Museu da Pessoa

Benedita Carvalho Gonçalves

autoria: Museu da Pessoa personagem: Benedita Carvalho Gonçalves

Projeto Banco do Brasil

- 200 Anos de Brasil

Realização Instituto Museu da Pessoa

Entrevista de Benedita Carvalho Gonçalves

Entrevistada por Nádia Lopes e Marta de Lelis

Igarapé-Miri, 04 de novembro de 2008.

Realização Museu da Pessoa

Entrevista BB200_HV026

Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques

Revisado por Cláudia Cesca de Gouveia


P/1 - Boa tarde Benedita, Bena, né? Para começar, gostaria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento?

R – Meu nome é Benedita Carvalho Gonçalves, eu sou de Santo Antônio do rio Caji, eu nasci em 27 de maio de 1969.

P/1 – Onde fica mais ou menos esse lugar que você nasceu?

R – Na fronteira do Município de Igarapé-Miri e Cametá, um rio bastante central que vai embora para o centro e termina já no Município de Cametá.

P/1 – Pertence a Igarapé mesmo?

R – É uma comunidade eclesial de base, né? Uma comunidade católica.

P/1 – A gente vai falar disso já, já. Dá pra você falar o nome dos seus pais?

R – O nome do meu pai é Alípio Dias Gonçalves e da minha mãe é Doraci Carvalho Gonçalves.

P/1 – E qual é a atividade do seu pai e da sua mãe?

R – Meu pai foi por muitos anos trabalhador rural, agricultor, e de 96 pra cá ele trabalhou com o serviço público, de agente comunitário de saúde. Minha mãe é trabalhadora rural até hoje, ela trabalha ainda na atividade agrícola.

P/1 – E o que ela planta? Cultivo de quê?

R – Ela sempre trabalhou na área de terra firme, que trabalha com a mandioca, com a plantação de cupuaçu, pimenta do reino e a criação de pequenos animais galinha, pato, porco, sempre foi a atividade dela.

P/1 – E o seu pai se aposentou? Foi isso, né?

R – Meu pai se aposentou agora, recente, incapacitado de trabalhar pela falta de visão. Ele perdeu a visão e aí se aposentou como segurado do trabalho que exercia, por essa incapacidade de trabalhar, né?

P/1 – Você conheceu seus avós?

R – Da parte de pai só a minha avó e da parte de mãe ainda existe, ainda estão vivos, meu avô e minha avó ainda estão vivos.

P/1 – Qual é o nome deles e o que eles faziam?

R – O nome do meu avô é Marcionilo Lobato de Carvalho e a minha avó é Joana Moraes Carvalho.

P/1 – Agricultores também?

R – Todos os dois agricultores.

P/1 – E eles eram daqui mesmo?

R – Não, são de lá do rio Caji todos dois, lá do São João do rio Caji.

P/1 – E irmãos, quantos irmãos você tem?

R – Eu tenho seis irmãos.

P/1 – Dá pra fazer uma listinha?

R – Eu sou a mais velha e depois de mim tem mais cinco, né? O Manuel da Conceição é o irmão depois de mim, depois dele tem o Ailton, depois o Marcos, o Adilson e a Adrilene, somos só duas irmãs, a mais velha e a mais nova.

P/1 – E o que eles fazem?

R – O meu irmão, o Manuel da Conceição, foi por muito tempo trabalhador rural e depois foi morar numa cidade vizinha daqui que é Barcarena. Ele trabalha lá como pedreiro, serviços de construção civil. O Ailton ainda continua no trabalho rural, o Marcos é mecânico, trabalha _____. Foi para Caiena, trabalha em Caiena e agora está passando uma temporada com a gente aqui, mas a profissão dele é mecânico. A Adrilene estudou e até agora não optou por uma atividade, ela não é trabalhadora rural, mas também não tem uma profissão não, ela fez o segundo grau e está agora sem trabalho, ela mora comigo lá.

P/1 – E assim, vamos falar um pouco da sua infância, né? Você cresceu onde? Foi na cidade que você nasceu?

R – Eu cresci lá no rio Caji, na comunidade de Santo Antônio. Na época que eu nasci... e depois fui crescendo lá na comunidade, estudei...

P/1 – Mas como era a sua casa?

R – A casa que eu sempre morei era uma casa humilde de palha, coberta com palha e a madeira era até ______.

Usava a parte do açaizeiro, as primeiras casas, depois a gente fez uma melhor com tábua, madeira mesmo e coberta com palha.

P/1 – E como é que era assim, o dia-a-dia na sua casa, seu pai e sua mãe saiam pra trabalhar? Como é que era isso? Você se lembra?

