Museu da Pessoa

Campeão dos campeões

autoria: Museu da Pessoa personagem: Carmen Marques Pereira

Projeto Memória Clube de Regatas do Flamengo
Entrevista com Carmen Marques Pereira a Carminha
Entrevista número: FLA_HV009
Realização: Museu da Pessoa
Transcrição de Neuza Guerreiro de Carvalho
Revisado por Luiza Gallo Favareto

P/1 – Boa tarde.

R – Boa tarde Manuel.

P/1 – Carminha, a gente gostaria de começar a entrevista dando o seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Bom, o nome completo você até já disse, Carmen Marques Pereira. Local de nascimento, Niterói. Exatamente na praia das Flechas, em Niterói. A data de nascimento, primeiro de outubro de 22. Ano daquela coisa moderna. Como é? Arte Moderna no Brasil

P/1 – Você poderia dar o nome de seus pais?

R – Dos meus pais? Posso. Meu pai, Jorge Marques Pereira e minha mãe, Corina Pontes Pereira.

P/1 – E qual era atividade de seus pais?

R – Meu pai era oficial da Marinha. Ele morreu como Almirante de Esquadra.

P/1 – E sua mãe?

R – Minha mãe era do lar. Naquela época não se trabalhava, nem nada, né?

P/1 – E seus avós? Você tem lembrança?

R – Meus avós? Tenho. Claro que eu tenho. Lembranças precisamente deles não, mas eu sei mais ou menos o que é. Minha avó por parte de pai, francesa e o meu avô era aqui do Brasil, do Sul (risos). E... Por parte de mãe meu avô era cearense. Minha mãe era do Pará, mas porque ele foi governador do Pará por parte de mãe. Ela nasceu lá ______ porque meu avô também era oficial da Marinha. E por parte de mãe também não sei. Minha avó por parte de mãe acho que era do lar.

Naquela época não existia nada diferente. Mulher não fazia nada diferente (risos).

P/1 – E como era a casa em que você morou?

R – Onde? Em Niterói? Era exatamente na Rua Presidente Pedreira, que era uma rua paralela à praia das Flechas, e uma casa de frente, de rua grande, porque eu fui a penúltima filha. Mamãe teve dez filhos. Eu tive nove irmãos e eu sou a penúltima, então as casas eram sempre grandes, aquelas casas antigas sempre enormes e tal. Sempre os agregados todos lá né (risos), amigos de meus irmãos, minhas amigas, amiga das minhas irmãs, tudo. A casa estava sempre cheia, sempre alegre.

P/1 – E como era a distribuição das tarefas? Como era a Carminha dentro de casa?

R – Não, não existia muito isso, não. Porque naquela época tinha a facilidade de ter empregada, entendeu?

Tinha a facilidade não é feito hoje, que a coisa tá difícil. E naquela época, que eu me lembro, eu estudava. Quer dizer, quando cresci e fui ao colégio, Colégio Icaraí. Estudei no colégio Icaraí, depois quando viemos ao Rio estudei no Anglo Americano.

P/1 – Como era Niterói naquela época?

R – Niterói, naquela época, tinha bonde (risos) e quando eu vim pro Rio ainda tinha bonde. Não tinha assalto, não tinha nada dessas coisas. Tinha aquele batedor de carteira, essas coisas violentas que tem hoje, não tinha naquela época. Quer dizer, não tinha assim, como está hoje em dia. Não tinha morro, os morros não eram tão povoados assim, não eram povoados. De maneira que, a vida era mais fácil, sabe? E você vê um oficial de Marinha, nós vivíamos relativamente bem. Papai era oficial de Marinha, nós vivíamos relativamente bem e tinha dez filhos. A casa grande. Então eu acho que a vida era melhor.

P/1 – E a relação com os irmãos?

R – Maravilhosa. Muito alegre. Lá em casa foi sempre alegre. Lá em casa o pessoal foi muito musical. Papai era oficial de Marinha, mas foi spalla da Orquestra Municipal. Ele tocava, mamãe fazia músicas no piano. Tocava piano muito bem. Fazia música, compunha músicas. Uma coisa linda. Minha irmã mais velha é cantora, professora de canto.

A outra abaixo dela teve medalha de ouro do Conservatório aqui do Rio, de piano. Então aí vai. Nós fomos criados num ambiente muito alegre, muito bom mesmo. Eu fui criada bem, e meu irmão mais moço que eu, que era o Hélio Godinho, que foi mais campeão do que eu no Flamengo. Ele foi bem, muito campeão. Jogou muito bem. Ele que me levou pro Flamengo (risos).

P/1 – Nós vamos chegar lá...

R – Nós vamos chegar lá (risos).

P/1 – E com que irmão, com que irmã, você se dava melhor?

R – É, eu me dava melhor, sei lá, com todos. Sempre é acima da gente que a gente se dá melhor, né? Sempre a que vem acima ou abaixo. O Hélio, minha irmã acima, a Lays. Mas eram muitos e a gente não tinha assim uma preferência não.

P/1 – E nos tempos da escola, onde você estudou?

R – Eu? No Colégio Icaraí. Mas lá no colégio era normal. Naquela época a gente fazia escola pública, primário, escola pública até o admissão. Depois fazia o ginasial e nunca pratiquei esportes lá. Lá, o que eu gostava era da dança clássica. Eu sempre fui muito ligada à arte. Não sei se por causa da minha família. Não sei. Eu gosto muito.

P/1 – De arte?

R – De arte. Eu gosto muito de pintura, eu gosto muito da arte em si, eu gosto.

P/1 – E dentro da escola, como você era como estudante?

R – Ah, eu era até levada. O colégio dava para uma praia e agora tem um paredão, o Colégio Icaraí lá em Niterói, na Rua Presidente Domiciano, lá em São Domingos. Agora tem uma rua, uma avenida ali, mas antes era uma (risos) praia. Eu era a primeira a ir correndo no recreio saltar e ia para praia pelo muro, por aquele paredão. Era um inferno, sabe? (risos). Os professores procuravam e eu não estava. Eu ia de bicicleta, fazia miséria, eu era muito levada, realmente, realmente eu sempre fui muito levada nesse negócio, eu sempre fui muito agitada.

P/1 – Levada... E na questão escolar, de dar conta da...

R – Na escola? Sempre fui muito bem. Muito bem.

P/1 – Do que a senhora gostava mais de disciplinas?

R – Eu gostava mais da Geografia, engraçado né? Eu não sei porque, não sei. Eu adorava e adoro até hoje. Aquele negócio de mapas me deixava agitada. Não sei se aí que eu fui veleira também, né? Pelo Flamengo eu fui tricampeã nos jogos da Primavera, de vela, pelo Flamengo, é isso aí.

P/1 – E nos tempos da infância, quais eram as brincadeiras que a senhora...

R – As brincadeiras naquela época eram diferentes das de hoje. Eu adorava jogar futebol na praia. Jogava com meu irmão, o pessoal adorava, eu sempre gostei. Futebol, futebol, eu gostava quando era garota, a muitos anos atrás. Eu jogava amarelinha, eu andava muito de bicicleta. Lá era fácil fazer essas coisas, porque não tinha o trânsito que tem hoje. Eu saia de bicicleta ia lá para a praia, pra baixo e pra cima. E você sabe que em Niterói, naquele momento, aquelas praias Piratininga, Itacoatiara, Itaipu, onde depois eu vim a morar, eram completamente desertas, não tinha condução pra lá e nós íamos a pé pra Jurujuba, passávamos em cima do morro, saíamos em Piratininga, onde tem um forte, São Luiz, Rio Branco, não sei qual dos nomes dos dois. Então uma das coisas que nós fazíamos muito era irmos para a praia, assim fazer piquenique. Levávamos comidas, levávamos tudo (risos).

P/1 – Era a família?

R – Era a minha família, família, os maridos, os noivos, os namorados. Ia todo mundo. Em fins de semana a gente fazia muito isso. Era muito bom. Era muito saudável, inclusive.

P/1– E a senhora falou em futebol de praia. Que tipo de bola vocês utilizavam, porque futebol de praia com...

R – Era uma bola... Sabe que eu não sei. Não era de...

P/1 – Pequena?

R – O quê? Pequena não. Tamanho normal, como essas de agora... Eram diferentes das de voleibol (risos). Eram diferentes, mas eram uns gomos também assim, eu não sei do que era aquilo. Realmente eu não sei o que você me perguntou agora, você me pegou, porque eu não me lembro do que era não. Nunca prestei a atenção, que engraçado isso. Você me pegou, hein (risos). Eu sempre estou por dentro de tudo (risos).

P/1– Eu queria saber um pouco de quando a senhora não estava na escola, não estava estudando, não estava em casa, qual era o divertimento?

R - Qual era o quê?

P/1– A diversão da época?

R – O divertimento da época? Bom, eu ia ao cinema. Eu adorava o Flash Gordon. Tinha os filmes do Flash Gordon (risos), eu adorava. Ia ao cinema e brincava mesmo. Não tinha um divertimento assim especial. Quando eu já estava mais mocinha – que eu saí de lá mocinha, de Niterói para o Rio. Eu era mocinha já, adolescente – tinha umas domingueiras também lá no clube da praia de Icaraí, no Clube Central, que se chamava. Eu adoro dançar.

