu era pequena, era o bolo de cenoura com chocolate, que a gente comia só o chocolate de cima e deixava o bolo. Mas prato, olha, eu sempre fui muito boa de boca (risos). Sempre comi muito... Não tenho um prato preferido, não. Acho que quando pequena, é o famoso arroz e feijão, batata frita e bife, que é o famoso.

P/1 – Sempre comeu bem?

R – Sempre. Não me recordo de... Salada lá em casa, todo mundo... Meu irmão não comeu carne por muito tempo quando era pequeno, mas comeu todas as verduras, nunca teve problema de anemia, nada, pela questão da alimentação ser bem regradinha.

P/1 – E as brincadeiras de infância? Você citou algumas já, falando que você brincava na rua, mas quais eram? Do que você brincava e com quem você brincava?

R – A minha mãe é do interior, de Santa Teresa, e ela veio embora com os irmãos, ela tem oito irmãos, então vieram sete, mas um ficou. E a minha avó morava lá também, nesse interior, então tem muito cafezal. E a gente viajava muito pra lá final de semana, é friozinho, então a gente curtia o frio. Eu tenho 16 primos, então assim, minha recordação de infância é descendo no meio do cafezal, segurando café, meu tio gritando: “Não, mas tá estragando o pé, tá tirando o café”. E eu brincava muito lá nesse interior. E a gente tem um sítio em Aracruz, que é outro interior do estado. Então ia muito pra lá também, com primos já de terceiro grau, mas que a gente considera. Então é cavalo, é brincando no pasto mesmo. Tem essa coisa muito de interior na minha vida.

P/1 – Tinha uma parte da sua família que cultivava café, é isso?

R – Sim. Meu tio. Meu tio cultivava. Ainda tem agora, não pra venda, mas pra consumo mesmo. Ele tem o terreiro que ele seca o café, mói café, em Santa Tereza ainda. Minhas tias, hoje em dia, elas gostam. Elas vão pra lá, é terapia. Então elas torram café... Eu falei: “Gente, compra, é mais prático”. Mas é a tradição mesmo, o momento em que elas se reúnem. São seis mulheres, então muita fofoca.

P/1 – Então consumia bastante café na sua casa? Você lembra?

R – Sim. Nossa, lá em casa tem que ter café todo dia.

P/1 – E como é preparado?

R – Hoje em dia? Não, normal. Não é cafeteira, não, é aquele antigo mesmo. Tem cafeteira, mas a gente não usa. É aquele antigo de coador. Assim, não é coador de papel, mas é aquele tradicional. E quando eu morei fora, foi o que eu senti muita saudade, do nosso café. E a minha mãe mandava, às vezes, numa caixinha, até eu achar uma loja nos Estados Unidos que vendia o nosso café. Porque lá é “chafé”, não conta.

P/1 – E o café na sua casa, às vezes você consome esse café que as suas tias colhem?

R – Sim. Elas mandam. Mandam. Mandam os potinhos, a gente vai consumindo. Acaba e a gente vai pra outro, mas tem.

P/1 – Mas não comercializa, não, esse café delas, é só...

R – Não. É só... Isso. Antigamente, ele vendia, mas hoje em dia é só pro consumo mesmo deles, da família, ele manda pra gente. É muita gente, não dá conta.

P/1 – Tem um nome a propriedade que ele tem?

R – Não. Lá não. A gente não tem.

P/1 – E dessa fase de infância, tem alguma história marcante, um caso, uma coisa que você sempre lembre, a família sempre lembra, ou que você conte para os amigos?

R – De pequena?

P/1 – É.

R – Assim, eu não era tão pequena mais, mas foi quando eu ganhei minha cachorra, uma cachorrinha que eu tinha assim. E eu e meu irmão, briga de irmão, né, minha mãe falou que toda vez que ela vê um casal que tem filho que briga, assim, normal, mas ela: “Compra um cachorro”. Que faz toda a diferença. E foi com essa cachorra que a gente parou mesmo e uniu muito mais a família. Porque um dava comida, o outro tinha que ajudar no banho, e foi muito legal. Mas essa história que eu lembro, eu não era tão pequena, mas...

P/1 – Quantos anos você tinha, mais ou menos?

R – Eu tinha 15, então eu era já adolescente.

P/1 – E você lembra como foi? Assim, ela veio com o cachorro de surpresa, vocês foram escolher junto? Conta um pouco.

R – Não, eu sempre quis ter uma cachorra, um cachorro. Sempre quis, minha mãe nunca deixou. E aí meus pais nunca deixaram. Eu tinha um amigo na escola que vendia hamster, eu falei: “Bom, se eu não posso ter um cachorro, um hamster eu posso comprar”. Eu comprei as comidinhas, a gaiola, tudo, e estava esperando o hamster nascer. Eu cheguei a casa com tudo, e a minha mãe: “O que é isso?”. Eu falei: “Ah, vou ter um hamster”. Ela: “Deus que me livre. Não vai ter, não, hamster aqui”. Eu falei: “Bom, tudo bem”. Passou acho que dois meses, ninguém me contou nada, eu cheguei a casa e estava a minha cachorra com uma fita vermelha na sala, aí eles me contaram que era pra mim. Era minha, mas assim, da família toda, mas o presente foi meu. E ela viveu com a gente 12 anos.

P/1 – Como era o nome dela?

R – Nala. Nala.

P/1 – E era de alguma raça específica?

R – Era uma poodle. Poodle toy. E foi muito gostoso. Ela faleceu tem dois anos, mas, nossa, é muito... Ontem eu estava vendo as fotos, até que você tinha me pedido, foi muito gosto rever as fotos, os vídeos. Estávamos eu e meu pai olhando. É muito gostoso, saudade.

P/1 – E quando você entrou na escola? Que idade você tinha quando você entrou na escola.

R – Eu tinha três... Quatro anos quando eu entrei. Foi minha primeira. Nunca fui pra creche, porque eu tinha a minha avó que morava embaixo e a secretária que tomava conta. E quando eu fiz quatro anos, minha mãe resolveu me mandar mesmo para o terceiro... Nem sei como fala mais, mudaram os nomes. Mas era o CA, antigo CA. E com quarto anos eu fui.

P/1 – E quais são as primeiras recordações que você tem da escola?

R – Nossa, eu era muito tímida. Muito! A recordação que eu tenho, eu tinha muita vergonha, até de pedir pra fazer xixi. Então já cheguei a fazer na sala de aula mesmo por ter vergonha, e a vergonha foi muito maior depois. Mas eu lembro que era uma escola pequena e tinha uma mangueira no meio, aí a gente rodava muito e tinha muito morcego. E a professora, até era tema de aula, porque a professora falava que aquele morcego só comia manga, frutas. Então era bem gostoso. E tinha um pátio gigante de areia. Então a maior parte do nosso tempo ainda na sala de aula, mas era brincando. Então tinha o cantinho das bonecas. E nessa época, eu ainda tenho as cartinhas das professoras, minha mãe não deixou jogar nada fora. E eu brincava muito mais com os meninos. Então boneca, eu ia mais ou menos, mas de pega-pega, de bola, eu brincava muito mais.

P/1 – Existe essa escola ainda?

R – Não. Fechou.

P/1 – O nome da escolinha, você lembra?

R – Chamava Olho Vivo. Ela fechou. Saí de lá por isso, ela fechou e a gente pra outra escola, chamada Objetivo. Que a minha buscou que tivesse, assim, que fosse parecida, que tivesse recreação, tivesse uma piscina pra gente fazer natação, tudo lá. Então, assim, minhas duas escolas que eu lembro com muito carinho. E tenho colegas até hoje, eu tinha quatro anos, e ainda do meu convívio de hoje em dia. E o Objetivo foi outra escola também... Eu saí com seis anos do Olho Vivo, porque fechou, e fiquei dos sete até os 14 anos no Objetivo. Então a maior parte da minha escola foi lá. E era muito gostoso.

P/1 – E teve algum professor marcante durante a sua vida escolar?

R – Tive. Inclusive, minha mãe foi madrinha de casamento dela, meus pais. Porque eu era muito tímida, então minha mãe queria que eu vencesse a timidez, porque eu não conseguia nem pedir ajuda na escola. Então teve essa professora da segunda série, Janaína, e fez um trabalho todo comigo e me ajudou bastante. Depois a gente foi pra colônia de férias, o marido dela era professor de Educação Física, meu irmão era apaixonado nele, ele dava futebol. E a gente criou esse vínculo, e a gente se conhece, se fala até hoje. Com menos frequência, porque a vida é corrida, mas nos falamos sempre quando dá.

P/1 – E você se lembra de algum fato com a Janaína ou com esse professor de Educação Física, assim, uma coisa que tenha marcado mesmo na história de vocês, nessa situação de ela ter te ajudado?

R – Sim. Na colônia de férias de julho, eles tinham uma colônia de férias, então eu fui participar. Eu morria de vergonha e tinham os teatros pra apresentar. E ela sempre colocava meu nome na lista. Eu falava: “Não”. Ela: “Não, testa. Tenta, faz o teatro, se você não gostar, você pede pra sair”. Só que você tá lá fazendo e gosta, e tem a turminha. Então ela me deu uma ajuda gigantesca. E eu lembro muito dessa colônia de férias, do que eu comia, do prato, milho, que a gente gostava muito de milho lá em casa, mas a minha mãe regrava um pouquinho, então eu pegava um prato cheio de milho, e a sobremesa, que era doce de leite, que é a minha favorita até hoje.

P/1 – Onde era a colônia de férias?

R – Fica numa praia perto aqui de Vitória, chama, se eu não me engano, Jacaraípe, que ficava assim. Era colônia de férias de um banco, do Banco do Brasil.

P/1 – E no Objetivo, você falou que ficou então até os 14 anos.

R – Isso, 14 anos.

P/1 – E depois você foi pra que colégio?

R – Eu fui pra um colégio chamado Nacional. Eu fiquei dos 15 até o segundo ano. Porque o terceiro ano eu não fiz no Brasil, eu fiz High School. Então até os 16, eu fiquei nessa escola.

P/1 – Conta um pouco essa mudança da infância pra adolescência, que já começa no Objetivo, né?

R – É.

P/1 – O que mudou nos seus hábitos? Você saía? Pra onde você saía? Na turma de amigos, no lazer mesmo, no cotidiano, o que mudou?