R – Lembro, eles saiam pra trabalhar e éramos criança, criança de interior, meio “sapeca” que pula e sai na água, vem pro quintal. Eu gostava muito de me envolver, assim, com jogo de bola. Eu jogava bola junto com os meninos e continuei estudando ______. Na escola, cursávamos as primeiras séries, a nossa foi com um professor de lá mesmo da comunidade que é o professor Benedito Miranda e a minha tia Joana Dias, a gente vivia no meio de um bocado de criança que era a minha família, toda a minha família, todos os meus tios tinham filhos e a gente vivia junto lá na mesma ______. Não tinha assim, separação, nós vivíamos juntos cada um na sua casa, mas durante o dia era aquela alegria de criança no meio das árvores, das plantas, a minha avó gostava muito de plantar e a gente tinha lá ______. Nós chamávamos aquilo de um bosque onde tinha muitas mangueiras, muitas árvores, brincávamos lá embaixo daquelas mangueiras, todas as crianças. Uma hora brincava e outra hora brigava e assim cresceu todo mundo lá.

P/1 – Daria para você falar um pouco mais dessas plantas que tinham ali, porque você falou da mangueira, o que mais que tinha?

R – Tinha mangueira, cupuaçu, cacau, café, umbu cajá, banana tudo tinha lá no meio do sítio onde era da nossa avó, mãe do papai, que a gente limpava junto. E toda vez que a gente ia limpar, limpava em mutirão, tinha marizeiro que era uma planta que dava fruta, o bacuri. Ainda existe esse sítio lá e ainda existem as plantas.

P/1 – E você falou de água também de brincar na água, como que era isso?

R – Era um rio mais estreito do que esse aqui que é o rio Meruú. O rio Caji que era estreito e a gente tomava banho, pulava na água, atravessava rio e esse era o nosso dia-a-dia, até que nós crescemos, né?

P/1 – E você se lembra, assim, de quando vocês eram crianças de ter história, lendas que contavam? Tinha isso?

R – Bom, não me lembro muito assim de lenda que eles contavam, alguma lenda de lá do nosso rio não.

P/1 – História? Alguma coisa assim?

R – Eu lembro que a minha avó sempre falava de um pessoal, que foi real, essa história do pessoal da Cabanagem, né? Ela dizia que tinham descido lá nas proximidades dos lugares onde a gente morava e que a turma da Cabanagem tinha descido por lá e tinham atravessado. Eles amedrontavam as pessoas, mas eu não me lembro dessa história, só ouvi contar, várias vezes. Eles tinham descido num porto onde a gente chamava de canoa, porque tinha apodrecido uma canoa lá e a gente chamava de: a baixa da canoa, que ficava bem pertinho de casa. Então, eu não me lembro de muitas lendas, assim, que eles contavam.

P/1 – E quando você começou a falar da sua escola... Como é que era essa escola? Você lembra o nome?

R – Minha escola era a Escola Municipal Santo Antônio, era num barracão onde lá celebrava... Faziam as celebrações, lá tinha a escola, tudo num barracão antigo, né? Que era do avô do meu professor e lá tínhamo a mesa, os bancos e a gente sentava nos bancos. Não era carteira igual tem agora, às vezes, nem tinha mesa, sentávamos no banco, colocava o caderno, ocupava um espaço na mesa e a gente ia escrever. E a escola era muito simples, não tinha muita estrutura, né?

P/1- E os cadernos como eram arrumados?

R – Os cadernos eram feitos da folha de papel, hoje são aquelas folhas de pauta, cortadas, costurada com agulha. A nossa mãe cortava com uma tesoura, dividia no meio, embutia o papel no outro, costurava com agulha e aí fazia o nosso caderno, meu e dos meus irmãos. Os lápis, geralmente, a gente usava na época, o professor não nos deixava escrever com caneta, era com lápis até ficar bem a letra e depois ia escrever com caneta.

P/1 – Mas esse material era fácil de chegar pra cá?

R – Não, pra nós que ______. Nós não éramos muitos filhos, os meus irmãos foram nascendo, assim, com um espaço muito grande. Nós éramos os três primeiros e depois foi nascendo os outros e num espaço de 5 anos, a minha mãe tinha outro filho, aí não era muito gasto pro meu pai. Ele trabalhava na madeira, na roça e aí não era difícil ele adquirir os cadernos para nós. Fazia viagem de remo pra cá, passava nesse rio, ia até a Vila Manhutá e lá ele fazia as compras, comprava roupa, comprava caderno, comprava sandálias, assim que era a nossa vida, antigamente não tinha ______. Era muito difícil ir à cidade e não tinha comércio para comprar, ou então, comprava dos comércios que eram caros e acabava a gente ficando lá ______. O papai trabalhava só para entregar e pagar as contas, né?

P/1 - E a sua escola era perto da sua casa?

R – Bem pertinho, acho que uns 300 metros longe da minha casa o barracão.

p/1 – E você estudava de manhã, à tarde...?

R – De manhã.

P/2 – Gostava de estudar?

R – Gostava.

P/2 – O que você mais gostava?

R – Eu sempre gostei de estudar _____. Na nossa época, estudar parecia ser mais fácil da gente aprender, diferente desse tempo agora que eu voltei a estudar de novo um período atrás e eu sentia muita dificuldade, porque na época, nós estudávamos as coisas mais básicas, hoje as coisas estão mais avançadas. Mas, eu consegui mesmo depois estar no sindicato, eu consegui atingir o ensino fundamental e comecei o médio.