Adorava, porque agora estou sem poder dançar por causa do joelho, que não está muito bom. Mas eu ia muito às domingueiras. Isso era um divertimento maravilhoso (risos).

P/1– Pra quem não sabe o que eram domingueiras?

R – Domingueiras, todo domingo tinha dança, tinha reunião daquela turma toda da praia, no clube. E atualmente... Como fazem agora essas coisas de danças. Era assim naquela época. Naquela época aquilo era bom. A gente fazia com prazer, esse negócio todo, ia lá brincar, dançava. Eu adorava dançar. Adoro até hoje.

P/1 – A infância foi em Niterói, então?

R – Foi em Niterói. A adolescência… Mais pertinho da adolescência é que eu vim morar aqui no Rio.


P/1– Porque a senhora veio para o Rio?

R – Morava a família toda em Niterói, mas a questão é que os meus irmãos começaram a casar e vir morar no Rio, uma até morava na Urca, duas moravam na Urca. Então mamãe resolveu vir. Era viúva, comigo e com Hélio só. Nessa altura, só eu e Hélio solteiros. Hélio meu irmão, mais novo do que eu.

O pessoal todo casado já.

P/1 – Vocês tinham quantos anos na época?

R – Foi em que ano? Mil novecentos... Quando eu vim para o Rio...1940, 45, um negócio assim, quanto é? Eu não sei, eu não sei quantos anos eu tinha não.

P/1– Vinte e poucos anos.

R – É isso, isso aí, mas aí, então, mamãe veio por causa disso, porque as minhas irmãs casaram e vieram todas para o Rio, todas aqui da Zona Sul. Nós viemos e desde essa época nós moramos na Urca, até 1900 e... Esse negócio de data que é fogo... Eu morei até 1900 e... 79, por aí... Entendeu? Tem uma moça olhando (risos).

P/1– Então, a mudança de Niterói foi para a Urca?

R – Foi para Urca, direto para a Urca. Aí mamãe morreu lá na Urca, eu continuei na Urca muitos anos ainda. Ela morreu em 54, e eu continuei morando com meu irmão lá na Urca e tal, depois eu resolvi sair da Urca e fui morar em Itaipu, lá em Niterói. Morei muito tempo lá.

P/1– Como foi o período que a senhora morou na Urca?

R – Sim, lá eu comecei a jogar voleibol no Flamengo.

P/1– A senhora morava com a mãe, com o Hélio?

R – Morava com a mãe e o Hélio, meu irmão, só.

P/1– Os três?

R – É, porque cada um morava na sua casa, todos estão casados, minhas irmãs todas casadas, né?

P/1 – E paralelamente a senhora estudava ou trabalhava...

R – Não, eu comecei a trabalhar lá. Comecei a trabalhar depois que mamãe morreu, mas não estudava não. Comecei a trabalhar. Eu já jogava, porque eu já jogava voleibol, quando eu fui para o Flamengo, em 49.

P/1– Pois é, é isso que eu queria perguntar...

R – Eu não queria nada não, eu ia pra praia (risos).

P/1 – Não, como é que entra a...

R – A o quê?

P/1– A coisa do esporte...

R – O esporte entrou em Niterói. Eu cheguei a jogar em seleções em Niterói. Foi lá em Niterói, no Icaraí Praia Clube que eu comecei. Eu jogava na praia já nessa época, em Niterói, porque era brincadeira, de jogo de praia, de voleibol de praia antigo, que não era de hoje. Foi lá que eu entrei no Icaraí Praia Clube e fui para a primeira divisão, comecei a disputar e fui para a seleção do Estado do Rio, foi daí que eu comecei a jogar. Aí o Hélio, meu irmão, que já jogava no Flamengo, basquetebol e eu já tinha um convite para o Fluminense, pra ir jogar no Fluminense, voleibol. Tinha um convite do Tabajuca, que era uma,.. Tabajuca não, Tabajaras. Tabajuca era uma taça que nós jogávamos voleibol. Tabajaras, que era lá na Urca, no final. Eu tinha um convite... As pessoas insistiam pra eu ir jogar e tal, mas eu continuei jogando lá em Niterói, lá no Icaraí Praia Clube, mas eu optei pelo Flamengo, porque lá em casa todo mundo era Flamengo. E o Hélio também já estava. O Hélio, meu irmão, né? Pesou muito. O Hélio pesou muito na minha decisão. E o Fluminense... E o pessoal que eu conhecia lá de Niterói eram todos do Flamengo. E o Flamengo estava formando, o time de vôlei do Flamengo estava em formação. Eu fui pra lá e comecei logo como vice-campeã, depois campeã, campeã e comecei a ser campeã várias vezes.

Eu posso falar uma coisa?

P/1– Pode.

R – Nós fomos é... 51, 52, 54, 55, 56, 57, nós fomos pentacampeãs, mais do que representantes de 1957 no Flamengo e eles não nos deram o Laurel do Flamengo, nessa época. Eles foram me dar muito depois, e nós estamos até hoje. Eu poderia ser Conselheira Nata, em função desse Laurel que a gente tem direito a ter, de tantos anos atrás. Mas isso só foi dado em 1980, porque parece que tinha que pedir, nós não sabíamos. Nós não ligávamos para essas coisas. Então eu estou aproveitando para falar isso aqui, porque eu estou lutando por isso até hoje.

P/1– Foi muito bom?

R – Foi.

P/1– A senhora contou também, que a senhora tinha tido uma passagem pela natação.

R – Ah, isso foi antes do voleibol. Eu fui juvenil e foi em Gragoatá. Foi antes, em Gragoatá, um clube que tem lá em Gragoatá, um bairro de Niterói. Agora vai dar na Praia da Boa Viagem, vai dar naquele Museu que tem lá, aquele negócio, que é enorme, bonito, do Niemeyer, Niemeyer né, quem fez aquilo? Gragoatá _____ São Domingos vai por ali, passa pelo colégio Icaraí, que agora é a Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFF, Universidade Fluminense e... Era ali em Gragoatá. A gente via uns pranchões, não tinha piscina não e eram uns pranchões no mar. A gente nadava ali, até o outro pranchão de 25 metros. Era um negócio diferente, depois quando eu comecei a nadar mesmo pra valer, comecei a nadar aqui no Rio, no Fluminense, na Tijuca, aí já tinha piscina, mas lá em Niterói eu treinava em pranchão. E fui campeã de natação (risos). Mesmo assim, sem treinar em piscina nem nada.

Eu tenho minhas medalhas todas, se você for lá em casa, eu te mostro tudo. Tudo o que eu tô falando eu posso provar, hein (risos).

P/1– A gente não duvida.

R – Não, eu sei.

P/1 – E como era... A gente queria saber um pouco disso.

R – De Niterói?

P/1– É.

R – Não, é só isso, que a gente treinava na praia, aí o Gragoatá entrou para a Liga Carioca de Natação, ou já era. Eu não me lembro bem, eu era garota, nessa época realmente eu era garota. Juvenil foi época de juvenil. Aí quando entraram pra... Não sei se já eram. Eu comecei a disputar campeonatos, que tenho retratos que eu vou lhe mostrar quando tiver oportunidade, lá de Niterói. Tenho uma fotografia de eu saltando do pranchão. Aí eu comecei a disputar no Rio. No Rio eu disputei em piscina. Mas eu ganhava.

P/1– E quais eram as provas?

R – As minhas eram costas e crawl frente. Eu era melhor no de costas, eu boio muito (risos) ____ sempre boiei bem (risos). Tinha de costas, a gente tem que ficar; boiar bem, saber boiar bem e foi a primeira coisa que me ensinaram (risos).

P/1 – Quando a senhora foi competir na piscina, o que sentiu? Qual foi a diferença...

R – Ah, não me lembro. Não me pergunte isso, que eu não me lembro. Eu era garota, eu não me lembro de nada. Se eu senti a diferença? Devo ter sentido, mas num... Devo ter sentido a diferença da água mais pesada, mais leve, não sei.

Eu não me lembro realmente. E agora eu sei que existe, que a água é mais pesada, mas da piscina parece que é mais pesada, não, a do mar é mais pesada. Eu não sei realmente, não me lembro, não posso me lembrar do que eu senti, não me lembro..

P/12– E quanto tempo foi essa passagem pela natação em Gragoatá?

R – Eu nadei em Gragoatá em 1930 e... Se eu soubesse, eu tinha visto isso lá em casa hoje (risos). ____ Eu tenho retrato, tenho tudo. Foi em 1932, ou 34, por aí, 31. Eu não sei, realmente eu não sei. Até 38, parece, um negócio assim.

P/1– Doze, quinze anos...

R – Claro, claro, dezesseis anos, por aí.

P/1– Tinha, naquela época, um quarteto do Flamengo, que eram as fortalezas voadoras?

R – De quê? De natação?

P/1 – De natação.