R – Sim. Lá no Nacional foi quando eu comecei... Assim, onde eu tenho as minhas amizades de sair. Minhas melhores amigas, eu fiz no Nacional. Então tenho memórias boas por isso. Mas é nessa fase também que começa o famoso bullying, então eu tenho recordações ruins também dessa época. Mas minhas amigas, minhas melhores amigas são de lá, então eu não posso nunca falar pensamento negativo dessa escola. Também por isso que a gente começou a sair. Você cria, tem mais liberdade, os pais começam a liberar mais. Meus pais nunca me prenderam. Então assim, eles sempre me orientaram: “Olha, você vai, tem horário pra voltar, se não voltar no horário, você não vai poder ir da próxima vez”. Mas nunca me podaram de sair. Eu dormia muito na casa das minhas amigas, eles nunca... Só queriam conhecer os pais. Eles conheciam os pais, tudo bem, não tem problema. Foi a fase, né? Começa com shopping, cinema, depois tem matinê, depois começa barzinho, baladinha à noite.

P/1 – E essa matinê, ou as boates, quais eram?

R – Eu tinha 16, então não podia boate ainda, então tinham as matinês. Tinha uma que era famosa na praia, era a Stravaganza, que chamava. Então todo mundo, era domingo à tardinha, então era o papo de segunda-feira na escola, então você tinha que ir à Stravaganza a, porque senão você era do grupinho que não vai à Stravaganza. Então era bem gostoso.

P/1 – E como era de música? Conta um pouco como era a Stravaganza, por exemplo. O que tocava? O que vocês dançavam?

R – As músicas assim, eletrônicas. Eu não entendo muito, assim. Eu não lembro nomes. Gosto muito de música, mas não sou tão ligada a nome. Mas eram músicas eletrônicas de boate, de balada mesmo.

P/1 – E o que você gostava de escutar nessa fase de adolescência, de música?

R – Gostei de Cássia Eller, gostava. Gostava muito de... Eu escutava muito MPB. Meu pai é fã de Raul Seixas, então escutei muito Raul Seixas. Raul Seixas, Cássia Eller. Que eu lembro mais marcante, que eu colocava no som do carro, meu pai: “Ah, meu Deus, vamos mudar o CD?”. Eu falei: “Não, deixa mais uma vez”.

P/1 – Nessa época assim, tinha uma canção preferida?

R – Olha, que eu aumentava muito o som era... Eu não sei o nome da música, mas aquela “quem sabe eu ainda sou uma garotinha” era a minha favorita. E Raul Seixas, todas assim. Meu pai deixou a gente fã desde pequeno no som do carro.

P/1 – Bom, então sua fase de adolescência no Brasil foi até uns 16 anos?

R – Isso.

P/1 – Tem alguma história marcante nesse período?

R – Então, foi quando eu fui para o High School. Esse foi, acho que da minha adolescência, foi a fase mais marcante, foi o tempo que eu morei fora.

P/1 – Então conta um pouco como você decidiu ir para o High School e como foi essa saída do Brasil.

R – Tá. Eu fazia inglês numa escola, no Yázigi, e sempre tem, eles passam um videozinhos de intercâmbio. E eu não sei, assim, o porquê dessa vontade de morar fora, mas eu sempre fui apaixonada por cultura, por comida diferente, hábitos diferentes, aí eu decidi. E eu queria muito melhorar o inglês também. Eu falei: “Bom, eu faço muito tempo inglês aqui”. Mas eu queria ver como estava lá fora. Eu decidi, falei: “Bom, deixe-me ver quando...”. Fiz uma reunião com a equipe de intercâmbio do Yázigi, vi quanto seria, como seria. Falei: “Bom, agora eu tenho que convencer lá em casa”. Ia ser a parte mais difícil. E fiz uma reunião mesmo, com pauta lá em casa, sentei meu pai e minha mãe, coloquei os custos, o gasto. Tudo bem que eu coloquei um pouco abaixo pra eles não se assustarem. E eu falei porque eu queria, que seria muito importante. E eles compraram a ideia assim, na hora. E eu fiquei muito feliz. E a gente, a partir disso, fizemos várias reuniões. E foi aquela coisa: tira visto, visto é negado, volta para o consulado, visto concedido, escola e família. E aí fui pra lá. Fiquei numa cidade de Nova Iorque, interior, interior, perto do Canadá, tinha dois mil habitantes, assim, muito pequenininha.

P/1 – Como chama?

R – Chama Westport. E foi um aprendizado que não tem igual. Eu indico pra todo mundo que me pergunta: “Faço? Mando o meu filho?”. Eu falei: “Manda”. Porque aprendi muito a me virar sozinha, o inglês, a conhecer cultura nova. Então, assim, a memória mais marcante que eu tenho acho que da minha adolescência, início de fase adulta, é essa.

P/1 – Quanto tempo você ficou lá?

R – Eu fiquei um ano a primeira vez.

P/1 – Conta um pouco como foi quando você chegou lá, qual foi a impressão da cidade. O que você lembra?

R – Quando eu cheguei, eu cheguei querendo ir embora, porque era muito interior. Eu falei: “Não vou aguentar ficar numa cidade que não tem um shopping”. Não tinha supermercado, era mercearia. Eu falei: “Não vou aguentar ficar aqui”. Eu queria mudar antes de ir, quando eu descobri a cidade. Porque me colocaram assim: “Você vai pra Nova Iorque”. Eu falei: “Bom, então tá ótimo”. Mas quando eu descobri a cidade, eu falei: “Ah, não vou. É muito pequena. O que eu vou fazer?”. Mas eu falei: “Também não sou de desistir. Eu tento, se eu vir que não vai dar...”. Eu falei: “Bom, eu peço pra mudar”. Eu cheguei, a primeira semana, faltavam duas semanas pra começarem as aulas, mas já tinha o time de futebol formado. Eu sou péssima em esporte, não consigo. Eu tento, gosto, mas não sei jogar. Mas eu falei: “Bom, vai ser a maneira de eu conhecer gente, de fazer amizades”. Aí me inscrevi no time de futebol e comecei a treinar. E ali fui conhecendo a cidade, o time de futebol saía pra lanchar. Eles me acolheram muito bem. Então essa história assim que americano é frio, eu acho que depende muito. É de pessoa pra pessoa, então tem pessoas mais frias, tem pessoas que vão te receber muito bem. Graças a Deus, eu entrei num grupo que me recebeu super bem. E foi, na segunda semana começou a aula, então já estava mais enturmada. Mas passei várias vergonhas, vários micos, porque tem os lockers onde você guarda seus materiais, eu achei que você podia escolher, então escolhi um, aí quando cheguei no intervalo, estavam tudo no chão as minhas roupas, porque você não podia escolher, cada um tem o seu. Você muda de sala, você que vai para o professor, não é o professor que vai pra sua sala. Então estava numa sala que não era minha, assisti quase uma semana de aula errada, mas depois fui aprendendo e, assim, não quis mudar. E quando eu fui embora, foi uma choradeira no aeroporto, de me perguntarem se eu estava passando mal, se eu tinha alguma coisa.

P/1 – Qual era o High School que você ficou lá? Você lembra o nome?

R – É Westport High School, o nome da cidadezinha.

P/1 – E a família que te recebeu? Conte-me um pouco como era o lugar onde você ficou, como eles eram.

R – Eu mudei de família depois de um tempo, porque eu ficava muito com os avôs. Eram pai, mãe e duas filhas, e a filha mais velha só era filha da mãe, o pai era... Era segundo casamento. Então eu morava muito com os avôs, pertinho da escola. Quando os avôs... Eles tinham motorhome, aí no verão eles viajavam a costa todinha nos Estados Unidos, e aí eu ia ter que voltar pra essa casa que ficava mais longe da escola. Então estava ficando muito ruim todo dia pegar o carro. Aí eu decidi mudar pra outra família, perto da escola mesmo. Minha primeira família, aprendi muito com eles a questão de cultura, eles eram aqueles americanos mesmo de beber leite com comida, que eu quase tive um treco. Eu falo: “Não, leite é de manhã, a nossa cultura”. Tentei umas duas vezes, na terceira já não estava descendo. Eu falei “não, gente, leite pra mim é só no café da manhã”. E aprendi muito da cultura com eles. A segunda foi muito gostosa também, porque a irmã era da minha idade, então a gente começava sair, fizemos uma tatuagem juntas. Então foram famílias diferentes, mas que eu aprendi um pouquinho da cultura. Igual aqui, brasileiro tem brasileiros diferentes, culturas diferentes no mesmo país.

P/1 – Dá outros exemplos. Deu esse exemplo do leite, que mais você estranhou ou era diferente, que você aprendeu da cultura americana?

R – O leite realmente eu não consegui, até porque o cálcio acaba diminuindo a absorção do ferro, na parte nutricional, que hoje em dia eu sou nutricionista, não tem nem como eu beber sabendo que não é o ideal. Mas, por exemplo, no primeiro almoço que os avôs fizeram pra mim, almoço não, jantar, eles fizeram um cardápio superespecial pra eles, que era de comemoração, que era um copo duplo de leite, a bebida, e era carne de porco com purê de maçã, ervilha e uma broa de milho. Eu falei: “Não, o jantar será que vem que horas?”. E aquele era o jantar. Eu falei: “Meu Deus, carne de porco com purê de maçã”. Eu falei: “Não vou conseguir”. E comi. E hoje em dia é um prato que eu amo, aquele purezinho de maçã. Então aprendi também um pouquinho da cultura deles.

P/1 – E fora a alimentação, que outras questões você achou diferente? No jeito de se relacionar, enfim, tem outras questões culturais que foram marcantes pra você?

R – Olha, o esporte pra eles... O círculo de amizades lá, eu vejo que é muito escola, porque começa oito horas da manhã e termina três horas da tarde. Então esse tempo só de escola. Então você almoça junto com seus amigos, você toma café da manhã junto, e depois ainda sempre tem o esporte. O que eu acho muito legal de lá, eles incentivam muito e é tudo parte da escola, você não tem que gastar nada com isso. Então tem os esportes de inverno, esportes de verão, do outono. Então você sai da aula três horas e ainda fica para o treino. Então você chega a casa cinco horas, e passou o dia com os seus amigos. Então essa questão, eu acho muito legal de eles incentivarem tanto o esporte lá.

P/1 – Você continuou jogando?

R – Não. Não faço mais. Hoje em dia é academia e praia, o que tá na moda, o funcional. Mas fiz todos. Eu falei: “Eu vou tentar”. Fiz basquete, ajudava... Eles viram que eu não tinha muito jeito, então ajudava o técnico no banco. Mas entrava e era a diversão da escola, porque o time correndo pra um lado, eu correndo para o outro. A bola estava lá, eu estava do outro lado. Mas participei! Treinava todos os dias. Fiz natação também, fiz futebol, e um esporte que eu amei, só que não tem aqui em Vitória, é o softbol, que é o beisebol, só que pra mulher, que a bola é um pouco maior. Essa é a diferença, mas assim, regra é tudo muito parecido. O espaço entre as bases também é menor.

P/1 – Você gostou?

R – Amei. Softbol é um esporte que eu faria com certeza, só que aqui não tem, em Vitória.

P/1 – E essa história da tatuagem? Você já tinha alguma tatuagem?