P/1 – Você parou ou está fazendo?

R – Eu parei, porque não deu pra conciliar trabalho e o movimento social que eu faço parte com a escola, não deu, a gente está... Esse ano, de janeiro em diante, possivelmente vai começar o ensino médio aqui na Casa Família Rural, que é uma metodologia que, possivelmente, conseguirei conciliar para estudar.

P/1 – Dessa época da escola o que você mais lembra com carinho? O que você mais gostou da sua escola de quando você era criança?

R – O que eu mais lembro? Eu me lembro do momento que dava a hora da merenda e nessa época não tinha merenda escolar. A merenda era a pupunha que é uma fruta que a gente levava de casa, a farinha, o muriti que a gente levava. Às vezes, até alguma comida que levávamos, então, eu me lembro muito desse momento que juntava os alunos e dividiam a merenda entre todo mundo, todo mundo juntava o que trazia e merendávamos junto. Eu lembro muito bem. Eu achava aquilo muito bonito, de ter aquele momento de lazer, lá na hora da merenda.

P/2 – E da turma você lembra? Dos seus amiguinhos? Você tem lembrança disso?

R – Tenho. Eu lembro das minhas primas, porque nós estudávamos juntas. Eu lembro também dos meninos que hoje moram lá, alguns, né? Outros não moram. O João do tio Dorico, era um amigo da escola, eles sempre eram assim mais ______. Eu me lembro do período que ______. O professor na época fazia a chamada, sabatina da tabuada e a gente, na hora que ele ia perguntar os números, quem não acertava “levava o bolo”. Tínhamos que dar palmatória nos colegas da gente. E em um desses momentos, eu tinha pena de dar nos meus colegas, eu acertava a Matemática e tinha que “dar o bolo” pra poder repelir, porque ele não tinha acertado, e aí o professor me repeliu, porque eu tinha que aprender “a dar o bolo” nos colegas. Isso me chamava a atenção porque eu achava que não deveria ser assim, né? Hoje eu não sei se foi para o bem ou se foi para o mal, porque talvez muitos alunos até nem obedecem muito o professor, né? Na nossa época, tínhamos que ser obediente ao professor.

P/1 – Você comentou que desde pequena lidou também com a agricultura. E como era isso? Escola e esse trabalho em casa? Como era?

R – A gente estudava de manhã, às vezes, ia até 10h ou 11h, e à tarde, íamos pra roça com a mamãe. A gente fazia as roças que não era muito longe da casa e fazia o serviço junto com a mamãe, no período em que estávamos fora da escola.

P/1 – E como era esse trabalho na roça? Você lembra?

R – A planta da maniva, o corte da maniva, os serviços mais leves que a gente fazia, como eu sempre falo, nós éramos os primeiros filhos e nós não éramos muito sacrificados para trabalhar. Nosso pai e a nossa mãe, tinham muito esse cuidado, mas a gente ia pra lá semeava a maniva.

P/1 – Maniva é o quê?

R – Maniva é o que dá origem a mandioca, é o caule da mandioca e a gente plantava também com eles e eles nos ensinavam. Mas a minha _____. Até os 12 anos a gente trabalhava, mesmo lá com eles, o momento que a gente tinha fora da escola, trabalhávamos com eles na roça, a gente descascava a mandioca, coava a massa na casa de farinha, ajeitava até o fogo, às vezes, embaixo do forno, esse era o nosso trabalho, ajudá-los.

P/1 – E aí você foi crescendo realizando esse trabalho?

R – Fui crescendo e fazendo isso com eles.

P/1 – E aí você foi tendo um grupo de amigos, assim? Porque eu já estou imaginando você crescendo, a Bena já passando pra adolescência, como é que foi isso?

R – Tiveram muitos amigos da minha época, né? As meninas, os rapazes eram nossos colegas, sempre isso foi a base da nossa amizade e as minha tias também que eram da minha idade, as irmãs da mamãe, a gente se criou junto também. Esse pessoal que era nossa base de amizade. Eu fiquei lá no interior até a idade de 12 anos, com 12 anos não tinha escola e quem concluía a quarta série, não tinha mais espaço para estudar, aí ou ia para a cidade fincar na casa de algum parente ou ia morar com famílias e trabalhar como doméstica, para poder continuar estudando. E nessa época, minhas primas já tinham arrumado lugar aqui na Vila Manhutá e lá elas trabalhavam como doméstica, de 12 anos em diante, e ganhavam a roupa, o calçado, o material escolar para poder estudar. E assim eu vim, morei com uma família na Vila Manhutá por três anos, depois morei com outra família.

P/1 – Você prestava serviço nesta casa?

R – De babá e fazia comida, serviço doméstico, né? Eu trabalhei mais ou menos até os meus 16 anos,

eu trabalhei em casa de família.

P/2 – E ganhava salário?