R – Tinha, não sei se foi na época ou se foi depois ou se foi na... Olha.... Eu não sei (risos). Eu me lembro da Lygia Cordovil, Piedade Coutinho, que é irmã da Lygia, que eu não me lembro o nome agora, também. Tinha a... Eu lembro da Lygia Cordovil e Piedade Coutinho.

P/1– Scyla Venâncio.

R – Havelange não. Havelange...

P/1– Venâncio.

R – Ah, Scyla Venâncio, tinha a Nova Monteiro, não me lembro o primeiro nome dela também, era boa, mas esse pessoal era daqui do Rio, né? A Lygia não, a Lygia era... Ah sim, era sim, do Flamengo, é isso mesmo, me veio.

P/1 – Eram elas três e a Geisa de Carvalho.

R – Geísa, Scylla, Lygia, era Piedade Coutinho?

P/1 – Piedade Coutinho.

R– Eu tenho isso lá em casa, mas não me lembro assim, eu acho que era isso mesmo. Pela minha cabeça, eu acho que era.

P/1 – Saiu da natação e passou pro...?

R – Não, eu comecei a jogar voleibol na praia, naquele negócio de clube, eu comecei a jogar. E eu preferi, eu escolhi ir pro vôlei. Eu gostava de jogar vôlei.

Eu gostava mais de jogar uma bolinha (risos).

P/1– E começou... Sempre foi levantadora?

R – Sempre fui levantadora.

P/1– Antes de entrar no Flamengo a senhora jogou em outros clubes?

R – Só joguei no Icaraí Praia Clube, que não tinha nada... Era outra federação, né?

P/1– Eu estava olhando as informações que a senhora me deu, em dois anos, 45 a 47, não sei...

R – Ah, eu viajei aos Estados Unidos.

P/1– Pra que?

R – Eu fui com minha irmã e meu cunhado, que também era oficial da Marinha. Eles foram morar em Washington. E minha sobrinha, que é minha afilhada, que agora é socióloga, está formada tudo, a Laisinha, ela era pequenininha e eu sou madrinha dela. Então minha irmã quis que eu fosse com ela para ajudar, primeira filhinha dela. E eu fui pra ajudar (risos). Quer dizer, fui passear também (risos).

P/1 – Morou em Washington?

R – Morei em Washington. Quase isso, não chegou a dois anos, não.

P/1– Você sentiu muita diferença?

R – A gente sente saudades, sente diferença tudo, porque é outro país, outros costumes, outra civilização diferente da nossa, né? Completamente diferente, já naquela época era diferente. Eu não posso falar nem me estender muito porque... (risos). Se não vou presa.

P/1 – Não. Quando a senhora volta para o Brasil, já volta com essa ideia de...

R – Não, quando eu voltei para o Brasil, já morando lá na Urca há muito tempo, o Hélio, que jogava voleibol, o pessoal do Fluminense me procurou, o pessoal do Tabajara me procurou e… Mas o Hélio, meu irmão, que estava comigo: “Vai pro Flamengo, tão chamando”. E tanto fez, tanto fez que eu fui.

Aí eu fui pro Flamengo. Eu gostei, adorei ir para o Flamengo.

P/1– E quando entrou no time do Flamengo, quem era o treinador?

R – Zuolo Rabello. Zuolo Rabello, que iniciou toda essa coisa nossa, que nós fomos campeoníssimas, foi Zuolo Rabello que iniciou tudo isso, que formou muita gente. Eu já vim meio formada lá de Niterói porque eu já tinha disputado campeonato em Niterói. Então era uma espécie assim de... Sei lá, de um reforço, uma coisa assim, entendeu? No time. Não sei bem se foi isso, mas mais ou menos isso e... Aquele time nosso, o nosso voleibol era uma coisa fantástica. Era romântico nosso voleibol, não existia nada de dinheiro, não existia... Sei lá, pessoas que são mercenárias podiam até... Mas não existia nada disso, uma coisa fantástica. A gente era amigo, era tudo, era pela camisa mesmo que a gente jogava, entendeu? Tanto que até hoje eu sofro as consequências da minha camisa, de jogar pela camisa, pelo meu joelho (risos), que eu tenho que operar. Então essa coisa assim, que a gente... Não tínhamos essa mordomia toda que tem agora. Que esperança?

Que esperança? Não tinha nada disso. Imagina, nós comprávamos as nossas coisas, os nossos uniformes, no Flamengo, hein? Mais tarde começaram a dar, mas no início, nós é que fazíamos tudo por nós. Dávamos tudo, comprávamos tudo. Não tinha médico, não tinha... Depois, de 1950, não sei o que, aí sim eu estourei meu joelho, esse direito aqui, um jogo de voleibol e depois eu vou dizer como foi fantástico, no Maracanã, grande. Eu já falei sobre isso? Não, né? E eu estourei meu joelho e eu caí no meio do jogo lá, com uma dor, uma dor bárbara, menisco, né? E o pessoal continuou jogando até fazer o ponto. Nós fomos campeãs naquele dia. E no dia seguinte me levaram para o hospital e o Doutor Madeira foi quem me operou. O médico que era lá do Flamengo, foi vice-presidente. Ele era do Miguel Couto. Me levou pra casa de Saúde lá de Laranjeiras, não sei o nome mais, Santa Maria, um negócio assim. E lá então, eles me operaram o menisco e aí o Flamengo me pagou tudo. Primeira vez (risos), que eu acho que o Flamengo pagava alguma coisa assim, pelo menos pro voleibol feminino. De maneira que... Não sei se já tinha pago alguma coisa a outras pessoas, mas pra mim foi a primeira vez. E depois, nós não tínhamos as regalias que tem agora. Agora, o pessoal vem com casa, ganhando um bom ordenado, salário muito bom, com casa, automóvel. O pessoal feminino de voleibol.

P/1 – Qual era o ritmo do treinador. Como eram os treinos?

R– Os treinos?

P/1 – Antigamente.

R – Os treinos eram mais ou menos iguais. Nós treinávamos, por exemplo, eu de manhã ia pra praia. porque eu fui jogadora de areia também, né?

Joguei muito na praia. Eu ia pra praia, que é um bom treino por sinal. Agora eu não sei se é. Não sei o que eles acham agora. Não tinha na minha época: jogadora de meio, jogadora não sei de quê, de canto, não tinha nada disso.

P/1 – Como era?

R – Eu era levantadora e tinham duas levantadoras. Tinha três levantadoras logo no início e três cortadoras. Engraçado, eu sempre digo e as meninas cortavam muito bem, e as levantadoras também eram muito boas. Todas nós éramos boas, eu me incluo, porque eu ganhei até a mãozinha de ouro no campeonato (risos), nem sei onde está essa mãozinha. Então tinha três cortadoras, três levantadoras, mas muito boas. Agora, o que me encuca, que eu não tenho certeza, mas eu acho que a rede de voleibol atual é da mesma altura que na nossa época. Isso aí, não é nenhuma vantagem pra elas, porque elas são enormes. Eu fico assim, aqui nelas (risos). Essa meninas modernas, agora que jogam né, que, aliás, eu acho fantásticas também, são formidáveis. Mas eu acho que a rede é da mesma altura, eu ainda preciso saber isso, com certeza. Eu estou querendo escrever um negócio aí, e eu quero saber certo, certo.

P/1 – E a bola?

R – A bola era igual, pelo o que eu saiba, era igual, não era diferente não.

Era branquinha, agora que querem todas de cores, mas era igual.

P/1 – E o material?

R – Ah, você tá me perguntando coisas técnicas, que eu não sei (risos). Se o material é diferente atualmente, eu não sei.

P/1– Você jogou tanto tempo...

R – Era de pelica, né? Parecia pelica aquilo, se era ou não, de encher, né? Sei lá, era isso. Se é realmente desse que eu tô falando eu não sei.

P/1– Eu queria que a senhora lembrasse o primeiro dia, essa apresentação com Zuolo Rabello, o que o Zuolo disse?

R – Foi num treino. Foi num treino de tarde, nós treinávamos à tarde. Bom, foi uma apresentação comum. Carminha, irmã do Godinho, não sei o que.

Aí começaram Carminha e tinha outra Carminha, então Carminha Godinha, aí que veio o meu apelido de Carminha Godinha, que não é o meu sobrenome, nem é o sobrenome do meu irmão. Foi o apelido dele, do meu irmão, que eu não sei até hoje porque ele tinha esse apelido também. Aí foi apresentada a irmã do Godinho que jogava em Niterói e patati, patatá e foi uma apresentação comum, normal. Fui lá e comecei a treinar, o Zuolo gostou e ele estava formando praticamente aquele time bom de vôlei, que (Cassiano Rolim?) completou. Nosso apelido era Campeão das Campeãs. O Campeão dos Campeões. O nosso time tinha esse nome também. Quase ninguém sabe, mas na pedra que vão inaugurar agora, no fim deste ano, como chama?

P/1– Calçada da Fama.

R – Calçada da Fama, tem lá, o time Campeão dos Campeões. Tem lá na calçada e quase ninguém sabe que tinha e o (Rolim Compressor?).