R – Não. Não, tinha! Tinha sim. Tinha uma na nuca, que eu fiz com 16. O trato era eu e a minha mãe, a gente ia e ia fazer. A minha mãe não teve coragem, eu fiz sozinha.

P/1 – O que você tem tatuado?

R – Eu tenho uma borboleta na nuca. Quando eu fui para os Estados Unidos, antes de vir embora eu falei que queria fazer alguma coisa assim, e a minha irmã da família americana também queria, eu falei: “Ah, então pra selar essa amizade, vamos fazer a mesma”. Só que fizemos em lugares diferentes e cores diferentes. Eu fiz uma flor. Eu tenho uma flor no pé e ela tinha uma flor aqui atrás, no ombro.

P/1 – Como é o nome dela?

R – Marilyn. Mary.

P/1 – E vocês têm contato até hoje?

R – Temos assim, mais por e-mail. Eu voltei pra visitar, ela ia casar, então tenho contato, mas, assim, acaba perdendo um pouquinho. Não é mensal mais igual a gente ficava. É uma vez a cada três meses, quatro meses, a gente consegue. E o irmão dela também. O irmão dela vinha morar aqui, o nosso irmão lá, o meu irmão da época, o Alan, mas desistiu. Mas tá pensando ainda, ele se apaixonou pelo Brasil, aprendeu falar português.

P/1 – Ele veio? Eles vieram visitar alguma vez?

R – Não. Não vieram. Falam que morrem de vontade. Eu cobro toda vez. Mas quem sabe um dia.

P/1 – E você voltou então. Conte-me como foi a volta, a readaptação no Brasil.

P/1 – Isso. Aí eu voltei pra cá e estava na época já de fazer... Eu fiz o terceiro ano lá, então ia fazer faculdade. Eu sempre decidi que queria fazer Nutrição, não sei porquê. Assim, a alimentação lá em casa sempre foi regrada, mas eu sempre tive aquele controle com peso, ficava a mais, aí fazia dieta. Então alimentação foi sempre uma parte da minha rotina. Então nunca fiz teste vocacional, nada, falei que eu queria ser nutricionista, era isso mesmo.

P/1 – Você lembra quando tomou essa decisão?

R – Eu lembro que quando eu fui para os Estados Unidos, eu já falava que eu ia voltar pra fazer Nutrição. Então eu tinha 16 anos quando eu fui, ia fazer 17, eu já tinha essa ideia. E como eu voltei em... Foi em julho? Em junho, isso, eu esperei um mês pra fazer o vestibular pra entrar no meio do ano. Só que eu perdi essa prova. Não deu tempo de eu voltar e pegar a prova do vestibular. Então eu entrei numa escola de inglês, comecei dar aula de inglês pra completar os seis meses pra fazer o vestibular pra iniciar no início do ano. Fiquei seis meses trabalhando nessa escola que eu era aluna, fiquei lá seis meses, e depois conciliei escola e trabalho. Aí entrei na faculdade.

P/1 – Com quantos anos você entrou na faculdade então?

R – Eu voltei com 18 e entrei com 19. Com 19 anos.

P/1 – Vocês aqui em Vitória mesmo?

R – Fiz em Vitória.

P/1 – Qual é a faculdade?

R – Salesiano. Na época que eu fiz não tinha Federal aqui no estado, eu ia ter que ir para outro estado, eu falei: “Não”. Como eu estava trabalhando também, eu falei: “Vou fazer nessa”. É uma particular aqui de Vitória. Fiz nela, mas muito boa. Gostei muito do curso, dos professores. E aí conciliava...

P/1 – Conta um pouco então como foi essa entrada na vida universitária, o que mudou na sua vida, tanto pessoal, quanto de perspectiva profissional. Assim, você gostou de cara na faculdade?

R – Nossa, tem muita gente que fala assim: “Ah, eu entro, mas sempre achei que fosse outra coisa”. Não. Sempre, desde o primeiro, Bioquímica, eu falei: “Gente, tou gostando”. A gente tem a história da nutrição, religião e sociedade. A minha faculdade é uma faculdade católica, mas tem esse curso por quê? A religião também influencia a alimentação, então a gente tem que entender das religiões pra saber o que a gente vai colocar no cardápio das pessoas dependendo da religião.

P/1 – Em que sentido? Explica um pouco essa relação entre religião e alimentação.

R – Por exemplo, tem religiões que não comem carne de porco. Tem religiões que a gente pega muito vegetariano. Não é da religião, mas eu vejo que as pessoas dessa religião são mais vegetarianas. Tem questão de preparo, tem algumas que não podem fazer refeição no sábado, então a gente tem que preparar o cardápio na sexta-feira que ela possa utilizar, ou se ela vai comer fora. Então a religião influencia. O jeito de preparar, dependendo, não pode misturar talheres, nem tábua. Então a gente tem que entender um pouquinho, porque se a gente tem esse paciente no consultório, como é que a gente faz? Então eu gostei muito. No primeiro período, eu estava apaixonada. E foi complicado, por quê? A gente tem Anatomia, então as meninas... Eu falo meninas porque Nutrição só tem mulher nas turmas, então elas saíam da aula e iam para o laboratório, só que eu tinha que trabalhar, então eu pegava livro, o livro graças a Deus me ajudou muito, o Atlas de Anatomia, e eu estudava em casa mesmo. Acordava sábado, ia para o laboratório. Então foi puxado porque eu conciliei trabalho e faculdade, mas não atrapalhou, assim, rendimento, nem nada.

P/1 – E de diversão assim, mudou alguma coisa? De quando você saiu do Brasil, pra quando voltou, o que você fazia pra se divertir em termos de lazer, amigos?

R – Mudou porque eu voltei, eu já tinha 18, então podia entrar em balada, podia ir pra barzinho, não tinha problema. Eu voltei a morar com os meus pais, mas com uma liberdade diferente, de quem já morou fora. Eles nunca me proibiram, como eu já falei, mas, assim, muda, até isso. Eu tirei carteira, já podia dirigir também, então andava mais fácil, não dependia de carona. Mas minhas amigas... Assim, eu fiz amizades na faculdade, mas minhas amigas ainda, eu saía muito com esse grupo do Nacional, que foram primeiro e segundo ano, mais assim até, da oitava, primeiro, segundo.

P/1 – Então uma coisa de mais autonomia assim?

R – É. Foi. Eu ganhei muito mais autonomia.

P/1 – E nessa fase de adolescência, pode ser logo que você voltou, mas pode ser anterior também, nessa questão de relacionamento amoroso, tem alguma coisa que tenha marcado?

R – Não. Infelizmente não (risos).

P/1 – Nada que tenha sido mais marcante?

R – Não. Aqui não. Tá difícil (risos).

P/1 – E na faculdade, eu queria que você falasse um pouco mais assim, teve um professor marcante, uma matéria favorita?

R – A gente sempre tem. Tem aquele professor carrasco, mas que a gente... Eu hoje, assim, vejo que ainda bem que ela foi carrasco, porque a matéria era bem difícil.

P/1 – Qual era a disciplina?

R – Era Patologia... Eu tou tentando lembrar, porque a gente tem várias. Mas é a primeira, a base pra gente depois ir focando. E ela era de fazer mapa, a gente tinha que apresentar mapa, ela sorteava na hora quem ia apresentar parte do mapa. Mapa conceitual, que é gigante, assim. E a gente estudava o mapa todo, pra às vezes ela perguntar uma coisinha mínima. E era engraçado que eu estudava com a minha avó. Minha avó, ela participa de tudo, tomar prova, desde pequena. E hoje em dia, se eu tenho que fazer uma palestra, eu falo com ela. Só que ela é aquele tipo assim, o negócio tá horrível, mas ela: “Minha filha, tá ótimo” (risos). “Tá muito bom, continue assim.” Então eu estudava com ela e ela sentia todos os sintomas. Eu falei: “Não, vó, calma, não é assim”. Mas essa professora me marcou muito, porque era uma matéria difícil, ela foi carrasca, mas assim, ela motivava a turma estudar, de uma forma ou outra. E tem assim, professoras que hoje são minhas colegas, que a gente vai pra congresso juntas, formou uma amizade ali. Então Luciene, que, nossa, é uma pessoa maravilhosa, a gente viaja muito pra congresso.

P/1 – Você começou a dar aula de inglês logo que voltou. Você lembra o que você fez com os primeiros salários, o que você comprou, como você usou esse dinheiro?

R – Ah, era pra sair. Eu falei: “Bom, agora vou aproveitar”. Eu queria assim, não queria pedir para os meus pais. Mas assim, era salário de... Era pouco, então eu morava em casa, eles que bancavam roupa, tudo, mas eu tinha minha autonomia assim: ah, eu quero sair, que ir ao cinema, quero ir a uma balada, eu não preciso pedir. Então isso fez muita diferença, até naquela questão da autonomia, da liberdade, você sentir.

P/1 – E você ficou dando aula de inglês até que momento? Durante toda faculdade?

R – Não, eu dei até o primeiro, segundo, até o terceiro período. Que eu dava aula, só que eles iam me mudar de unidade, ia ficar muito longe da faculdade. Eu decidi sair desse cursinho, comecei a dar aula pra criança numa escolinha, aí eu já saí do foco de adolescente e comecei com criança que não era nem alfabetizadas ainda, então era tudo lúdico. Eram três, quatro e cinco anos. Nossa, e me apaixonei! Fiquei um ano, quando eu saí também foi uma choradeira.

P/1 – Qual era a escolinha?

R – Chama Escola Jeito de Ser. Fica aqui em Vitória mesmo, era pertinho da faculdade. Eu tinha cinco turmas, então era ensaiar pra apresentação de final de ano, Dia das Mães, e tudo só no papel, assim, era desenho, fiz o Halloween com eles. Assim, inserir bastante na cultura, que eu acho muito legal. Porque como não podia dar dever, eles não sabiam escrever, então eu queria mostrar pra eles como era a cultura americana, pra eles entenderem um pouquinho. E nisso, muitos falavam um inglês perfeito, sem sotaque, porque a criança tem isso, né?

P/1 – E vocês trabalhavam com material audiovisual também? Como era esse trabalho com criança não alfabetizada?

R – Ah, era muita rodinha, muita música, muito desenho. Não tinha nada projetado, nada de filminho, não. Mas música, principalmente, e jogos. Rodinha, era muita roda assim. E desenho, pintura. Porque nisso você vai soltando as palavrinhas, eles vão pegando. Eles só me chamavam de teacher e era muito gostoso.

P/1 – Tem alguma criança que você se afeiçoou mais, ou uma história também que, enfim, você sempre se lembre dessa fase?