R – Não, não tinha salário, ganhava as coisas: roupas, sapato, material escolar e o momento, o horário da escola era só esse o nosso salário, nós não tínhamos ____. Nós não éramos assalariadas.

P/1 – E você ficou lá até 16 anos?

R – É eu fiquei trabalhando, assim... eu trabalhei lá na Vila Manhutá, depois morei em Belém com famílias.

P/1 – Ah, você foi pra Belém?

R – Fui pra Belém, morei mais ou menos um ano e pouco em Belém. E nesse período, de Belém pra cá, eu fiquei grávida, eu arrumei um namorado, aí fiquei grávida e depois ele sumiu, foi embora e me deixou grávida, aí eu retornei pra casa dos meus pais. A minha primeira filha, ela não teve... Tem o pai biológico, mas não me ajudou a criar.

P/1 – Nossa! Como é que foi isso? Seu pai, sua mãe, como é que foi?

R – Eu voltei para a casa dos meus pais e sempre foi assim, em vez de esconder as coisas eu abria o jogo com eles. Eu falei com eles o que tinha acontecido e aí meu pai me deu muito apoio, levei bronca da mãe, porque a gente com filha, a gente tem mais coragem de falar. Então eu levava muita bronca da minha mãe, mas eu segurei a onda de ter que ser mãe e nasceu. A menina teve um problema muito sério no parto, né? Mas, nasceu a menina e eu criei ela, só saí do poder da minha mãe quando arrumei outro amparo, né?

P/2 – Como é o nome dela?

R - Adriana.

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Eu tinha 16 anos.

P/1 – Só uma curiosidade, porque você morou sempre numa cidade assim perto de rio e Belém já é grande, né? Quando você foi, você estranhou? O que você achou daquilo?

R – Estranhei muito, até por conta do local onde eu fui morar, porque era um local meio isolado. Era apartamento, é diferente de você morar numa vila, numa cidade que é bairro aqui embaixo. Então eu morei num bairro, em Belém, de comércio, de pouca movimentação no final de semana e muita movimentação nos dias de semana que é ali, na Presidente Vargas, né? Eu morei lá mais ou menos um ano.

P/1 – E sentia falta daqui?

R – Muito, eu sentia falta da farinha que a gente come, porque lá a família quase não comia farinha, eu sentia falta do entrosamento dos amigos que lá eu não tinha. Então, tudo isso eu sentia muita falta, mas eu continuei vivendo lá com eles até _____.

P/2 – E como era essa relação com essa família?

R – Era boa, eles eram muito bons. Eu vim embora de lá porque aconteceu aquilo e eu achei que o apoio da minha mãe e do meu pai porque era melhor eu procurar viver esse momento, que foi muito difícil pra mim, com a minha família. E daí em diante, eu não voltei mais pra morar com ninguém, mas foi muito duro, eu falo que a minha vida é uma novela e essa novela tem momentos bons e tem momentos ruins.

P/1 – E quando você voltou, como é que foi? Assim, depois que você teve o bebê? Você teve que trabalhar? Como foi isso?

R – Eu voltei a trabalhar na roça com meus pais, aí eu já tomava conta do serviço direto com minha mãe e meu pai, um período que a minha mãe ficou grávida também e ela teve muito problema durante a gravidez. Aí eu assumi o serviço, o serviço da roça era comigo, era eu que trabalhava, era eu que direcionava tudo, e aí, quando ela teve o bebê, ela cuidava do bebê, cuidava da dela e cuidava da minha filha também. Aí eu segurava a barra lá na roça.

P/1 – E aí, como é que começou aparecer essa coisa de preocupar com o social? Com a questão social, como é que foi isso? Foi nessa época?

R – Quando criança, desde a nossa criação nós fomos criados ______. Os nossos pais eram católicos, viviam em comunidade, trabalhavam em mutirão, a gente trabalhava com todas as famílias lá da comunidade, era em mutirão, né? Na hora que se juntava para plantar uma roça, era todo mundo que ia plantar a roça, era rápido. Então, sempre teve esse lado aí do social, a gente sempre teve essa parte na comunidade, a gente ia pras rezas, pras celebrações e a catequese que a gente aprendeu a conviver isso. Quando eu retornei, eu já ajudava a minha mãe também na catequese, já ajudava eles lá, até porque, tive a oportunidade de viver um pouco mais fora e de ter também um pouco de formação, mas as famílias que eu vivi eram famílias boas que só ensinavam o bem. Então, eu aprendi muito a conviver com essas famílias e não me tiraram a cultura de ser da comunidade, continuei vivendo a mesma coisa.

P/1 – E o sindicato?

R – O sindicato veio a partir de ________. Quando eu fui viver com o meu marido que vive comigo até hoje, em 1988, e eu ______.

P/2 – Quantos anos tinha a sua filhinha quando você o conheceu, como é o nome dele?