E o (Rolim Compressor?) veio também não sei se foi do basquete ou do futebol, eu não me lembro, acho que foi do basquete, (Rolim Compressor?).

P/1– É aquela época o basquete também...

R – Então foi do basquete, porque foi na década de cinquenta... Isso mesmo. Na época do basquete, porque o futebol, na década de cinquenta, 53 ou 55, na mesma época que nós fomos campeãs, eles foram também tricampeões.

P/1– 53, 54,55. E onde vocês treinavam?

R – Não. Foi 54, 55, 56, porque nós perdemos. Não, foi, 51, 52, 53, 54, bom... Fala...

P/1 – E onde vocês treinavam?

R – No ginásio, já existia o Togo Renan. Naquele ginásio ali da frente, do Flamengo, aquele lá que dá para a praça, já era ali. Era todo aberto assim dos lados, não tinha nada e era maior. O pessoal assistia da arquibancada e depois fizeram aquele negócio embaixo da arquibancada do futebol, e ali era aberto. Eu tenho fotografias, eu posso lhe mostrar um dia oportunamente, eu vou mostrar a você. Porque era aberto, depois eu vi a construção. O nosso chão era de cimento, no início, depois é que começaram a modificar, modernizar tudo. Era muito diferente _____, mas realmente iniciamos uma fase do voleibol, do vôlei feminino, nós é que iniciamos.

P/1– A pergunta é essa: A senhora tem uma passagem no vôlei, mas também...

R – Tenho, no vôlei, muitos anos. No basquete não foi tanto tempo, porque no basquete, quando o pessoal ia treinar basquete e a gente estava lá, eu entrava porque eu gostava muito de jogar também. Sempre gostei muito de basquete e sabia jogar também, direitinho. Batia bola, comecei a bater e acabei entrando pro time. Eu e a Marina, uma outra menina do voleibol que veio do Sul conosco, no campeonato brasileiro que houve lá no Sul, ela jogava pelo Rio Grande do Sul, Marina Celistre. Ela jogou basquete junto comigo e foram as duas do vôlei que jogaram também basquete, porque naquela época, ninguém ganhava um tostão _____. Então ninguém tinha obrigação de fazer, a gente fazia o que queria, então se eu quisesse jogar basquete, jogar water polo, jogar o que fosse, ninguém tinha nada com isso. Não era profissional, era amadora completamente, então não tinha problema. E eu joguei o basquete assim, e calhou de eu ser bicampeã, não é que eu fosse boa no basquete, não (risos). É que calhou eu ser do time, na época, do basquete, que foi bicampeão e eu fui também. Eu e a Marina também que não jogava lá essas coisas.

P/1– Vocês treinavam ali, embaixo da arquibancada?

R – É debaixo da arquibancada, o ginásio era ali.

P/1 – E os horários então, terminava o vôlei e entrava o....

R – Não, não, os horários eram diferentes, por exemplo, nós treinávamos à tarde, até às sete horas da noite. Nas vésperas de jogos, que nós já estávamos boas, já éramos campeãs e aquele negócio todo, nós treinávamos de tarde, corríamos e descíamos. O técnico descia correndo aquela escadaria do futebol, que hoje em dia eu tenho que subir de joelho (risos), mas antigamente subia e descia correndo aquele negócio, todas nós, depois jogávamos e chutávamos um pouquinho de bola lá no campo, todo mundo dentro do campo, isso de tarde. E treinávamos também aquelas coisas da bola na ponta, eles pediam a bola cada vez mais pra gente bloquear, pra gente cortar, porque todas nós fazíamos tudo. Eu sou levantadora, mas tínhamos que fazer tudo, saber fazer tudo, já era assim naquela época. Você era uma levantadora, é como atualmente, né, eu acho, mas não tínhamos a altura que elas têm. Mas então, ele treinava muito essas coisas. Dali então, quando era véspera de campeonato, nós treinávamos, depois de fazer essa coisa toda, nós treinávamos com os meninos juvenis.

Nós sempre treinamos com os rapazinhos e eram muito mais fortes do que as meninas. E foi daí que, nós começamos a pegar mesmo aquela... Aí defendíamos tudo, você precisava ver. Eu não sei se existe filme sobre nós, pra ver que coisa louca que nós fazíamos naquela época. Nós fomos campeoníssima, nós não perdemos para ninguém, nós viajamos pra baixo e pra cima ganhando tudo.

P/1 – E naquela época existia a concentração?

R – Não, concentração era quando você viajava que você tinha que ficar concentrada, mas concentração não, isso é coisa de profissional. Isso não é coisa de amador, não vai concentrar de jeito nenhum, por isso que eu digo às vezes: “Romário tem espírito de amador.” (risos). Ele está certinho.

P/1 – Você pode descrever como era o Clube de Regatas do Flamengo naquela época?
R – Olha, eu vou te descrever as coisas principais.

P/1 – Tá.

R – O clube fica localizado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Não existia aquela sede nova onde vocês vêem, não existia. Então o campo de futebol ficava na beirada da Lagoa. Eu tenho uma fotografia, está até com a Leila, que eu levantava pra ela, uma ótima jogadora de vôlei, se fosse agora ela estaria bem. Olha, na beirada assim da Lagoa tinha aquela vegetação de... Mata Atlântica, né? Como chama? Porque é da Lagoa. Então nós temos, eu tenho fotografias assim, aqui é a Lagoa, é a Mata Atlântica ali atrás no campo de futebol do Flamengo. Tanto que eles contam uma coisa, que eu nunca vi, mas contam, que eles quando treinavam de vez em quando a bola caía na Lagoa e eles tinham que ir buscar (risos), porque era tão pertinho. Desse lado assim tudo Lagoa. Agora, neste lado de cá tinha uma favela chamada Favela Praia do Pinto, onde eu passava quase todo dia de bicicleta por ali e não tinha problema nenhum, se fosse agora, eu não passaria, mas naquela época, primeiro que eu conheço todo mundo, assim, eu me dou com todo mundo, eu não tenho problema com esse negócio não. Porque se eu não passasse por dentro de bicicleta, eu tinha que ir lá, porque eu vinha da Urca com o meu carro e parava na casa do Zolo, que morava em Ipanema, amigo do Mendonça. Deixava o carro, pegava a bicicleta de uma das filhas dele e de bicicleta para lá, porque senão eu teria que ir até o final do Leblon pra vir pra cá, pra Gávea. Não tinha, porque ali existia a Favela Praia do Pinto, que ia dar na Lagoa Rodrigo de Freitas e que tem aquela cruzada agora, quando eles incendiaram. Uma época eles incendiaram, não vou me estender muito nisso, porque eu tenho uma raiva danada desse negócio (risos). De quem incendiou, eu não vou me estender, porque é político e eu não quero entrar em política aqui não, mas quando incendiaram eles então distribuíram o pessoal pra Vila Kennedy e também pro Cícero, Padre Cícero, não é?

Padre Ciço. Foi ele que construiu aquela cruzada ali, que tem ali no Leblon e aquilo tudo é remanescente da Praia do Pinto. A maioria... Agora tem outros lá muito esquisitos, mas começou com a Praia do Pinto, quando a Praia do Pinto foi incendiada.

P/1– E que mais que tinha além da...

R – Tinha o remo do Flamengo, que era maravilhoso, ali em baixo.

P/1 – Tinha garagem?

R – Tinha garagem, eu não me lembro isso não, mas o remo já existia. O remo foi que... O Flamengo começou com o remo. Não começou com o futebol não. O Flamengo começou com o remo, é Clube de Regatas Flamengo. Começou lá perto ali do aeroporto, como chamava aquilo?

Calabouço. Tinha o pra pranche? Depois veio para a praia do Flamengo, número 66, onde era o clube antigo, que agora não é mais, é um prédio enorme, meia meia. Isso eu sei, eu não frequentei essa época, mas eu sei perfeitamente a história, mais ou menos, né?

P/1 – Daquela época, da década de cinquenta, que esportes tinha? Tinha tiro? Esgrima?

R – Tinha tiro. Olha, eu vou contar uma coisa... Tinha. Tiro eu não me lembro se tinha logo em cinquenta, mas o meu cunhado, marido da minha outra irmã, que também era do exército, morreu como general, coronel. Ele chegou a ser diretor lá do Flamengo e quase ninguém sabe disso, ele chegou a ser diretor de tiro do Flamengo, porque ele era campeão sul americano de tiro, então ele era Flamengo, mas ele fazia isso no Fluminense, porque não tinha… Aí quando puseram o negócio de tiro lá no Flamengo, ele foi pro Flamengo, porque ele era Flamengo. Era meu cunhado também, então a família toda realmente...

P/1– Como se chamava?

R – Evandro Guimarães Ferreira, mas ele já morreu, ele morreu como general, já morreu. E tinha o tiro, só tinha uma piscina, depois começaram a aumentar. Aí mais tarde, logo de início era só uma, sabe que eu não me lembro muito bem, mas não tinha piscina não, porque não tinha, o campo de futebol ia para a Lagoa, não tinha mesmo, dava na Lagoa.