R – Ah, tenho. Tenho uma aluna assim, fiquei com ela quarto meses. Ela teve que mudar, o pai... Não lembro o trabalho do pai, mas ela teve que mudar pra Taiwan, então assim, nossa, foram quatro meses, mas ela era um docinho, então a gente se apega. No final também eles fizeram cartinhas quando eu saí. E eu tenho alunos que quando eu vejo, eu falo: “Gente!”. Outro dia esteve um aqui no consultório, eu falei: “Nossa, como você cresceu”. Ele tinha quatro anos. Isso já tem um tempinho.

P/1 – E quando você saiu dessa escolinha, você saiu pra estagiar já? Como foi isso?

R – Não. Aí no quarto ano eu estava morrendo de saudade dos Estados Unidos. Eu falei: “Gente, eu quero voltar”. Mas eu também não queria largar a faculdade, porque eu estava amando, não queria que fosse perdido. Eu procurei algum curso de Nutrição lá fora que desse pra fazer assim, em seis meses. Mas não tem assim, vinculado... Tinha que entrar numa faculdade. Eu não, eu queria terminar aqui a minha pra poder atuar aqui no Brasil mesmo. Eu fui procurar o que eu podia fazer e descobri o programa de Au Pair. O programa de Au Pair é assim: você mora com uma família americana, cuida das crianças e você ganha uma bolsa de estudo pra estudar fora. Eu falei: “Bom, vou fazer isso. Vou fazer curso de Nutrição não dentro de faculdade”. Eu falei: “Bom...”. Ia juntar o útil ao agradável, quero voltar e não vou parar de estudar. Aí decidi voltar. Então do primeiro ao terceiro período, eu dei aula nessa escola de inglês, no último período, eu estava dando aula de inglês nessa escolinha, no quarto período foi que eu tranquei a faculdade pra voltar para os Estados Unidos.

P/1 – E como foi essa viagem de volta? Pra onde você foi?

R – Isso. Esse programa era diferente, porque o High School, a família que te escolhe; esse programa de Au Pair, você que escolhe a família, quantos filhos, quantas crianças você vai cuidar. Só que foi muito engraçado, porque eu entrei num site à parte, encontrei essa família e eles gostaram de mim, então a gente fechou antes de ter uma agência. Nós fechamos, ela decidiu por uma agência, eu fui junto com ela. Era uma família da Califórnia. Morei lá um tempo na Califórnia. Fui pra ficar um ano, estendi, fiquei um ano e seis meses. E cuidava de duas crianças: o Aidan, quando eu cheguei ele tinha um aninho; e a Lydia, quatro. A família também era americana, só que assim, o pai, na verdade, era turco e a mãe inglesa, então era uma mistura de cultura fantástica. Conheci muito a cultura turca, os pratos, a religião. Foi bem interessante. E ela também, por ser da Inglaterra, ela já estava com o inglês americanizado, mas tinha esse lado, a comida também, as refeições, o famoso chá inglês, com leite. Então foi muito gostoso.

P/1 – Você ficou com eles um ano e seis meses então?

R – Um ano e seis meses.

P/1 – Conta alguma história, uma coisa que você tenha vivido lá que tenha sido marcante, ou com essa família, com as crianças, ou outra experiência.

R – Ah, foi muita. Eu brinco assim, mas a família me falou isso, eu falo que eu fui mãe um ano e seis meses. Eu ficava dez horas do dia com as crianças, às vezes nove. Eu que levava a médico, à reunião de escola quando os pais não podiam. E quando eu vim embora, ela me deixou uma carta que assim, foi muito marcante. Eu morrendo de chorar lendo, que ela falou assim: “Obrigada por ter tornado meus filhos pessoas melhores e ter sido mãe deles nesse período”. Então acho que uma mãe falar isso outra pessoa deve ser muito difícil. Eu não sou, não, mas... Então foi assim, eu vi que, bom, eu vim, fiz o que eu tinha pra fazer e foi bom.

P/1 – E você estudou enquanto você estava lá?

R – Isso.

P/1 – E que curso foram esses?

R – Eu fiz “Como falar em público”, porque eu melhorei muito a parte da vergonha, mas ainda tem essa questão, você vai falar pra um público grande, você tem essa timidez. Fiz “Como perder o sotaque de estrangeiro”, e fiz também os cursos pra área da nutrição. Fiz “Nutrição pra criança”, fiz “Fisiologia da nutrição”, fiz “Fisiologia e Endocrinologia” nessa parte de hormônios, nessa parte mais fisiológica também.

P/1 – E onde você fez esses cursos?

R – Eu fiz numa Community College, que é do estado ali da Califórnia, de San Jose, e fiz na Stanford também. Fiz dois cursos lá na Stanford: esse de falar em público e fisiologia da nutrição, e esse de fisiologia e endocrinologia.

P/1 – E você conheceu pessoas durante esses cursos, da área, nos cursos nutrição?

R – Conheci. Conheci também. Muito legal. Visitei cozinhas, visitei refeitórios de escolas pra ver cardápio. Vi também como é um pouco da rotina do nutricionista lá, de consultório, de merenda, que também tem merenda escolar, igual a gente tem aqui no Brasil.

P/1 – E você viu diferenças da abordagem que a nutrição tem no Brasil pra abordagem que eles têm lá? Teve alguma coisa mais do ponto de vista mesmo profissional?

R – Teve, porque eu tive que montar um cardápio. Uma parte do meu trabalho pra entregar nesse curso era montar um cardápio pra uma escola, de merenda. Então lá eles colocam leite junto com o almoço. E a gente sabe que o cálcio diminui a absorção do ferro. Então assim, eu já tinha aprendido no Brasil e eu achava que não combinava, mas é a cultura deles. E assim, eles falavam que: “Não, não tem tanto problema”. Então eu estava lá, eu tive que me inserir na cultura e colocar no cardápio.

P/1 – Mas você chegou a falar isso pra alguém?

R – Falei. Falei pra nutricionista que dava aula. Ela falou assim: “Não, mas não tem tanta diminuição”. Mas a gente sabe que tem! Mas, assim, a gente tenta equilibrar de outro jeito. Mas é um hábito que não tem como ser mudado, então você tenta encaixar, aumentar o ferro em outras refeições pra tentar equilibrar também. Porque a gente quando calcula um cardápio, a gente tem que bater o ferro diário, então se você vir que vai ter uma diminuição, você tenta encaixar em outra. Lá eu tive que fazer isso. Aqui a gente fala: “Não”. Até porque não é nosso hábito, então é muito mais fácil. Ninguém, pelo menos que eu conheça, come arroz e feijão, e toma leite, então é mais fácil.

P/1 – E quando você decidiu voltar? Você falou que ia ficar um ano, mas estendeu seis.

R – Isso.

P/1 – Por que você resolveu estender seis meses?

R – A família me pediu muito, muito, muito pra estender mais um ano. Só que eu falei: “Um ano não”. Porque eu também tinha que voltar pra terminar a faculdade. Eu falei: “Bom, então...”. E eu estava gostando. Era uma família, assim, maravilhosa, não tenho que falar deles isso. Então como eles me pediram, falei: “Vou ficar seis meses”. Ainda eu tinha muito que viajar lá dentro também, tinha uns lugares que eu queria viajar, eu falei: “Vou aproveitar”. Quando eu fechei com eles mais seis meses, eles me deram uma passagem para o Brasil de presente pra passar Natal e Ano Novo. Passei 20 dias aqui no Brasil, renovei visto, e foi muito bom, porque deu pra matar a saudade e deu pra voltar.

P/1 –E as viagens que você fez lá, teve alguma viagem mais marcante enquanto você estava lá?

R – Ah, várias. Fomos pra Las Vegas, que era um sonho, Grand Canyon. Eu falei: “Gente, eu tenho que ir”. Mas, assim, o Grand Canyon é pra foto. Mas fizemos, chama Rota 1, dos Estados Unidos, que aí você corta toda a Califórnia, quer dizer, a Califórnia do... Eu morava perto de São Francisco e você vai quase até Los Angeles aí. E é uma paisagem fantástica. Assim, você olha é só... Aqui é pedra e aqui é mar. Então foi muito bonito. E a gente fazia com as amigas, então tinham várias Au Pairs lá do Brasil, muitas de São Paulo, que hoje eu sou amiga. Tenho várias amigas de lá, inclusive estava semana passada lá visitando, muito gostoso. Então, assim, todas as viagens foram marcantes. Todas. Eu acho que essa de Las Vegas, porque tem aquela coisa toda, vou conhecer. Disney também era um sonho, que eu tinha muita vontade, e aí consegui.

P/1 – Você viajou bastante.

R – E acho que de todas, foi o mochilão que eu fiz. Porque quando você conclui esse programa, você ganha a passagem de volta para o seu país de origem ou para qualquer outro país que esteja lá no mapa. Eu falei: “Bom, já que eu posso escolher, eu vou escolher pra outro país e de lá, eu compro a passagem de volta para o Brasil”. Aí foi que eu decidi fazer o mochilão. Fiquei 21 dias viajando.

P/1 – Pra onde você foi? Conta um pouco então, enfim, quando você decidiu fazer o mochilão pra onde você foi, como foi essa viagem.

R – Tá. O mochilão, quando eu vim para o Brasil, que eles me deram a passagem pra eu vir passar o Natal no Brasil, aí eu estava no sítio e tinha uma revista e tinha um cara que tinha feito o mochilão. E falei: “Gente, que fantástico. Eu quero fazer isso”. Bom, aí voltei para os Estados Unidos. Eu falei: “Será que eu consigo juntar dinheiro?”. Eu coloquei como meta, falei: “Bom, se é o que eu quero, eu vou reservar uma parte do mês”. Aí comecei a fazer baby sitter extra pra também conseguir o dinheiro pra viajar, porque eu falei também: eu queria e eu queria bancar, não queria pedir ajuda dos meus pais, não. Era um presente meu que eu queria me dar. Eu comecei a pesquisar, ir pra biblioteca, voltava com “trocentos” livros, nem me via atrás da... Falando de cada país. Por quê? Quando eu decidi viajar, ninguém podia viajar comigo. Meus pais não podiam por conta de trabalho, meu pai. Minha mãe não queria ir se meu pai não fosse. E minhas amigas por conta de faculdade ou trabalho. Eu falei: “Bom, eu vou sozinha. Se não tem ninguém pra ir, eu vou viajar sozinha”. E eu pesquisei muito os países que mulher viajando sozinha não tivesse perigo, então por isso esse monte de livro na escrivaninha. E eu fiz Portugal, França, Espanha e Itália nesses 21 dias. Fiz um roteiro. Como eu estava indo sozinha, eu não podia falar assim: “Eu vou sem reservar albergue, porque vai que não...”. Era alta temporada, era julho, então fica cheio de estudante fazendo a mesma coisa. Aí eu fiquei com medo. Eu fui com um programa já, um roteiro, uma rota. Até porque eu não tinha celular, eu usava o da família nos Estados Unidos e devolvi. E do Brasil, eu deixei no Brasil. Então se acontecesse alguma coisa, para os meus pais me procurarem, falei: “Bom, Janine sumiu nesse dia, vão me procurar nesse país”. Então foi bem legal. E graças a Deus deu tudo certinho, todas as programações. Conheci muita gente. Eu só fiquei em albergue.