R – Manuel José, ele tem um apelido, Zeca Bilha, nós vivemos, ela já ia fazer dois anos, a minha filha, aí fomos viver juntos e nesse período eu engravidei. Ele já era sócio do sindicato, se associou e logo depois fui eu. Eu fui na sede, me filiei ao sindicato, meu pai já era filiado e minha mãe também. Aí faltava eu porque eu continuava trabalhando na roça e eu precisava me filiar no sindicato, porque era uma das nossas entidades que defendia o trabalhador e eu fui lá e me filiei, na época estava ______. A luta pra ganhar o sindicato, em 1983, começou e a gente não ganhou a primeira eleição. E na segunda eleição, a lógica era que só os homens, na época, poderiam ser sócios do sindicato e as mulheres que eram dependentes dos homens, não. A partir daí, começou uma discussão que não, as mulheres tinham que ser sócias do sindicato também. E foi aí nesse período que eu entrei, me filiei ao sindicato e daí em diante nós começamos a participar dos encontros, da formação, das reuniões do sindicato na nossa comunidade. Aí, comecei a conviver no movimento social, dentro da comunidade. O meu marido foi delegado sindical na época e eu dava o apoio pra ele, porque ele tinha que sair, ir às reuniões e eu ficava na casa tomando conta de tudo, do trabalho e ele tinha a liberdade de sair, de ir às reuniões, ir aos gritos que aconteceram.

P/1 – Os gritos?

R – Eram manifestações que a gente fazia pra poder adquirir o crédito, fizemos várias ações, chamava: “ grito da terra”, “grito da Amazônia”, “grito da terra Brasil”, “grito dos povos da Tocantina” que é a nossa região, e assim sucessivamente. Fizemos vários eventos dessa natureza para o trabalhador ter direito ao crédito, pra poder garantir o desenvolvimento da agricultura. E na época, em 1988, nós ganhamos o sindicato com a força da mulherada, com a força dos homens e ganhamos. A companheira, Mundinha, que é hoje tesoureira da Cooper Fruiti e que trabalha hoje no DRS [Desenvolvimento Rural Sustentável] do açaí, que é mais focado em cima da Cooper Fruiti, foi uma das mulheres que encampou essa luta e foi pra cima, era mãe também e viveu esse momento da eleição do sindicato. Nesta segunda eleição que teve, que nós ganhamos o sindicato, eu não estava lá, e sim o meu marido, estavam as minhas amigas, a Mundinha, a Durica que eu apresentei hoje pra vocês, por isso ela ganhou o nome de matriarca, ela é a nossa matriarca, porque sempre esteve na luta. Durica é uma mulher aposentada, ela era professora, depois se aposentou e passou a assumir a atividade rural e até hoje ela exerce a atividade, mesmo já sendo aposentada. A Mundinha também, ela continua companheira do movimento sindical, delegada sindical, foi dirigente sindical e agora está na Cooper Fruiti e essa luta nossa, das mulheres, valeu a pena, né? Quando o Manuel Luís ganhou a eleição, o nosso primeiro presidente, nós começamos a mudar a cara do movimento sindical do município: qual era a nossa perspectiva diante de todo esse caos que estava o Município, né? Nessa época, estavam acabando os engenhos, as famílias que viviam ao lado do engenho, o grande engenho, e a ponte onde dava origem às famílias que moravam nas casinhas que eram dos patrões. As famílias então viviam lá, trabalhavam todos os dias pra ganhar o pouquinho que dava pra eles comerem, pra comprarem a farinha. E quando acaba os engenhos, quando está falido os engenhos, as famílias ficam sem nada, sem condições de nada. E foi daí que iniciou, então, a grande luta de dizer pras famílias: “Vamos esperar mais um pouco, mas vamos deixar os açaizais porque o açaí vai ser a nossa alternativa.” Na época, tinha um senhor, o Diquinho Costa, que mora aqui nesse rio, fica próximo daqui, ele mostrou na prática que ser agricultor não era ir na cidade comprar de quem tinha, era vender o que tinha. E ele começou _______. Foi de lá que começou os primeiros açaizeiros a darem cacho, o cupuaçu, o coco, o limão, a laranja e tudo isso tinha na propriedade, tem na propriedade dele até hoje. Então, o senhor Diquinho Costa foi o espelho e aí disseram: “se dá no terreno do Diquinho Costa, dá em todos os terrenos que tem por aqui.” Daí o Roberto Pina hoje eleito Prefeito, ele encampou essa luta junto com o Manuel Luís, junto com o Jair, junto com o Júlio, com outros companheiros que vieram junto com o movimento sindical a Mundinha, a Durica e toda essa turma. E eu já cheguei no sindicato em 2000, em 2000 eu vim como dirigente, mas antes eu já fazia esse trabalho lá na base, lá na nossa comunidade. Em 1996, fiz um curso e passei pra trabalhar como agente comunitária de saúde, eu exerci essa função por 2 anos, de 1999 até julho de 2000, aí fui indicação para a direção do sindicato. Eu tive que optar: ou seria agente de saúde ou trabalhadora rural, e aí eu optei ser trabalhadora rural e vim pro sindicato.

P/1 – Espera aí, antes de você ir pro sindicato só uma curiosidade, o que fazia o agente comunitário? O que você fazia?