P/1– Tinha aquele espaço em frente....

R – Porque não existia. Esse que tem agora, que você vem ali pela [Avenida] Borges Medeiros, e vai toda vida, vai até o Leblon, mas não existia isso. Era fechada, a favela fechava ali aquele negócio. Chegava ali naquele pedaço onde tem aquele posto de gasolina, ali acabava aquela coisa ali. Borges Medeiros, esse pedaço, né?

P/1– Borges Medeiros.

R - Então não tinha continuidade, tá? Depois é que fizeram. Eu não me lembro quando, não pergunte, porque eu não lembro quando (risos). Não prestei atenção.



P/1 – Quando foi a primeira vez que, a senhora também contou que a delegação feminina, a primeira delegação feminina...

R – Não, foi com o Flamengo. Nós fomos ao Peru. Foi em 53 e 55.

P/1 – E com foi essa viagem?

R – Essa viagem foi a primeira delegação feminina de voleibol que saiu do Brasil para o exterior.

P/1 – E como foi feito? Convite?

R – Deve ter sido convite. Eu não me lembro bem como foi, porque isso aí foi transado lá com o pessoal da diretoria, com os técnicos e não chegou aos meus ouvidos como foi o negócio. Eu sei que eu fui viajar (risos). Como foi transado o negócio eu não sei, não, mas eu acho que convidaram lá do Peru, porque eles queriam... Aí foi o técnico... Eu não me lembro... Mas o Zuolo não foi conosco, acho que não podia, porque o Zuolo depois saiu. Era o Passarinho, o nosso técnico, o apelido dele era Passarinho, eu não me lembro o nome dele. Nós fomos com ele e aí eles gostaram da (Bete?) lá no Peru, porque nós jogamos em dezoito cidades diferentes, Trujillo e cidades assim, que eu não me lembro mais todos os nomes, mas muito diferentes.

Na primeira, na segunda também foram dezenove cidades, inclusive downton Tarma, com 3200 ou dois mil metros, não sei qual é, mas uma altura enorme. Onde tem o Rio Amazonas, aquele negócio todo. Esse Rio Amazonas afinal nasce onde, hein? É lá, parece que é no Peru, né não?

P/1– Nasce no Sul do Peru.

R – No sul, mas é lá.

P/1 – No meio dos Andes.

R – Então, mas de lá que passava um rio, olhava assim e dizia: Gente, que rio caudaloso, uma beleza. Lá de cima cai neve à beça, neva muito lá. E a primeira vez que nós fomos lá... Foi a segunda vez, em 55, que nós fomos à Tarma e a seleção peruana também foi junto conosco, então existe uma coisa chamada soroche, eu não tive soroche, eu não senti nada.

P/1 – Você pode explicar o que é?

R – Soroche é uma espécie assim de altura, você desmaia com a altura. Você não aguenta. Quando nós chegamos, saltamos do trenzinho que vai assim... Como que chama? Carreteira do inferno? Como chama? É assim que chama?

P/1 – Infierninho?

R– Carreteira inferno. Sei que era o inferno, sei que é do infierno (risos). É um trenzinho, que é um perigo, o negócio vai assim na beiradinha, um trem pequenininho. Parava de vez em quando, acho que ali era os Andes, sei lá o que era, porque tinha umas lhamas, mas aí aquela coisa de animação todo mundo já começava: “Ah, ah.” Não podia respirar direito, aquela falta de ar por causa da altura, o tal de soroche estava começando, isso no meio do caminho. Então tinha aquelas lhamas e não sei, não lembro qual foi das meninas que chegou perto das lhamas: “Ah, mas que coisa linda.” Era a lhama, pá, e ela deu uma cusparada, porque as lhamas dão cusparada em cima da moça (risos), foi uma loucura, nós rimos tanto, essa foi uma das histórias. Mas quando nós chegamos em Tarma mesmo, que fomos jogar lá em Tarma, e aí todo mundo... Sempre nos lugares a gente saia correndo para pegar os quartos melhores, as camas, esse negócio todo. Brincadeira, mais de brincadeira do que outra coisa. E nós saímos do trem, todo mundo correndo, eu conseguia andar, correr, correr é modo de dizer, porque ninguém conseguiu andar todo mundo começou a andar em câmera lenta, que coisa esquisita. Todo mundo cansado. Eu também, mas não cheguei a desmaiar nem nada. Quando chegou a noite, “gente, como nós vamos jogar aqui nesse lugar com todo mundo andando devagar?” Ainda bem que as meninas de Lima vieram, porque elas também tiveram o soroche, elas não estão acostumadas, porque Lima é no nível do mar. Já lá em cima... (risos). Eu sei que foi engraçado, nós jogamos, mas toda hora tinha que trocar alguém, porque estava cansada, cansa muito. Mas elas também estavam piores do que a gente, eu acho (risos). Eu sei que nós ganhamos e nós não perdemos nada, fomos campeãs invictas toda vez que fomos ao Peru.

P/1– Eu queria sair um pouco do esporte, e queria perguntar, quem te ensinou a dirigir, dirigir o carro?

R – Olha, eu tenho o meu carro há muito anos, eu tenho o meu carro desde 1940 e.... Sei lá, eu não me lembro não, quarenta e qualquer coisa. Quem me ensinou a dirigir já foi o meu cunhado lá em Petrópolis, uma vez só que eu pedi a ele e ele me ensinou. E daí quando eu saí pela primeira vez com meu carro num domingo, aqui no Rio, parecia que eu estava fora do Rio, que engraçado (risos). Aqui no Rio... Eu... Hí, foi com o Hillman, chamava assim, uma caminhonetizinha pequena, Hillman, inglês. Eu dirigi muito carro inglês, francês, porque naquela época não tinha carro brasileiro de jeito nenhum, depois é que eu comecei a comprar Volkswagen, alemão, e depois veio o brasileiro, mas foi muito engraçado. Uma amiga minha, a Norminha, que jogou conosco também, saímos as duas pela praia do Flamengo e ela com um medo danado, porque eu (risos) não dirigia direito, aí aquele negócio bum, bum e eu fui na praia do Flamengo, peguei a calçada, subi por cima da calçada, mas aí eu comecei a dirigir e não parei mais. E fiquei muito tempo sem tirar minha carteira de motorista, quando eu fui tirar era o coronel Igrejas, ele era durão com todo mundo, naquela época, e todo mundo tinha medo dele, mas eu sei que eu me dei bem com ele, porque ele disse depois: “Ah, pode deixar, e tal", mas me deu um pito danado, porque ele me conhecia, eu dava carona pra um juiz de voleibol, ele morava em Botafogo e eu ia pra Urca. E não tinha carteira de motorista, ele me deu uma bronca danada, mas aí me deu a carteira. Eu tive sorte, ele era durão pra chuchu. Todo mundo dizia que ele era durão. Eu não achei ele durão (risos).

P/1– Na época isso era raro, então?

R– Hein?

P/1– Dirigir carro, uma mulher...

R – Ah, mas só tinha eu e mais duas mulheres dirigindo. Era a Leila e uma outra moreninha, que morava ali na... Leila jogava voleibol conosco. Ah... Morava ali na Lagoa. Como era o nome dela? Eu esqueci o nome dela, esqueci. Milú, o apelido dela era Milú. Era irmã sabe de quem? Desse rapaz que está aí todo atrapalhado com esse Banco Econômico, o dono do Banco Econômico baiano, o dono do banco econômico (risos), a irmã dele. Ela tinha carro.

P/1– Carminha, que outras coisas diferentes você fez na tua juventude?

R – Ah, eu velejei. Eu fui campeã, tricampeã, se eu não me engano, tricampeã de velas dos jogos da Primavera, pelo Flamengo.

O Flamengo não sabe disse não, não sei porque não sabem.... Porque se eu tenho duas calçadas nessa Calçada da Fama, eu deveria ter três, entendeu, mas tudo bem, tudo amadorismo. Joguei vôlei, joguei basquete, joguei tudo quanto eu pude fazer eu fiz, de esporte.

P/1– E a vela? Onde e como você entrou? Quem...

R – Isso de vela foi mesmo minha família, meu cunhado, minha irmã. Eu sempre andei muito de barco lá em Niterói. Comecei em Niterói, aprendi mesmo a velejar foi em Niterói, no Iate Clube do ____ Brasileiro, que lá eu ia muito, que meu marido era de lá, quando eu conheci o (Gláussio?) ele era do Iate Clube, do Icaraí Praia Clube, mas eu me separei dele logo em seguida.

P/1– Você conheceu seu marido lá?

R – Conheci lá.

P/1– Naquele lugar?

R – Ele era velejador, veleiro.

P/1– É verdade que a senhora é a introdutora do biquíni na praia?

R – Não, introdutora não, que é isso? Não vamos fazer esse flash não. Não é introdutora, quando eu usei biquíni, em 1950, 51, ali no posto dois, eu disse isso, que nem as vedetes usavam ainda o biquíni, agora (risos) não sei se fui a introdutora, não. As vedetes não usavam por aí, pode ser. Foi em cinquenta, por aí, 51, por aí. Eu tomava banho ali no Posto dois, que a praia era vazia completamente (risos).