P/1 – E teve um lugar mais marcante que você tenha ficado mais impressionada, que tenha sido especial, ou uma história especial, durante essa viagem de mochilão?

R – Olha, é difícil pegar uma, porque eu me apaixonei por todas. Mas Itália. Itália, não sei se pela história, minha família é italiana, os pratos, os lugares, o Vaticano. Eu sou católica, assim, eu cresci numa família católica. Hoje em dia eu não vou tanto, mas eu acho, assim, a gente sempre escuta o Papa. Vi a missa do Papa num domingo de manhã, que ele reza. Então foi muito emocionante. E lá eu conheci um grupo também de brasileiros que estavam fazendo Medicina na Suíça, e final de semana eles viajavam. Então eu aproveitei e conheci, fiquei alguns dias lá com eles, foi muito gostoso.

P/1 – Depois você voltou para o Brasil, foi isso?

R – Voltei pra o Brasil e voltei pra faculdade. Falei: “Bom, agora eu tenho que terminar”. E foi ótimo, porque eu tranquei numa época que não me atrapalhou. Assim, eu não fiquei perdida quando eu voltei. Eu tranquei numa época que estava começando umas matérias que hoje em dia... Todas são importantes, mas acho que se eu tivesse trancado um ano depois, e voltasse, pra pegar tudo que eu deixei um tempo parado ia ser mais difícil. Então eu fiz dois anos, tranquei, e voltei, fiz mais dois anos. Então assim, foi uma época boa pra parar. Se eu tivesse deixado pra viajar quando eu me formasse, eu não teria feito essa viagem, porque no meu penúltimo semestre, no penúltimo, eu passei num programa, no Jovem Nutricionista, da Nestlé. E aí eu fiz estágio de seis meses no hospital. Esse estágio que eu fiz estágio, quando eu me formei, estava precisando de uma nutricionista. Foi aí que eles lembraram que eu tinha me formado, estava precisando e me chamaram. Então, assim, eu me formei, um mês depois já estava trabalhando.

P/1 – Qual era o hospital?

R – Metropolitano, que fica na Serra, aqui no Espírito Santo mesmo. Então assim, se eu não tivesse viajado, eu já estaria trabalhando, então é muito difícil você largar o emprego pra viajar. Então graças a Deus assim, foi tudo muito... Foi programado e deu tudo certo.

P/1 – O Jovens Nutricionistas foi seu primeiro estágio na área de nutrição?

R – Não, já tinha feito três estágios. Porque a gente tem estágios obrigatórios pra formar, que é um na área de clínica, um na área social e um na área de UAN (Unidade de Alimentação e Nutrição), que é a gente chama, que é assim, cozinha industrial, preparação de cardápio. Então já tinha feito dois obrigatórios. E o da Nestlé, o Jovem Nutricionista, apareceu como extracurricular.

P/1 – E esses que você fez antes, que eram obrigatórios, onde você cumpriu esses estágios?

R – O UAN, eu fiz numa cozinha hospitalar, dentro do hospital da Unimed; o social, eu fiz na vigilância sanitária de Vitória; e o outro eu fiz no Hospital São Lucas, o clínico, que é um hospital público aqui de Vitória.

P/1 – E eles são curtos? Esses estágios obrigatórios são curtos?

R – Tinham duração acho que de dois meses, três meses cada um, se eu não me engano, três meses.

P/1 – E você gostou desses estágios? Como foi a experiência? Teve um que você tenha gostado em especial?

R – Eu sempre gostei da área clínica, então assim, eu sabia que da área dentro do hospital era a que eu ia me apaixonar. E quando eu pude escolher o de UAN eu falei: “Bom, se tem um UAN dentro do hospital...” – que era um cardápio personalizado pra pacientes com patologias, eu falei: “Vou escolher esse”. Então eu gostei muito por conta disso. Mas o meu preferido foi lá no Hospital São Lucas, com os pacientes. Eu sempre assim, da área da nutrição, eu falei: “Eu quero ser nutricionista clínica”. É mais difícil, mais concorrido, tem menos vaga, mas é o que eu me apaixonei.

P/1 – Qual é o trabalho da nutricionista clínica? Explica um pouco pra gente.

R – Tem assim, a nutricionista clínica tem área hospitalar e tem consultório. Então a nutricionista clínica de hospital, você passa visitando os leitos, ajusta cardápio, vê a dieta se tá certinha, aplica um questionário que chama ASG, ou MAN, dependendo da idade do paciente, vê se ele é diabético, hipertenso, ajusta também a dieta prescrita pelo médico, às vezes troca, conversa com a equipe. Paciente que às vezes tá muito tempo internado, eles acabam desnutrindo, então a gente tem que evitar essa desnutrição, então entra com suplementos. Às vezes o paciente chegou rebaixado, a gente tem que entrar com sonda. Então o trabalho muito é esse. E em alguns hospitais também existe a autogestão, ou seja, a cozinha é do hospital, então tem nutricionista também que faz cardápio, aí acaba não sendo tanto o clínico. Mas o porcionamento das refeições, geralmente a nutricionista clínica dá uma olhada como a copeira tá colocando, se tá certinho. Paciente diabético, a quantidade do arroz. A sobremesa, tem pra diabético. Então geralmente é esse o trabalho da nutricionista clínica no hospital. E quando tem consultório, é muito parecido mesmo com médico, com os outros. Se você tem a sua agenda, faz consultório, né, pacientes.

P/1 – Pra montar dieta, é isso?

R – Isso. Pra montar dieta. Aí dependendo do que o paciente quer: ganho de peso, perda de peso. A maioria é perda de peso. Mas a gente tem pacientes renais, problema no coração, cardiopatas, então você vai muito da história que ele te conta. E eu gostava muito dos dois. E hoje, graças a Deus, eu tou conseguindo conciliar os dois, que é o hospital e o consultório.

P/1 – E o Jovens Nutricionistas, quando você conheceu o programa?

R – Eu vi no site, a gente fez a inscrição e uma professora minha me falou: “Olha, Janine, faz, que vai ser bem legal”. E assim, a proposta, a Nestlé, o estudo que eles estavam falando que iria ser feito acho que foi muito interessante. Então me inscrevi e aí...

P/1 – Mas esse site era que site?

R – Era o site da Nestlé mesmo, onde você cadastra currículo. Se eu não me engano, foi isso. A gente cadastrou, fez tudo certinho, aí eles mandaram as respostas, se você ia fazer prova, se já tinha preenchido todas as vagas. Depois disso, você passa por algumas etapas, aí tem prova on-line, que se eu não me engano essa prova tem 15 minutinhos, é bem rapidinho assim. Cinco minutos, várias questões com tempo.

P/1 – O que é essa prova? O que tem de conteúdo?

R – Conhecimento da área de nutrição mesmo. Então tudo voltado pra nutrição. Então uma prova rápida, você tem que responder ali com o tempo passando, bem pressão. Depois a gente teve uma entrevista. E alguns grupos tiveram dinâmica, dinâmica de grupo. E foi essa primeira parte da escolha dos nutricionistas, dos estagiários que iam fazer parte desse programa.

P/1 – Essa seleção toda, você fez com o grupo também da sua faculdade ou era individual?

R – Não, era individual. Era individual. Uma foi por telefone, porque aqui em Vitória não tem o escritório da Nestlé, então a gente respondia tudo pra Belo Horizonte. Então algumas por telefone, algumas on-line também. Eu fui dois dias antes pra Belo Horizonte, fiz um treinamento lá também com eles, conheci duas meninas de lá, de Ouro Preto, que também estavam fazendo.

P/1 – Mas isso já tinha sido selecionada?

R – Já. Já tinha sido selecionada.

P/1 – Tá. Eram três etapas, e como você recebeu a notícia de que você tinha sido selecionada?

R – Eles me mandaram um e-mail e me ligaram. Eles me mandaram um e-mail. Foi, foi isso. A memória foi um e-mail que eles mandaram falando que eu tinha sido selecionada, a data, e foi bem corrido, falando quando a gente ia viajar. Nossa, foi muito legal.

P/1 – Em que ano da faculdade você estava?

R – Eu estava no penúltimo período. No último ano de faculdade. Faltava ainda um período pra formar.

P/1 – E você recebeu essa notícia e o próximo passo foi ir até Belo Horizonte fazer treinamento.

R – Isso. Para o treinamento.

P/1 – Conta como foi o treinamento.

R – Foi um pré-treinamento, porque lá nós tivemos algumas orientações, como seria o programa. Fiz mais uma entrevista, tinham umas dinâmicas, e assinei os documentos. O treinamento mesmo foi em São Paulo, na sede da Nestlé. No Morumbi, se eu não me engano, fica, num prédio lindíssimo. E nós ficamos duas semanas lá tendo treinamento. Aí que a gente conheceu. Tinha gente do Rio, tinha do interior de São Paulo, um pouquinho de cada, do grupo. Tinha de Salvador também, duas meninas de Salvador. Nesse tempo, nós ficamos duas semanas, a gente tinha aula todo dia, de oito as cinco, treinamento do pocket, treinamento de como ia se a avaliação, eles explicaram o projeto, que era pra avaliar os pacientes internados, se eram desnutridos ou não, o grau de desnutrição neles, tentar intervir e coletar esses dados. Então foi muito assim, como a gente ia coletar, pra todo mundo fazer do mesmo jeito pra pesquisa dar certo.

P/1 – Explica um pouco que dados são esses, como seria essa intervenção de vocês pra tentar ajudar se tivesse uma questão de subnutrição, por exemplo.

R – Tá. A gente tinha dois questionários: o ASG, que era pra adulto; e a MAN pra idoso, a Mini MAN. Então a gente chegava ao quarto do paciente, explicava o que era o trabalho, o que era projeto, se ele tinha interesse de participar. Se ele falasse que sim, ele assinava um termo, aquele termo de autorização, aí a gente começava as perguntas aplicando esse questionário. A gente pergunta peso, se perdeu peso, a altura, como tá a ingestão alimentar, se mudou, se não mudou, os hábitos intestinais, gastrointestinais. Aí você fecha o questionário avaliando se ele tá nutrido, risco de desnutrição, ou desnutrido. Se ele estivesse em risco de desnutrição ou desnutrido, você já passa pra uma etapa que vai passar suplemento, uma sonda dependendo do grau de desnutrição, se ele tem problema pra engolir. Então você tentava intervir: se ele estava com risco de desnutrição, pra não chegar à desnutrição; e se ele estava desnutrido, aí você já tinha que tentar melhorar o estado nutricional dele.