R – O agente comunitário de saúde é um agente que na comunidade faz a prevenção e a promoção da saúde, né?

P/1 – E o que você fazia?

R – Trabalha com orientação, para que as famílias tenham higiene, que as crianças estejam vacinadas, que a gestante faça o pré-natal, os hipertensos sejam acompanhados e tenha a sua medicação. Então, agente de saúde é o que faz o controle, a prevenção para que as pessoas não adoeçam.

P/1 – Então, você ia de casa em casa?

R – Visitava todos os dias, de casa em casa, e isso eu ficava muito ______. Me gratificava muito, porque eu podia ajudar, às vezes, muitas famílias que se encontravam doentes, que tinham adoecido e tinham que se cuidar e eu nessa época ajudei muito as famílias. Graças a Deus, eu acho, que cumpri meu papel de fazer a promoção e a prevenção de doenças.

P/1 – Você se lembra de algum caso, assim, que ficou marcado?

R – Lembro. O senhor Raimundo lá em cima, a última família que eu visitava, eu ainda não tinha cadastrado essa família e nesse dia estávamos fazendo a vacina dos idosos e eu resolvi fazer lá, eu cheguei lá em cima _______. Não, o nome dele é senhor João, ele tem o apelido de Jeju que é um peixe. E eu cheguei lá, o senhor João estava muito doente, eu fui fazer a vacina nele, aí apliquei a vacina e o filho dele começou a me contar a história, que eles estavam gastando muito, porque não tinham ainda encontrado solução para o problema dele. E aí na época, o programa da saúde da família que eu participava e ia o médico, a enfermeira e eu garanti pra eles ______. Cadastrei a família e voltei de lá e procurei um médico e enfermeira que fizesse essa visita lá pra esse senhor e ver qual era o problema dele. E nós fizemos a visita e detectaram que ele estava com uma tuberculose e tinha que ser encaminhado urgentemente pra cidade pra fazer o tratamento. E ele fez todo o tratamento, eu fazia visita toda semana na casa dele. Além do tratamento médico, eu trabalhava também com remédio caseiro que eu aprendi a fazer, e aí eu levava toda semana pra ele, terminava um vidro, eu já levava outro e o senhor João ficou curado da tuberculose. E até hoje, toda vez onde eles me encontram, eles agradecem, porque se eu não tivesse chegado, talvez ele tivesse morrido e a tuberculose é uma doença que tem cura, mas se não tiver cuidado, se não tiver recurso, ele acaba morrendo. Então, esse é um caso que marcou muito o período que eu fui agente de saúde.

P/1 – Esse remédio caseiro você aprendeu nessa época ou você...

R – Na época de agente, eu fiz vários cursos de remédios caseiros.

P/2 – E como que aprende isso? Quem é que sabe pra ensinar?

R – Tem pessoas que tem _______. Fazem a formação da cultura da planta medicinal e da confecção de medicação e nós fizemos, fizemos aqui um curso, fizemos na cidade outro curso com uma senhora, chamada Lamparina, o apelido dela, né? Lá de Cametá, ela vinha passar o curso pra nós, a outra vez eu já levei lá da comunidade fizeram ______. Uma amiga minha, a Glória, lá de Cametá também, eu já levei na comunidade pra fazer multiplicação com outras mulheres e elas sabem até hoje fazer o remédio. A minha comunidade cultiva muito essa questão do remédio caseiro.

P/2 – Você pode falar um exemplo pra gente?

P/1 – Um remédio? Dar uma receita?

R – Tipo assim: o remédio pra tosse que é muito comum, a criançada da zona rural está com tosse, com catarro, então, o remédio caseiro pra tosse é fazer a fortificação do pulmão que é a casca do jatobá, por exemplo, é um remédio. O alcaçuz que é uma raiz que extrai do campo, da natureza, nós temos a urtiga. Então, tem vários remédios que a gente faz e tem um que nós fizemos que ele cura também a tuberculose que é o jaramacaru que no sertão eles chamam de mandacaru, né?

P/1 – Vocês cozinham?

R – É assado na brasa e extraído o líquido dele e é feito com mel de abelha é um remédio pra curar a tuberculose.

P/1 – E esses cursos continuam?

R – Agora, ultimamente, não tem tido muito, né? Foi esquecido um pouquinho a cultura do remédio caseiro. A associação dos agentes comunitários de saúde que ainda continua, eles ainda querem levantar essa nova _______. Essa nova não, dar continuidade nessa luta que a gente tinha pra poder valorizar a questão das plantas medicinais, mas se não tiver apoio do poder público, se não tiver o apoio das organizações que têm poder econômico que pode ajudar, aí é impossível continuar, mas eles continuam a luta, né?

P/1 – Vamos voltar lá pro sindicato, porque uma coisa que me chamou a atenção é que você falou que as mulheres não tinham espaços numa época e de repente a gente está falando com uma pessoa que é presidente do sindicato, mulher assim presidente, como que aconteceu isso?