P/1– E a reação das pessoas quando viram uma mulher de...

R – Não, eu não prestava muita atenção não, não dava bola, não. Deviam falar, mas eu não dava bola, não estava nem aí. Eu estava no meu direito, eu sou muito das coisas certinhas, então eu achei que estava certa. Ninguém tem nada com a minha vida, como eu me visto, nada, nada. Sempre fui assim.

P/1 – Eu queria voltar á viagem de 53...

R – Não, eu não quero não. Ah, a viagem do Peru? (risos) Pensei que quisesse voltar lá pra cinquenta (risos)...

P/1– Não. Quando viajou para o Peru, como foi a recepção dos...

R– Ah, maravilhosa, coisa maravilhosa.

P/1– Quem recebeu? Como foi....

R– Recebeu foi o pessoal todo da Federação Peruana. Nós fomos para Miraflores, era um clube, mas que tinha feito um alojamento para esporte, não sei se era de (Belas?). Nós ficamos em um alojamento espetacular nesse Miraflores, o clube se chama Miraflores, mas o local também é...

P/1– Terraças.

R – É, Terraças, esse. Então nós ficamos lá e fomos muito bem recebidas, muito bem. As jogadoras lá tinha uma que depois foi Miss Universo, que foi a Gladys Zender, que inclusive eu tenho uma fotografia dançando a marinera com ela (risos), ela não era, e ainda não tinha sido... Isso foi em 55, e ela foi miss em 57.

P/1– Ela jogava vôlei?

R – Ela jogava vôlei, ela jogava no time do Peru, selecionada do Peru.

Depois não sei o que houve que o Peru começou a ganhar do Brasil feito um louco, você lembra? Praticamente aprenderam a jogar conosco, praticamente foi isso. Eles queriam mesmo isso, eles nos convidaram, nós sabíamos, todo mundo sabia. Eles queriam iniciar no feminino, e foi o Flamengo o premiado pra ir lá, o convidado pra ir lá e iniciar. Eu achei ótimo isso, maravilhoso. E depois elas vieram e ganharam do Flamengo, do Flamengo não, do Brasil.

P/1– A federação queria ficar com o treinador?

R – A Federação, Monsieur (Pezée?), senhor (Pezée?), sempre a gente chamava ele de (Pezée?) de propósito. Era o presidente da Federação de voleibol lá do Peru. São pessoas maravilhosas, eu tenho fotografias maravilhosas do pessoal de lá. É um povo realmente que se... Parece muito com... Pelo menos com o carioca se parecem, são alegres, são brincalhões. Nós passamos um carnaval lá no Peru, lá em Lima (risos), a única coisa diferente foi nisso, é que o carnaval lá é completamente diferente. Eles jogam coisas, água e não sei o que, negócio engraçado à beça e nós levávamos cada banho, nós não sabíamos (risos) que era assim, mas foi muito bom. Foi espetacular aquilo lá. Deu uns temblores também que não é brincadeira, as paredes faziam dum, dum, dum, dum.

P/1 – A senhora já teve... Já passou por algum?

R – Bom, não sei se foi um tremor grande, pequeno ou médio, mas um foi quando nós estávamos no cinema. Eu e várias meninas do voleibol, de repente começou a tela assim a tremer, um negócio assim. Eu disse: “Que coisa esquisita.”, aí as pessoas começaram a levantar e a sair.

Eu digo: “Eu vou sair também” aí, “Eu vou sair daqui, eu vou sair junto com as pessoas”.

O pessoal saindo no meio do filme, na primeira seção, que coisa esquisita isso. Estava tremendo a tela, aí quando chegamos lá fora, deu um (termina?), rachou lá onde tinha a embaixada do Brasil, eu tenho fotografia também. Tudo mais racha desta largura, assim, pá, uma coisa louca. Engraçado que as que tinham ido não sei onde de automóvel, não sentiram o temblor, o tremor de terra, temblor é em espanhol, o tremor de terra, não sentiram. Andando de automóvel não sente, que coisa esquisita né?

P/1 – Carminha, a senhora falou do tempo do amadorismo e tal...

R – Tudo, tudo, tudo. Só tem amadorismo, profissionalismo não tem (risos).

P/1 – A senhora trabalhou em que, naquela época?

R– Bom, o primeiro trabalho realmente que eu tive foi no Centro Latino Americano de Física, eu não trabalhei nada, eu era boa vida (risos). Eu sempre fui boa vida, agora é que eu faço questão de trabalhar (risos). Eu comecei a trabalhar em... 57, eu ainda jogava e tudo.

57 foi quando eu me casei, mas eu me desquitei logo, em seguida. Aí eu fui trabalhar e trabalhei até aguentar. Não, primeiro foi no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, ali na universidade, ali na Praia Vermelha, na esquina da Pasteur com Wenceslau Brás.

Depois passei para o Centro Latino Americano de Física, ligado à UNESCO, é da UNESCO, um organismo internacional. Eu fazia tudo lá, inclusive na época de Brasília, que começou a existir Brasília, que teve aquela Universidade de Brasília, eu que ia lá sempre, assinava tudo por eles. Eu tinha autorização da UNESCO pra assinar. Às vezes eu fico pensando lá no Flamengo, quando eles me tratam de uma maneira assim que eu não gosto... Isso é normal, você gostar ou não gostar das coisas. Eu acho que eles pensam que eu só joguei voleibol, o que não é verdade. Eu trabalhei em nível internacional. Eu falei, agora não falo mais, três línguas correntemente, que eu era obrigada a saber francês, inglês e espanhol. Não falo mais nada agora, só leio, mas falar mesmo fica muito marcha lenta, mas no telefone, que é uma das coisas mais difíceis de você falar uma língua estrangeira é chato, horrível. Mas o pessoal lá não sabe e então me tratam de uma maneira que eu não gosto, entendeu? Fazendo as comparações com o que está acontecendo, as coisas que aconteceram e que vem acontecendo, eu acho que não estão certos, não. Eu sou muito... Eu sou libra. Meu aniversário é primeiro de outubro, eu sou libra, aliás, eu não acredito muito nisso, mas eu sou muito igual ao que dizem no horóscopo de libra. Porque eu só quero justiça, eu quero coisa justa, se não estiver justo para mim, eu também não quero. Eu sou justa com todo mundo, então, mas lá, num tá, sei lá.

De vez em quando tem umas coisas que eu não gosto.

P/1– Naquela época, como a senhora compensava trabalho com esporte?

R – Meu trabalho com esporte, não tinha problema. Eu treinava de noite também. Aí eu já estava quase... Não estava muito interessada mais no esporte, mas estava jogando e joguei até tarde.

P/1– Até quando?

R – Até... Sessenta e... 67 ou 68, por aí.

P/1– Dezoito anos?

R – Que eu joguei no Flamengo.

P/1 – E nesses dezoito anos...

R – Tem coisas lá em casa que tem data, mas eu não sei direito, eu não me lembro bem.

P/1 – Nesses dezoito anos, quais foram os momentos mais...

R – Ah, isso aí é tão difícil de dizer!

P/1 – Por que?

R– É tão difícil, porque foram tantos momentos bons e tantos momentos chatos. Um dos momentos maravilhosos foi quando nós fomos tricampeãs, bicampeãs, quando nós ganhávamos. No esporte você está falando, não?

P/1 – É.

R – Momentos maravilhosos foram quando nós ganhávamos aquilo era uma alegria louca, a alegria do amador é exatamente ganhar. Quando nós tínhamos uma viagem para fazer, era fantástico, mesmo aqui, por dentro do Brasil. Era coisa muito boa. Eu viajei muito, eu tenho muita coisa lá.

P/1 – Qual dos títulos à senhora guarda mais, que lembra com mais carinho?

R – Não lembro, porque foi tudo igual, não lembro mesmo. Sinceramente, só se eu começar a pegar as minhas fotografias e começar a lembrar, o que eu não fiz ainda. Eu prometi, mas não fiz. Aí eu me lembro, mas assim de chofre assim, eu não me lembro, não. Você sabe o que é de chofre? Você é peruano? (risos). De repente isso é uma coisa antiga, eu acho, nem sei se é da... Será que isso seja de dicionário? Não sei (risos).

P/1– A senhora falou que tem uma torção no joelho.

R – Ah nem fala, mas não é no joelho que eu operei não, é no outro.

P/1 – Foi jogando vôlei?

R – Desde a época do voleibol que eu tenho isso.

P/1 – Como era o tratamento pra sarar, pra dar um jeito...

R – Era gelo. Como é normal hoje em dia, é usar gelo naquela época já, mas a gente não dava bola, não. Porque a gente tinha dor e ia assim mesmo.