P/1 – Você foi trabalhar no Metropolitano, foi isso?

R – Isso.

P/1 – Foi estagiar no Metropolitano. Como era feito? Vocês indicavam, faziam um questionário, coletavam esses dados, e aí repassavam esses dados pra quem?

R – Tem as nutricionistas da Nestlé em cada estado, que são as representantes. Então os documentos vieram com a gente, essas folhas de ASG, a gente tirava xérox. E cada semana, a gente se reunia com essa nutricionista da Nestlé em cada estado e passava os dados pra ela. A gente tinha também uma tabela cada uma pra alimentar essa tabela com os pacientes, com os dados, e mandar... Só que a tabela, a gente mandou só no final. O projeto durou seis meses, o estágio, então no final de seis meses, nós mandamos a tabela. Mas a gente ia alimentando-a na semana, geralmente uma vez por semana.

P/1 – E ela recebia esses dados e você comentavam esses dados? Como eram esses encontros?

R – Também. Ela ia muito ao hospital. O nome dela, a daqui do estado, é Renza. Então a Renza ia muito ao hospital, a gente discutia, via. E também com as nutricionistas do hospital. Essa parte mais de intervenção nutricional acaba sendo mais com a nutricionista do hospital, a quem eu me reportava, pedia opinião. Agora com a Renza era mais pra passar os documentos.

P/1 – E as nutricionistas do hospital, vocês repassavam esses dados pra elas também?

R – Em que sentido?

P/1 – Você tá me dizendo que vocês coletavam os dados de alguns pacientes.

R – Isso.

P/1 – Aí repassavam pra Renza, que era a nutricionista da Nestlé.

R – Sim.

P/1 – Mas pra fazer essa intervenção a intervenção é feita nesses pacientes que vocês tão coletando os dados.

R – Isso.

P/1 – E aí quem fazia isso, quem podia conduzir isso eram os nutricionistas do hospital.

R – Isso. Do hospital.

P/1 – Então vocês repassavam esses dados dentro do hospital também.

R – Também. Isso. Porque, assim, era até uma ajuda pra elas, porque são vários leitos, então a gente já vinha com esse: “Olha, esse paciente aqui está em risco nutricional”. Ou então o paciente não estava em risco, mas mesmo assim a gente tem que ficar de olho. Porque paciente muito tempo internado, ele entra sem risco, mas cada dia no hospital é um risco a mais de desnutrir, por “N” fatores. Então a gente tinha esse olhar bem crítico e também ajudava as nutricionistas: “Olha, fica de olho nesse. Vamos ajudar, mudar cardápio pra melhorar”.

P/1 – E em termos assim de suplementos, vocês sugeriam alguma coisa?

R – Isso. Nesse hospital, o Metropolitano, a nutricionista não pode prescrever por conta de glosa, glosa de plano de saúde. Mas nutricionista pode prescrever, então o que a gente faz? A gente sugere para o médico e deixa... Quando ele tá na sala de prescrição, a gente pede assim: “Olha, prescreve esse suplemento para o paciente tal”. E quando o médico já tinha passado, a gente fazia um recado, colocava o nosso carimbo e anexava na prescrição. No outro dia, ele passava e prescrevia. O ideal era quando a gente o achava, já prescrevia na hora pra começar o suplemento ali mesmo. Esse é o ideal. Mas nem sempre a gente conseguia. Mas no outro dia de manhã ele vendo, prescrevendo, já iniciava.

P/1 – Então vocês tinham contato com os médicos também.

R – Também, também. É porque a salinha de prescrição é todo mundo junto, os prontuários, fica todo mundo ali. Ou então a gente estava no quarto, o médico também estava, a gente entrava, depois discutia sobre o paciente, falava.

P/1 – Então só pra retomar, a gente vai voltar nessa coisa do hospital, da prática mesmo, mas queria entender um pouco como foi o treinamento. Você começou a contar que foram essas duas semanas em São Paulo e que vocês tiveram aulas. Queria que você me dissesse o que vocês tiveram de conteúdo, como foi esse treinamento, como foi a preparação.

R – Tá. Então nós tivemos aulas dos pockets, das dietas, os suplementos da Nestlé. Eles têm as plataformas, então vinha sempre um nutricionista de cada plataforma explicar pra gente os benefícios da dieta, a composição de cada uma, pra qual paciente é indicado, pra qual paciente não é. E aí a gente aprendeu um pouquinho das dietas. Fomos à cozinha também, experimental, que é no último andar assim, muito bonita, toda de vidro. Eu falei: “O sonho de qualquer nutricionista”. E aí degustamos todos os suplementos, tinham algumas receitas também com suplementos, assim, muito legal. E aí ganhamos os livrinhos de receita, até pra gente indicar para os pacientes também. Tinham as aulas, então veio um professor, o doutor Aderson, que falou sobre diarreia, o uso de lactobacilos, falou um pouquinho, então a gente tinha aulas específicas. Veio também um professor falar sobre marketing. Nós fizemos visita externa a uma empresa que faz nutrição parenteral, que é a que faz por veia. Então a gente viu como é que era manipulado, como é o processo todo da dieta parenteral. E a gente tinha aulas específicas também pra doenças, assim, diarreia... Então a gente tinha outras nesse estilo também. E aí tinha alguns videozinhos falando também sobre a preocupação da Nestlé com a sustentabilidade, os projetos que ela tem ao redor, que foi bem legal. Eram aulas bem diferentes, não só falando assim como ia ser o projeto, então foi bem legal.

P/1 – E qual que é a proposta do projeto assim em linhas gerais?

R – Até saiu o estudo agora. A minha colega me mandou, aí era assim, eles querem mostrar, querem ver como é que tá o nosso paciente internado no Brasil. Não lembro quanto tempo atrás, saiu um estudo também, parece que chamava Ibranutri, com os pacientes do Brasil. Pegaram um hospital em cada estado, alguns estados tiveram mais. Aqui no Espírito Santo, acho que um hospital só participou. Aí eles viram que os nossos pacientes internados estão desnutridos e o que a gente vai fazer pra melhorar. E esse estudo da Nestlé era pra mostrar, depois de tanto tempo de Ibranutri, se essa realidade mudou. Eu vi o estudo, eu tenho que lê-lo, que ele saiu acho que tem duas semanas, pelo menos que eu recebi, pra o que foi agora, se a gente mudou, os pacientes melhoraram, a gente não tá deixando-os desnutrirem no hospital.

P/1 – E esse estudo que saiu já é com resultado dos dados do programa?

R – Os dados do programa. É. E, assim, tem até no final um agradecimento aos estagiários, então tá bem legal. Eu quero até imprimir pra dar uma lida. Eu acho que tem uma semana assim. Ela tá em São Paulo fazendo mestrado, essa minha colega, então não sei se ela teve contato com alguém que passou. E aí a gente ficou muito feliz assim, e pela Nestlé também ter colocado os agradecimentos no final pra todos os estagiários, então é uma lista enorme, que foi muita gente que participou.

P/1 – Que bacana.

R – É. Eu fiquei bem legal quando eu vi o meu nomezinho lá.

P/1 – E nesse treinamento, você aprendeu coisas que você não sabia? Teve novidades assim em relação àquilo que você já tinha de conhecimento que você trazia da faculdade?

R – Tiveram. Assim, por exemplo, o portfólio de dieta, a gente tem na faculdade falando um pouquinho de dieta enteral, mas não tem específico assim, falando de cada dieta. Tanto que quando eu fui para o estágio, lá no Metropolitano, foi muito legal, porque assim, eu conhecia bastante, assim, as dietas da Nestlé. O hospital trabalha com outros também, que eu achei bem legal. Que a Nestlé nunca falou: “Olha, você só pode indicar o nosso suplemento”. Não! O hospital, tem hospital que trabalha com outros. Então você vai ver o que é melhor para o paciente, o que é melhor pra ele nesse estado. Então foi muito legal também isso.

P/1 – Esse universo dos suplementos você não conhecia muito?

R – É. A gente não tem tanto assim. Eles falam, esse suplemento é hiperproteico, esse suplemento é normoproteico, só. Mas não te dá outras características. E aí eu aprendi bastante. Esse professor Aderson lá, ele é fantástico. Eu tenho uma monografia dele hoje falando de diarreia com lactobacilos, o uso, muito legal também. Então foram aulas que, assim, foi bem legal por conta disso. Mas o principal foi de entender das dietas, como utilizar, suplementos.

P/1 – E como é que foi o direcionamento de vocês para o hospital? A Nestlé que faz esse direcionamento?

R – Isso. Tem que ser um hospital que tenha a comissão ética, passa pela comissão ética e você possa... Porque é um estudo, então também tem que ter o aval do hospital por conta disso. Aí o Metropolitano aceitou que esse projeto fosse realizado lá. Quem fez essa parte toda foi a Renza. Quando eu cheguei aqui a Vitória, eu fiquei duas semanas em São Paulo, então quando eu cheguei, ela já tinha me direcionado: “Olha, Janine, o seu estágio vai ser no Metropolitano”. Falou o horário, tudo certinho.

P/1 – E tinha mais alguém, além de você, no Metropolitano?

R – Não. Acho que do Espírito Santo, nesse período, fui eu e depois teve mais um. Eu acho que daqui do estado fomos eu e o Rodrigo só que participamos do projeto.

P/1 – Quando você chegou ao Metropolitano, conta um pouco: quando uma estagiária de nutrição chega a um hospital, que equipe te recebe, onde você trabalha, com quem você trabalha?

R – Tá. Foi... As meninas, as nutricionistas são fantásticas de lá. Então me receberam muito bem, me explicaram. No primeiro dia você fica totalmente perdida, o hospital gigante, você não sabe o que você faz, você indo atrás da nutricionista, parece sombra. Deixe-me ver o que ela faz, como é que eu vou me portar aqui com os pacientes. Tem aquele nervosinho, porque eu já tinha feito estágio no hospital, mas ali tá diferente, você tem que falar do projeto, você tem que pedir pra eles assinarem. Então foi diferente. E cada hospital é de um jeito, tem uma rotina. Então eu fiquei bem nervosa no primeiro dia assim e fiquei uma sombra da nutricionista. Até pedi desculpa depois assim: “Olha, desculpa, mas to te seguindo o dia todo”.

P/1 – Tem equipe de uma nutrição dentro do hospital, é isso? Tem um departamento de nutrição, como é que é isso?

R – Tem. No Metropolitano em si tem a equipe que são três nutricionistas e tem a MTN, que é a equipe multidisciplinar de terapia nutricional. Então nessa equipe que a gente trabalhou muito, porque tem o nutricionista, tem o nutrólogo, tem o enfermeiro e tem o farmacêutico. Então nessa equipe, que cuida do paciente que tá em risco nutricional também... Paciente entrou em risco, tá com suplemento, a equipe, a MTN, tá ali discutindo caso. A gente fazia assim, nós fazíamos reuniões mensais, e quando precisava, a gente até encurtava esse período. Então eu andava muito com a nutricionista, depois eu comecei a andar sozinha a partir do momento em que eu fui treinada e tinha essas reuniões com as equipes. Com a equipe, que é uma só por hospital assim.