R – Na época. como eu falei, as mulheres não eram filiadas ao sindicato, elas tinham dependência. Tinha até o espaço na ficha do sindicato, um espaço onde colocavam os dependentes e quem eram os dependentes? Era a mulher, eram os filhos que estavam lá naquela ficha do sindicato, hoje a ficha do sindicato não tem mais esse espaço, nós não temos mais esse espaço dentro da ficha, porque hoje, o jovem a partir dos 16 anos, ele já deve ser sócio do sindicato se ele já é trabalhador rural, se ele é filho de trabalhador rural. A mulher também, tanto é que a jovem mulher ou homem completou 16 anos, eles já podem ser sócios do sindicato. Na época, nós fizemos... O Manuel Luís foi o presidente na época, eles disseram o seguinte: “como é que nós homens ________.”. Ele sempre teve essa intenção de poder igualar, valorizar a participação da mulher e sempre ele dizia o seguinte: “Como é que nós vamos vencer sem a força da mulher”?. Porque elas são quase a maioria, são as mulheres que vinham pra cá pra trabalhar no mutirão, as mulheres que poderiam ser sócias do sindicato que deveriam votar e que nós só com essa força poderíamos ganhar a elite que estava lá. E assim foi aberta a campanha de filiação e as mulheres foram pra dentro mesmo, hoje nós somos 51% mais mulheres de que homens dentro do sindicato.

P/1 – E a sua chegada à presidência?

R – A minha chegada foi uma grande luta, né? Na verdade, nós já tínhamos essa discussão aí dentro, aqui no Mutirão quando ________. Porque eu sou sócia do mutirão e na época nós brigávamos e dizíamos: “nós queremos ______.” Nós queríamos impor, nós queríamos ir pra dentro da... Em vez de ficarmos na cozinha, nós dividíamos a tarefa um dia era o homem que cozinhava e outro nós íamos pro mato roçar. Nós também roçávamos, nós também queríamos ser igual em todos os sentidos. E em 2000, na discussão da chapa do sindicato, não tinha nenhum espaço, as mulheres estavam todas na suplência e nós tínhamos a proposta e a minha companheira Mundinha dizia o seguinte: “nós temos nome para ir pra diretoria do sindicato” e os outros companheiros diziam assim _______. Tinha um companheiro que dizia: “não, no Caji nós não temos nome”, aí ela dizia assim: “nós temos nome sim, nós temos a companheira Bena, ela vai pro sindicato, ela está disponível, ela vem.” Aí tinha essa história de eu ser agente de saúde, eu tinha que decidir e na hora lá eu decidi que queria vir pro sindicato. E aí houve uma discussão muito forte e nós decidimos, as mulheres decidiram se retirar do congresso se não houvesse espaço dentro da executiva pra nós, nós nos retirávamos do congresso, porque nós entendíamos que se nós éramos 40% de mulheres que estavam no congresso e tínhamos que ter espaço também na executiva. Nós não admitíamos ficar só na suplência. Aí eles vieram pra negociação e abriram espaço na tesouraria pra nós, e eu tinha a missão de ir pra lá e de mostrar a capacidade de mulher para administrar os recursos do sindicato, porque foi uma área muito complicada, pra lidar com o financeiro a cobrança é imensa se você errar lá na presidência, eles são capazes de não falar nada, mas se você errar no financeiro aí a coisa é ruim. E aí a minha missão lá era não errar, porque eu era mulher, porque se eu errasse a mulher é incompetente, a mulher não tinha que sair do fogão pra ir pra direção do sindicato. Então tinham todos esses conceitos e até hoje a gente ouve alguns homens que ainda não conhecem muito a realidade, dizem que lugar de mulher é na cozinha. E aí nós fomos pra lá e demos a resposta que nós éramos capazes, nós tínhamos condições, tinha maturidade pra isso, pra discutir, não pra ser macho como os homens, mas pra trabalhar em parceria. E foram três anos o meu mandato da tesouraria de 2000 a 2003. Em 2003, abriu a discussão pra uma nova direção e meu nome veio com mais dois companheiros e o companheiro Júlio, o companheiro Didi e também a Mundinha, que estava o posto como presidente do sindicato. Eles retiraram o nome e o meu nome foi pra presidência e aí assumi três anos. Mas quando foi na reeleição meu nome veio como unanimidade da base e não teve discussão e eu fiquei como presidente de novo mais um mandato que é esse que está terminando agora. Em junho de 2009 terminou meu mandato.

P/1 – Então Bena, eu queria saber um pouco mais, quando você chegou à presidência que atividades você assumiu? Como é que foi isso?