Olha, eu tive um jogo lá no Flamengo, um campeonato, na final de campeonato, que eu tomei uma injeção no tornozelo que eu torci, tomei uma injeção no tornozelo. Porque não tinha, não gosto de dizer essas coisas, mas eu não tinha reserva, assim, à altura, entendeu? Um negócio assim. Então me deram uma injeção no tornozelo e eu entrei em campo pra jogar. Tenho até uma fotografia do pessoal me carregando aqui em cima. Porque eu joguei completamente machucada, eu saí de campo, nós ganhamos. Eu saí de campo, fui pro vestiário, quando eu tirei o sapato, o pé começou a inchar e foi uma dor horrorosa. Aí puseram gelo, aquele negócio todo, mas eu tomei uma injeção pra jogar, no tornozelo. Eu não sei. Não me pergunte quem foi que deu, quem não deu, porque eu não me lembro. De jeito nenhum. Tá filmando (risos). Mas eu não me lembro quem foi.

P/1– Eu queria saber do...

R– Do joelho?

P/1 – Se foi por causa do vôlei mesmo, do aquecimento...

R – Eu torci o joelho no vôlei. Eu torci.

P/1 – E como era o uniforme?

R – O uniforme era uma camisa. Eu vou te dar, por esse serviço que você está fazendo, eu vou te dar minha camisa, que é do tempo do vôlei e que eu tenho.

É desse tamanhinho, assim, de tão magrinha que eu era. É uma coisa incrível, a minha camisa é uma coisa desse tamanho assim, eu não tô brincando não, e dessa largurinha assim, e desse tamanho. Quando eu olho: “Eu fui tão magra assim?” (risos).

P/1– É a camisa 29?

R – Minha, a original, 29. Eu só tive aquela, a original que eu joguei no voleibol. Quer dizer, uma das originais, porque eu não joguei só com uma. Mas nós tivemos mais que um uniforme. Nós tivemos uniforme de calção branco com uma coisa preto e vermelho aqui. Aí partimos pro calção preto, esse sim, que era o que nós jogávamos sempre. Preto e camisa preta e vermelha assim, golinha simples igual a esta aqui, golinha, de malha. E sempre usamos joelheiras.

P/1– Carminha, você pode contar pra gente, o que aconteceu no dia 27 de março de 55?

R – 27 de Março de 55 é uma data maravilhosa pra mim. Me lembro muito bem. O que aconteceu é que eu salvei duas pessoas de morrerem afogadas, mãe e filha do major Carelli. Lá, no Forte São João. Eu morava na Urca, lá na Praia do Forte, lá dentro. Não, na praia de fora. A praia de dentro é mansa, a de fora não. A de fora é onde passa os navios, têm uma vala enorme lá, que quando o mar fica mais forte, puxa a gente pra lá. E quem mora lá sabe disso, então a mãe lá sabia. Eu era usuária da praia, completamente. Todo dia estava na praia, e eu estava lendo até, à tarde tinha um treino, eu estava lendo pra fazer hora, pra ir almoçar. Lendo na praia, de repente escutei aquele negócio pedindo socorro. Eu olhei e vi aquele pessoal, tendo homem na praia e muita gente, mas ninguém se atirava na água.

Aí tornei a ler e falei: “Não é nada.” (risos) Mas aí insistiu e a mãe começou. A mulher, a senhora lá começou a insistir e eu quando olhei me lembrei: ”Esse negócio tem uma vala lá traz que puxa, ela deve estar sendo puxada.” Caí na água, sem pensar em nada. Foi instintivo. Caí na água, eu tinha sido nadadora, estava com a saúde total nessa época, estava no máximo da minha saúde, caí na água, isso foi em 1955. Eu caí na água e... Quando eu cheguei elas estavam sendo puxadas. O mar estava meio bravo. Não estava assim essas coisas, mas estava fortezinho. E eu puxei a mãe e ela disse: “Não. Minha filha”.” Falei: "Você sabe boiar”? Ela disse: “Sei lá.”

“Você sabe boiar, porque você está segurando tua filha.” “Não me segure”, disse para ela. “ Você, não me segura” eu disse pra ela. “Você não me segura, eu vou levar tua filha e você me espera aqui que eu venho te pegar.” Peguei a filha de cinco aninhos,

ela sabia boiar, mas não sabia nada assim, ela estava nervosa com a filha morrendo. Ela estava sendo puxada realmente. Eu acho que foi isso, porque eu também senti,

mas como eu sabia nadar, sabia salvar, sabia fazer tudo, aí

eu trouxe a menina. Fui bandeirante, muito antes, eu fui bandeirante, lá em Niterói, em Boa Viagem. A gente aprende essas

coisas todas e eu me lembrei. Trouxe a menina, dei ali para o pessoal que estava ali, nadei e voltei para pegá-la. Ela já tava conseguindo conseguindo até sair, daí eu ajudei e trouxe ela também

pra fora da água e botei lá, aí já tavam encontrando

o pai da menina, o major Carelli, feito um louco veio atrás de mim e eu atrasadíssima já para almoçar, pra tudo (risos), saí e fui correndo pra casa e nem tchum. Dei até logo, o homem: “Muito obrigado” “Nada, nada.” E fui embora pra casa almoçar, porque eu tinha treino logo em seguida, lá no Flamengo, mas logo depois começaram

a... Esse major escreveu pro Flamengo uma carta muito bonita agradecendo, pro Flamengo fazer alguma coisa por mim porque eu tinha salvado a mulher e a filhinha dele, porque ele

e as outras pessoas ficaram paradas e não fizeram nada e eu fui lá salvar.

Que o Flamengo tinha que fazer alguma coisa por mim, tarara, parara. Essa carta linda do Ministério da Guerra, aí o pessoal do Flamengo, o presidente era o meu querido Gilberto Cardoso, pai.

Ele adorava o nosso time, ele incentivou muito. Ele foi um dos homens que realmente incentivou e fez o nosso time ser o que foi. Então aí ele começou… E uns meses depois me deram a notícia que eu ia receber uma medalha de Amor, Fraternidade, Honra ao Mérito, esse negócio assim. Eu tenho a medalha, muito bonita, que eu recebi do Presidente da República, que era o Café Filho na época e do Fábio Kelly, que era o Ministro da Justiça. Eles me ofereceram a medalha, fui lá e toda aquela coisa. Muito simples, mas eu não sou muito dessas coisas de festa (risos). Foi coisa até muito simples, mas eu tenho muito orgulho, muita honra, porque até hoje ninguém soube ou soube, ninguém sabe se já algum dia aqui ou em qualquer outro lugar uma mulher salvou duas pessoas de morrer afogada. Salvou mesmo, com provas do pai, da esposa, do pai, das pessoas que estavam lá, que viram, e ninguém soube até hoje. Quer dizer, eu também não faço questão (risos). Mas ninguém sabe dizer se alguém, algum dia uma mulher salvou duas pessoas de morrer afogadas.

P/1 – Mas saiu no jornal?

R – Ah, saiu, saiu em todos os cantos. Uma certa vez parece que saiu lá nos Estados Unidos, eu não vi, eu não tenho nenhum recorte desse dos Estados Unidos. Até gostaria, se saiu, naquela época gostaria de ter tido. Agora não adianta mais. Eu não vi, mas uma pessoa que estava nos Estados Unidos viu. Também saiu lá uma nota, foi uma nota, brasileña, sei lá.

P/1– E o Flamengo fez alguma coisa pela senhora?

R – Ah fez, fez muita coisa. O Flamengo fez uma porção de honrarias, inclusive eu tive um banquete maravilhoso, que foi transferido porque o Doutor Gilberto Cardoso morreu nesse ano, né, 55. Teve um banquete que foi oferecido para três pessoas, do Fluminense e do Flamengo. O José Lins Rego, esse escritor maravilhoso, o Ari Barroso e a mim, eram as três pessoas homenageadas, eu tenho o convite ainda. Homenageada nesse banquete, um banquete maravilhoso, mas aí foi um banquete muito bem bolado, mas não chegou a ter porque o Doutor Gilberto morreu e morreu dias antes do banquete. Aí não houve como, é lógico, que não podia haver mesmo. Ele era o mentor inclusive dessa coisa toda que ia me homenagear. Foi muito bom.

P/1 – A senhora acha que a sua vida mudou depois disso?

R – Não, a mesma coisa, se fosse hoje em dia eu estava ganhando muito. O marketing agora é uma coisa louca, eu estava ganhando um dinheirinho se fosse agora. Naquela época não tinha nada envolvendo dinheiro, nada. Se fosse agora, eu estava começando a ganhar meu dinheirinho. Marketing, salvadora da pátria (risos). Mas não teve não, nem mudou nada. Saí dali fui jogar meu vôlei, tudo a mesma coisa, a mesma coisa. Porque eu sou assim, não sei se é por isso, porque eu não sou muito de fazer muito farol, não. Talvez, quem sabe, outras pessoas tivessem salvado outra mulher. Aproveitar as coisas, mas eu não sou.

P/1 – E a mãe e a filha, estiveram lá?

R– Ah sim, claro, tiveram. A menina depois quando casou mandou um convite pra mim. Eu nem fui ao casamento dela, não me lembro, não sei o que foi que houve. Ela tinha cinco anos na época que eu a salvei. E ela quando casou, ela foi no Flamengo procurar onde é que estava, meu endereço pra mandar o convite de casamento dela. Ela casou em Grajaú, eu me lembro. Eu tenho o convite dela. Muito interessante. Eu não sei onde é que eu botei, mas acho que eu tenho.