P/1 – E essa experiência assim com essas reuniões com a MTN, como você avalia em termos de aprendizado pra você? Porque é uma experiência diferente.

R – Foi. Foi.

P/1 - Conta um pouco o que isso traz de ganhos, mas de aprendizado profissional, experiência.

R – Olha, você aprende a escutar muito o outro lado. Então, por exemplo, você pediu pra dieta correr, você chega lá não tá... Assim, por exemplo, um litro. Por que não iniciou ainda? Então às vezes você: “Ai, vamos colocar logo”. Mas aí chega o enfermeiro: “Não, Janine, é porque ele estava tossindo muito, risco de broncoaspirar”. Então a equipe multi, ela se completa. Ninguém sabe tudo. Então são trocas de informações. O enfermeiro, eu tenho um respeito muito grande por ele, ele que tá lá com o paciente diariamente, ele que conhece o paciente. A gente conhece também, mas quem tá o tempo todo ali é ele. Então o enfermeiro nessa equipe é o braço. O outro é o nutrólogo, o nutricionista, mas o enfermeiro, eu acho que é um braço todo. Então foi muito interessante por isso. O farmacêutico entra nessa parte mais de dieta parenteral também, de compra, de avaliar quando a gente manda manipular. A gente aprendia um pouquinho de cada lado. Então às vezes na minha graduação não tem tanto de farmácia, então ali ela vinha com o olhar crítico dela do farmacêutico, estoque. A enfermeira já vinha com o olhar crítico: “Olha, esse paciente... Mas vai começar a dieta esse horário? Esse horário ele tá na fisio. Então vamos tentar colocar depois um pouquinho”. E a médica também, a nutróloga ali com todo o conhecimento dela, que ela tem também pra agregar valor. E a nossa lá do Metropolitano, a doutora Gilmara, é fantástica. Ela que me ligou na época. Eu lembro que para Programa Jovem Nutricionista, ela falou: “Janine, e aí? Você tá animada? Vai fazer lá no Metropolitano?”. Foi bem legal. Recebeu-me de braços abertos, dava várias ideias assim: “Ah, vamos fazer esse projeto com o paciente. Vamos tentar melhorar isso”. A gente fazia degustação também, porque eu já tinha provado todos lá na Nestlé, porque é bom pra quem tá indicando conhecer: “Toma desse jeitinho, tem esse gosto, gelado é melhor. Não, mistura no café com leite”. Então a pessoa tem que saber o que você tá passando. Não é igual remédio. Você não pode tomar remédio e falar para o paciente, mas suplemento não. O gostoso é isso. Você prova, faz receita.

P/1 – Vocês faziam uma degustação então para pensar o que, no sabor que o paciente ia sentir?

R – Não. Essa degustação foi mesmo assim pra elas conhecerem os suplementos e tudo mais. E quando vinha algum sabor novo. Igual nessa época, eu lembro que a Nestlé lançou um, tinha um sabor só que era o Nutren Senior, aí veio outro sabor que era o caramelo, o baunilha. Então pra gente testar também, as meninas vinham, traziam pra gente e elas provavam, dava também o retorno do sabor, o que a gente achou, o que não achou.

P/1 – E você acha que o sabor ajuda o paciente a consumir o alimento?

R – Ah, ajuda. Faz toda a diferença, faz. E assim, às vezes o suplemento também é muito gostoso. Por exemplo, esse de caramelo é aceitação geral assim, total. Só que se você tomar todo dia o mesmo sabor, duas vezes ao dia, tem paciente que não aguenta. Então a gente tenta o que? Propor receitas. Ah, vamos misturar às vezes se for um de baunilha no café, que faz um café com leite, ou tem receitas mesmo. Tem um que a gente faz um creme, coloca creme de papaia, então parece um moussezinho. Já fiz “sacolé”, “chup-chup”, pra paciente, pra criança. Então a gente vai testando formas de o paciente aceitar melhor também. Porque ele tá internado, às vezes ele não tá querendo assim. E a gente mostra a importância pra ele, então ele já tomou um, ele tem que tomar outro, então a gente fala: “Olha, é muito importante pra você, isso é praticamente um medicamento só que gostoso”. Se ele enjoou, a gente vai bater com o que conseguir, com gelatina, com fruta, faz vitamina. Tem uns que tem um saborzinho mais forte, a gente sabe que pode causar, se ele tomar todo dia o mesmo, vai dar um enjoo ou ele vai enjoar do sabor, então a gente já faz essa proposta de bater, de receita.

P/1 – E isso de encontrar maneiras de colocar o suplemento na dieta do paciente de uma maneira mais agradável também são coisas que vocês viram nesse treinamento da Nestlé, ou não?

R – Nós tivemos, tanto que na cozinha tem o suplemento deles que tem dois sabores, essa linha, que é o Impact. O sabor pêssego acaba dando um gostinho, porque ele tem ômega 3. Então a própria Nestlé dá um livrinho de receitas que você pode dar para o paciente se ele não tiver conseguindo tomar dois ao dia. Então lá na cozinha experimental, a gente tentou esse creme de papaia com o suplemento de pêssego. Que às vezes a gente nem pensa no mamão, pêssego, e combinou e ficou uma delícia. Então tem essas dicas de como misturar. E eles têm no site também, geralmente vem. Quando não vem impresso, tem no site. E aqui eu imprimo e dou para os pacientes, falo: “Olha, o importante é tomar”. Lá no hospital também, o que a gente conseguir misturar e melhorar.

P/1 – Bacana. E conta um pouco quais eram os pacientes pelos quais você era responsável. Como é que foi? Tinha uma divisão de ala, andar? Esses pacientes tinham uma característica em comum? Conta um pouco.

R – Tinham, assim, os termos de exclusão, então não podia... Eu vou tentar puxar aqui na memória. Mas eu lembro que eu tinha que triar o paciente. Tinha até 48 horas, ou 72 horas, eu não tou lembrando assim exatinho, porque já tem um tempinho. Então eu tinha que triar, se ele tivesse mais tempo internado, eu não tivesse triado, ele estava fora do meu projeto, não podia usar. Assim, eu podia passar, ver, mas ele não estava dentro do projeto, eu não dava aquele termo pra ele participar. E aí paciente que internava direto na UTI também, ou na CTI, na UCO, na coronariana, também tinha que ser excluído do projeto. Então tinham essas condições para participar.

P/1 – Quantos pacientes você tinha?

R – Eu tinha que avaliar... Também vou puxar na memória.

P/1 – Mais ou menos, pode ser.

R – Mas eu tinha assim, cinco por dia com termo assinado, pra dar um total. Não sei se eram cinco. Cinco ou oito, não tou me recordando. Mas a gente tinha um número de pacientes pra avaliar por dia. Então, assim, como tinha esse critério, tem que ser em até 24 horas, 48 de internação, que internou, então às vezes no dia eu não conseguia o que ele estipularam, mas aí no outro eu conseguia mais. Então um complementava o outro, não tinha que ser certinho. Porque eles tinham que ter uma média da semana de pacientes entrevistados que estavam sendo acompanhados. Mas um compensava, não tinha que ser assim: ah, eu não fiz cinco hoje, amanhã eu tenho oito, não posso, tenho que terminar no cinco. Não. Eu tinha essa flexibilidade. O interessante era o “N” final que eu ia trabalhar.

P/1 – E aí você acompanhava, fazia essa primeira entrevista, avaliação, e aí continuava acompanhando esses pacientes? Qual que era o trabalho cotidiano? Explique-me um pouco.

R – Aí é assim, eles falam: paciente sem risco nutricional, você triava em “X” dias; pacientes com risco nutricional, você tinha que voltar em “X” dias, de acordo com o que estava lá no que eles estipularam; e paciente desnutrido, em “X” dias. Então a gente voltava e refazia essa avaliação nutricional. Só que como você tá no hospital, a avaliação eu fazia no tempo que eles pediram, mas assim, pra ir lá dar um oi para o paciente: “E aí? Tomou o suplemento?”. Isso eu fazia quase de dois em dois dias, ou quando podia todo dia. Teve esse paciente que começou suplemento ontem, eu quero lá ver como é que foi. Ele aceitou? O que ele achou? Ele não aceitou, mas é importante que ele tome, então o que a gente vai fazer pra melhorar? Então eu tentava ir, na medida do possível, porque são vários pacientes, sempre. Quando não conseguia, de dois em dois dias. Mas aí tinha o tempo de reavaliação estipulado pelo projeto.

P/1 – E qual você acha que é a diferença que vocês fizeram para esses pacientes? No que o projeto ou o programa ajuda esses pacientes?

R – Foi o carinho, o olhar, aquele olhar crítico, porque eles se sentem cuidados. Você entregar um remédio assim: “Toma”. Eles são obrigados a tomar e tal. Agora você entrega um suplemento, que eu falo pra eles: “Tem um poder de remédio, só que com gostinho gostoso”. Mas se eles não tomam, você ter o cuidado assim: “Então vamos fazer o que pra melhorar? A gente vai misturar com frutas? Que fruta você gosta mais? Não? Não quer com fruta? Você quer tomar um copinho em cada horário pra melhorar a aceitação, pra você conseguir tomar?”. Então acho que assim, eles sentem esse cuidado. E eu via que quando a gente voltava e tinha o carinho de explicar o porquê do suplemento ou o porquê da dieta entereal quando era sonda, que muitos falam: “Ah, mas eu não gosto de ficar com essa sonda, eu fico feio”. A gente explicava, então a aceitação era muito melhor. Eu acho que o paciente ganhou isso, ganhou aquele olhar crítico. Se estava em risco, a gente não o deixou desnutrir, pelo menos lá no hospital a gente tentava. Algumas coisas você, dependendo do cursar da doença, você tem mais dificuldade pra fazê-lo voltar a ganhar peso, câncer principalmente, mais avançado, você consegue às vezes estabilizar, mas ganhar peso em pouco tempo é difícil. Mas você tá cuidando, você tá tentando, e o paciente sente.

P/1 – Que avaliação você faz pra sua vida profissional, para o seu aprendizado profissional, pra perspectiva de carreira? Você acha que participar do programa modificou a sua perspectiva de carreira? Trouxe algum aprendizado profissional?