P/1– Eu queria que você falasse um pouco sobre o Gilberto Cardoso, pai.

Como ele era?

R – Pai de quem? Da menina?

P/1 – Gilberto Cardoso.

R – Ah, Gilberto Cardoso era uma das pessoas mais maravilhosas que eu já conheci, como presidente do clube. Não teve nenhum presidente igual a ele ainda, pelo menos desde a minha época. Porque ele era do tipo assim: Ele era um médico, ele morreu pobre, tá? Ele morreu pobre, ele saiu do jogo do basquetebol, estava dirigindo o carro dele, se sentiu mal. Eu não sei, ele não chegou a morrer na rua, morreu no hospital, chegou no hospital, não me lembro. Mas ele era um cara assim, por exemplo, que até te cuspe em distância do Flamengo, bola de gude, se houvesse isso, ele estava em todas.

Ele não faltava a uma, agora, a menina dos olhos dele era o nosso time de voleibol, era a menina dos olhos dele. Ai de quem falasse do voleibol. Inclusive dizem, eu não sei, que ele gostava, era apaixonado por uma das meninas do voleibol, que era a Marina, a que veio do Sul, mas não sei. Ela está (risos)...

P/1– Como ele era? Um cara...

R – Ele era bonitão, forte, alto, de óculos, cabelo preto, ele tinha um Cadillac e ele conseguia botar o time inteirinho de voleibol dentro do Cadillac dele, (risos) pra levar para os jogos, porque não tinha condução, eram amadores.

Ele botava todo mundo dentro do carro, um Cadillac.

Oito mulheres dentro do carro dele, pra jogar voleibol onde fosse. Nós todas com o Gilberto Cardoso, estava sempre conosco, sempre. Qualquer coisa que ele podia, fazia por nós. Ele adorava o nosso time. Coisa que não tem porque agora, porque agora não é mais assim.

P/1– É outra coisa.

R – Era outra coisa. Agora não é mais de coração.

P/1 – Que tipo de ajuda, além de levar?

R – De ajuda?

P/1– É...

R – Ah, não sei, isso eu não sei te dizer. Ajuda de que? De dinheiro?

P/1– Não, de uniforme...

R – Ah, ele dava emprego quando as meninas vinham de fora, como a Marina veio, como a Pequenina, que precisava, a Pequenina jogou. Ele arranjava sempre emprego para elas, sempre, mas isso não era só no voleibol não. Ele sempre procurava, porque ele tinha muitos amigos, ele era muito querido, era uma pessoa boníssima, coisa maravilhosa eles. Coisa que eu não vejo mais no Flamengo, pessoas assim, lá em cima ser... Eu me acostumei assim.

P/1– Você falou pra gente que o Godinho jogou basquete.

R – Ah, meu irmão jogou basquete, morreu de enfarte.

P/1– Vocês tinham amizade com a turma do basquete?

R – Ah tinha, tinha. Eu tenho fotografias, eu tenho uma sala no Flamengo com o meu nome, Carmen Godinho, que eu não sei onde está à placa, desapareceu. Eu tenho um retrato com o Jamil Haddad, que foi Ministro da Saúde, que é amicíssimo do Hélio, meu irmão. Algodão, eles todos, moravam na Tijuca, até hoje, eles iam lá em casa convidar a gente pra ir pra praia, lá de casa com meu irmão. Muito amigo nosso, muito amigo mesmo, era tudo muito amigo. Eu conhecia as pessoas do futebol, não tinha essa coisa de separação não.

P/1– De quem do futebol você lembra, por exemplo?

R – Quem?

P/1– Quem do futebol...

R – Do futebol foi meu amigo até hoje, sempre me encontro com ele, foi o Zico, o Júnior, o Adílio, o Nunes, que estava pra baixo e pra cima lá no Flamengo e muita gente, só que eu não lembro o nome de todos agora.

Agora esses recentes, eu não conheço.

P/1 – Você está falando também de uma turma que é posterior...

R – Eu não conheço esses recentes. Posso conhecer porque eu gosto de um ou outro, mas não assim de conhecer pessoalmente.

P/1– Então eu perguntei mal. Eu estava perguntando turma de futebol dos cinquenta, se tinha amizade...

R– Ah, Zizinho...

P/1– Com Algodão, com Zizinho...

R – Basquetebol você perguntou?

P/1– Eu perguntei basquete.

R – Pois eu já disse, o pessoal todo ia lá em casa, pra ir pra praia e esse negócio todo. Agora do futebol, que eu me lembro bem, que me conhece muito bem, e que levou o Hélio para o Flamengo, é o Zizinho, que mora em Niterói, mora em São Gonçalo. Agora não sei se ele está em São Gonçalo, não sei onde é que ele tá, mas o Zizinho morava em Niterói, lá por aqueles lados e viu o Hélio jogando no Icaraí Praia Clube, basquetebol, e levou o Hélio pro Flamengo. Basquete não. Viu o Hélio jogando futebol, na praia. Depois o Hélio jogou no Cobrinhas do Leblon, aqui no Rio também. E o Zizinho foi quem levou o Hélio, meu irmão para o futebol juvenil do Flamengo, mas aí o Canela entrou no Flamengo e não sei porque cargas d'água, o Hélio jogava basquete também lá em Niterói. Aquela tal história, você é amador, jogava tudo.

Aí o Canela pegou ele pro basquete e ele ficou no basquete toda vida.

P/1 – Carminha, a gente está começando a terminar a entrevista.

R – Tá, ótimo.

P/1 – Eu quero saber o que você faz hoje?

R – Hoje eu trabalho no Flamengo, eu estou aposentada, mas não quero parar. Porque a gente que para depois que aposenta, você pode estar certo que tem um enfarte um mês depois e morre. Eu não sou da turma de não fazer nada. Comecei a trabalhar tarde, mas também não quero parar.

P/1 – Qual o fato mais marcante da tua vida?

R – Foi exatamente o salvamento que eu fiz dessas duas pessoas. Você não pode ter nada mais marcante do que isso, você ser... Eu, na hora que eu fiz, não pensei em nada disso, mas agora eu sei que foi um negócio maravilhoso, salvar duas vidas. Meu irmão quando teve o primeiro enfarte, eu também salvei ele. Eu carreguei ele, nas costas, um homem forte, no primeiro enfarte que ele teve, ele morreu no segundo. No primeiro, eu carreguei ele no ombro, morava na Urca, carreguei pro meu carro. Pedi a um vizinho para me ajudar, eu salvei, senão ele tinha morrido. Essas coisas assim que a gente tem que lembrar.

P/1– A senhora mora com quem hoje?

R – Eu moro sozinha, sempre morei sozinha, graças a Deus (risos).

P/1– E qual é o seu sonho Carminha?

R – Nessa idade a gente não sonha mais nada não, sabe?

P/1– Como?

R – Sonha mais nada. Sonhar o que agora? Nada. Meu sonho é viver bem, é ficar boa das minhas dorzinhas de coluna, que estão horríveis (risos). Negócio é o sonho de ficar boa desse negócio, poder me movimentar como eu gosto. Eu gosto é de me movimentar, se vê que lá do clube mesmo eu não saio, eu estou sempre lá. Mesmo que eu não trabalhe, eu estou lá. Eu preciso andar, senão não tá bem. Se eu começar a querer parar aí não tá legal.

P/1– O que você acha de ter deixado a sua história de vida para o Museu do Flamengo?

R – Eu acho uma das coisas mais maravilhosas, eu vou até saber onde é que vai sair, onde é que vai ficar isso, quando que vai ficar isso, que eu não sei. Quanto tempo vai levar essa história de Museu? (risos)

P/1– Em outubro, em outubro vai estar pronto.

R – Em outubro? Mês do meu aniversário? Maravilha.

P/1– Primeiro de outubro.

R – Dia primeiro de outubro? (risos). Vocês foram muito gentis comigo, adorei vocês todos, palavra de honra. Manoel então? Esse peruano aqui então, foi fantástico (risos). Vocês todos também, mas eu estou lidando é com ele (risos).

P/1 – E a última pergunta, o que você gostaria de falar para as gerações futuras, pras meninas do vôlei?

R – A primeira coisa que eu devo falar é o seguinte, não sejam tão ambiciosas, tão... A segunda coisa é não entrar naquela de fumo e de droga, que está uma coisa horrorosa, uma coisa horrível. Isso aí, eu vejo lá onde eu moro que eu fico horrorizada quando eu chego na janela em Copacabana, tô louca pra sair de lá inclusive. Eu gostaria que isso entrasse na cabeça de todo mundo. Eu acho que essa turma do esporte não tem nada disso, mas sei lá, no futuro não sei. Futuro é Deus quem sabe.

P/1– Carminha, muito obrigado.

R – Obrigada você, a vocês todos, muito obrigado, tá? Foi um prazer.