R – Sim. Ele só me deu mais gostinho ainda pela área clínica, que eu já gostava e aí eu estava lá, estava mais ativa, podia passar suplemento, falava com médico. Então eu falei assim: “Não, é isso mesmo que eu quero”. E me deu a oportunidade de carreira, porque eu fiz estágio lá no Metropolitano, aí eu formei em agosto, setembro, em outubro surgiu a vaga de nutricionista. Eles me ligaram: “Janine, surgiu uma vaga aqui no Metropolitano, você quer fazer parte da equipe?”. Lógico que eu fiz entrevista, tudo normal, mas assim, eles me ligaram, então eu falo que esse estágio abriu as portas pra minha carreira mesmo. Porque aqui no estado, pra você iniciar como nutricionista clinica no hospital é muito difícil, porque apesar de ser capital assim, e eu nem falo só Vitória, Serra, Vila Velha, que é a grande Vitória, a gente não tem tanto hospital igual São Paulo, Rio, e é um número reduzido de nutricionista. Então eu acho que se eu não tivesse essa oportunidade de entrar já de cara na área clínica... Então eu falo que foi realmente o meu emprego, a minha trajetória até onde eu to hoje, porque uma coisa vai puxando a outra. Então esse estágio, as nutricionistas descobriram o meu trabalho, quando surgiu a vaga, eu tinha dois meses de formada, e hoje em dia é muito difícil você terminar e conseguir um emprego tão rápido. Pelo menos assim, na minha realidade, o que eu vejo aqui, na área que você quer. Geralmente, a nutricionista passa por outra área, que é o UAN, que tem mais vaga, pra chegar à clínica. E eu, graças a Deus, dei muita sorte. Do hospital, agora eu vim pra essa clínica, que lá dentro eu atendia os pacientes oncológicos. E de todos, eu gosto de todos, mas assim, oncologia é minha paixão. Então eu atendo os pacientes oncológicos nessa clínica, dentro do hospital também, que a gente tem terceirizado lá, então nossos pacientes internam lá, e faço consultório à parte. Aí sim os pacientes que vêm por “N” motivos, reeducação alimentar. Então acho que hoje eu cheguei onde eu sempre busquei na faculdade, que era a área clínica e esses dois que eu pudesse encaixar.

P/1 – Qual que é o nome dessa clínica?

R – Essa chama Medquimheo. É uma clínica de oncologia e hematologia. Então os pacientes vêm pra cá a gente tem oncologistas e hematologistas, eles vêm pra receber a quimio em ambulatório, para as consultas, e a gente tem a oncologia pediátrica, pediatria faz quimio internada. E a gente tá dentro do Metropolitano como parceiro. E quando o protocolo, o paciente tem uma febre, uma neutropenia, eles têm que internar, a gente orienta também lá no Metropolitano, porque nossa equipe tá lá. Então eu atuo aqui e atuo lá no Metropolitano, só que agora só

com os pacientes da Medquimheo.

P/1 – E qual que é o papel da nutricionista dentro da oncologia? Conta um pouco pra gente como é que é essa parceria, no que isso muda a realidade, recuperação da saúde do paciente, enfim.

R – Faz toda a diferença. Eu falo que são vários braços também, o medicamento, a quimioterapia é muito importante, os médicos, mas cada área, a equipe multi na oncologia, na hematologia, assim, as doenças, leucemias, linfomas, ela é extremamente importante, porque é o paciente que vai ganhar no final. Cada um vai falar da sua experiência para o paciente, então as enfermeiras vão ensinar como é que é o cuidado com o cateter, como é que é o cuidado com higiene, não pode pintar cabelo, porque algumas quimioterapias não caem cabelo, mulher quer pintar, não pode pintar. Criança, o cuidado que vai ter. E a nutrição entra no sentido de olhar esse paciente com o olhar supercrítico. Todo paciente que chega pra mim, ele pode estar bem nutrido, mas ele está em risco nutricional pela doença. Então, assim, eu tenho que olhar, porque em algum momento, não são todos, mas esse paciente pode acabar desnutrindo ou perdendo peso. Ou ao contrário, tem quimioterapias que o paciente toma muito corticoide, então ele aumenta muito peso. Aumentar muito peso também traz problemas, porque pode aumentar pressão, pode aumentar a glicemia. Principalmente o câncer de mama, dependendo do tipo, se for indução, ou quimioterápico, usa muito corticoide. Então o paciente fica muito inchado também, a gente tem que controlar. Eles sentem fome, porque o corticoide aumenta a fome. Então a gente atua dos dois lados, não pode deixar perder peso, não pode deixar ganhar peso, porque a quimioterapia é feita pela superfície corpórea, então o medicamento é todo em cima do peso também, então a gente tem que avaliar. E eu falo assim, que é um aprendizado mútuo. Eu aprendo demais com eles, a gente passa os conhecimentos. Tem dicas pra náusea, pingar gotinha de limão na água, cortar o limão, deixar na jarra pra tentar dar um flavour na água. Mas aí se esse paciente tem mucosite, você não pode usar desse artifício. Mucosite é afta na boca. Então cada paciente é individual. Então eu faço um plano alimentar específico pra cada um. Ah, tem umas quimios que dão diarreia? Então o que a gente vai fazer pra melhorar a diarreia? Tem umas que mudam o sabor. Então eu falo que é muito gostoso trabalhar. E quando você vê que as suas dicas, as suas orientações deram resultado no paciente. Pegar um paciente que estava perdendo peso, hoje em dia eles estão assim com o peso normal, já não estão mais tomando suplemento. Aí paciente que aumentou muito o peso, engordou durante o tratamento, a gente tenta segurar. Alguns são edemas, mas acabam ganhando um pouco, por mais que a gente segure. Mas terminou o tratamento, a gente pode agora entrar com uma dieta pra perda de peso. Aí vem totalmente diferente, mulher principalmente, que aí tem a questão da autoestime. Então é muito gostoso e faz toda a diferença. A gente vê uma paciente que não tem esse suporte nutricional, como o tratamento cursa diferente. O paciente desnutrido que faz quimioterapia, o medicamente não tem o mesmo efeito no organismo, então a gente tem que trabalhar e evitar que chegue a esse caso. Porque quer que o medicamente faça efeito, então tem que cuidar da nutrição.

P/1 – Claro.

R – E eu falo muito pra eles, isso: “Alimentação saudável vai influenciar totalmente no seu prognóstico”.

P/1 – Nesse tempo que você tá trabalhando nessa parte clínica, no hospital, ou aqui, tem alguma história marcante, algum paciente que tenha sido especial?

R – É difícil falar, porque a gente tem tantos. A gente trabalha com oncologia pediatra, então acho que criança é marcante para todo mundo. Eu sou apaixonada por criança, desde sempre, então criança consome muito o meu tempo lá no hospital e eu amo. A gente tem um projeto que chama Bye Bye Quimio. Na verdade, eu tou até pra mudar o nome desse projeto, mas deixar Bye Bye, mas eu vou pensar ainda. Eu comecei como Bye Bye Quimio, mas a gente vai só mudar. O que é? Na última internação, a gente faz uma festinha para as crianças ou para o paciente internado. E aqui embaixo também. Então a gente comemora; não é final da quimioterapia, é o final da etapa. Porque a gente não sabe, tem alguns cânceres que podem voltar, então a gente não gosta de associar a festa que nunca mais vai fazer quimio, porque a gente não sabe o que esperar. Mas a gente gosta de finalizar a etapa. Então agora você terminou essa etapa. O que vai acontecer daqui pra frente, a gente não sabe, mas essa você vendeu. Então é muito gostoso. E os pais se animam, as crianças se animam, aí faz festinha, pode trazer os irmãos, os primos. Então acho que cada festinha me marca muito. Eu me lembro de todas aqui. Se eu fechar o olho, eu me lembro de cada uma: Sofia, Lucas, Maria Clara, Júlia. Ah, gente, tem muito. E tem a dos adultos. Porque foi muito engraçado, foi um projeto que eu pensei para as crianças, aí os adultos começavam: “Ah, mas eu também quero comemorar”. Aí a gente faz aqui no ambulatório, ontem mesmo nós tivemos, da Laura Virgínia, uma paciente de câncer de mama, que terminou. Então agora ela não faz mais quimio, vem só pra consulta, que é a rotina mesmo. E ficou toda feliz. A gente tem uma musiquinha, que eu adaptei uma música da Ivete Sangalo pra gente cantar.

P/1 – Qual é a musiquinha?

R – Vai me fazer cantar (risos)? É: “Acabou, acabou essa etapa, findou, coração é só felicidade. Acabou, acabou, vou pra casa curtir à vontade”. Aí a gente vai repetindo, porque não consegui mudar muita coisa mais. Mas é muito emocionante. Os pais, a gente se emociona, porque terminar essa etapa é vitorioso para todo mundo. Então acho que essas festinhas me marcam muito. Mas o paciente que tá também assim perdendo peso... Semana passada mesmo, uma paciente que chegou pra mim, não estava conseguindo andar, peso abaixo, não estava conseguindo comer. Semana passada eu a atendi no consultório, já recuperou o peso, comendo bem, outra pessoa na minha frente. Suspendi o suplemento, a gente tá só agora acompanhando a alimentação dela com o plano alimentar. Mas é muito satisfatório. Então assim, todos os pacientes são especiais, não tem como eu escolher um. A festinha, que eu vou mudar esse nome, mas essas festinhas são bem emocionantes.

P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar agora então para as questões finais. Antes de encaminhar, são duas perguntas que a gente faz pra fechar. Queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você gostaria de falar.

R – Não. Acho que praticamente vocês perguntaram da minha vida toda.

P/1 – E então, pra fechar, a penúltima é: quais são seus sonhos hoje?

R – Olha, viajar é uma paixão. Acho que deu pra perceber, eu sempre falo de viagem. Eu amo conhecer cultura, então tem muito lugar que eu ainda tenho vontade de conhecer, vários. O povo morre de rir, que toda vez eu falo: “Ah, eu morro de vontade pra isso” “Ah, Janine, mas qual lugar que você não tem vontade?”. E cada vez crescer mais na minha profissão. Eu peço muito a Deus que eu possa viver disso, que eu consiga ter uma família, sustentar minha família fazendo o que eu faço, porque eu amo. Não tem outra coisa assim: ah, eu podia ser médica, podia ser... Não tem. Eu gosto muito disso. E eu quero sustentar a minha família disso. Então eu peço, meu sonho é poder viver disso, viver bem, ser nutricionista, fazer o que eu faço, curtir minha família, e viajar, isso tem que ter.

P/1 – E, por fim, como foi contar a sua história? Como foi dar o seu depoimento pra gente?

R – Ah, eu amei. Eu amei. Foi muito legal. Eu estava assim, bem curiosa pra saber como ia ser, o que eu ia falar, se eu ia gaguejar (risos). Mas foi muito legal, vocês me deixaram bem à vontade.

P/1 – Tá certo.

R – Foi ótimo.

P/1 – Muito obrigada então.

R – Obrigada vocês.

P/1 – A gente encerra aqui.

FINAL DA ENTREVISTA