R – Na presidência eu passei a ser uma espécie de clínico geral, né? Eu tenho que conhecer todas as secretarias do sindicato, porque hoje o sindicato trabalha com a presidência que tem que coordenar todas as secretarias, aí trabalha a secretaria geral, executiva e a tesouraria. Aí nós temos a secretaria de políticas sócias, secretaria de política agrícola, agrária, meio ambiente e a secretaria da mulher. Então nós atuamos mais na área _______. Quando eu assumi a presidência eu fiz questão de poder estar trabalhando também conhecer todas as outras secretarias, porque eu já tinha um pouco de experiência da tesouraria. E quis conhecer a secretaria de políticas agrícola, agrária, políticas sociais, porque no momento que as pessoas cobram, elas não cobram do secretário, elas cobram da presidente, né? Eu quero tal política, eu não consegui a minha aposentadoria, eu não consegui meu auxílio doença, eles acham que a culpa é do sindicato e a presidente tem que explicar tudo. Então tem que conhecer o assunto pra poder... Então é uma espécie de clínico geral, conhecer todas as áreas e aí eu aprendi muito com isso, porque eu pude conviver, fazer vários cursos, treinamentos, participar, viajar em vários setores, vários lugares. E isso me ajudou muito pra poder ter noção da dimensão que era ser presidente do sindicato.

P/1 – Você falou de viajar por conta do movimento sindical, foi a primeira viagem que você fez? Tirando Belém?

R – Eu já tinha ido a Brasília, em 2000. Em 2000, teve a primeira marcha das margaridas e foi a minha primeira viagem, foi ir à marcha das margaridas.

P/1 – Você pode falar um pouco dessa marcha, porque que tem esse nome?

R – A marcha das margaridas é um movimento _______. O maior movimento das mulheres trabalhadoras rurais organizada pela Contag que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura. E então, foi uma forma da gente poder barganhar as políticas públicas para mulheres. Em 2000, foi a primeira marcha, em 2002, o Lula ganhou a eleição e daí nomeou uma secretária, um departamento das mulheres e em 2003 foi a nossa segunda marcha. A primeira marcha, nós reunimos mais de 10 mil mulheres, a segunda marcha, mais ou menos, umas 20 mil mulheres. Em 2007, nós fomos à terceira marcha e a marcha das mulheres trabalhadoras rurais, a marcha das margaridas é em homenagem a Margarida Maria Alves que foi uma sindicalista que foi assassinada em frente de casa na presença praticamente dos filhos e pela luta das mulheres, pela luta pela terra, pela luta dos trabalhadores. Por isso, se denominou a marcha das margaridas, quer dizer morreu uma Margarida, mas nasceram muitas pra lutar em função dos direitos das mulheres. Agora, na terceira marcha das mulheres que participamos, tinha mais de 50 mil mulheres, fomos lá pra Esplanada do Ministério e fizemos as reivindicações, a questão da documentação sempre, o tema da marcha é: Por um Brasil Melhor, pela participação da mulher, pela questão da violência, contra a violência e sempre foi isso, o nosso marketing da marcha das margaridas. Então, foi um dos maiores movimentos das mulheres trabalhadoras rurais, né?

























































P/1 – Aí, seguindo à linha de participações sua que você vai ______. Você também veio a São Paulo?

R – Fui a vários _____. O primeiro congresso que eu fui foi o 8º Congresso dos Trabalhadores Rurais da Contag, eleição da diretoria da Contag. Eu fui agora também ao nono congresso em Brasília e passei uns dez dias viajando no Tocantins, no Maranhão, no Piauí visitando a experiência de casa familiar rural, porque em 2000 quando eu vim pro sindicato havia uma lacuna aqui, a maioria dos jovens trabalhadores rurais ou eram analfabetos ou tinham estudado muito pouco que era o meu caso quando eu vim pro sindicato, eu só tinha até a quarta série. Então, uma das nossas lutas, era trabalhar pela educação e eu me apaixonei pelo tema Casa Familiar Rural e comecei a investigar, a não perder a oportunidade: “Vai ter uma viagem pra tal lugar, pra conhecer tal experiência...”. Nesse período a gente estava no projeto Gespan [Gestão Participativa de Recursos Naturais] via Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e aí a gente ______.

P/1 – O que é Gespan?

R – É um projeto que tem dentro da Embrapa, uma instituição que tem dentro da Embrapa, eles fizeram o projeto para dar acompanhamento nos municípios dentro da área da experiência da pesquisa da agricultura. E aí foi oferecida essa oportunidade e eu fui a pessoa que foi apontada pra viajar, pra ir nessa experiência. E aí a gente visitou várias experiências da Casa Familiar Rural. E então de lá eu vim com uma certeza de que isso daria certo aqui e que a gente poderia estar diminuindo o analfabetismo, que a gente poderia estar dando oportunidade pros jovens rurais que não tinham onde estudar e que a gente poderia estar inovando, dando continuidade a esse projeto que é o Projeto Mutirão dentro da formação dos filhos dos trabalhadores. Em maio de 2005 a gente conseguiu inaugurar aqui na Casa Familiar Rural a primeira semana de aula dos alunos.

P/1 – Mas como que foi construído isso aqui?

R – Isso aqui foi construído através de um projeto chamado Ipese [Índice de Performance Socioeconômica] feito por um italiano, projeto realizado junto com a turma, com o Roberto Pina, com o Jair, o Manuel Luís e uma senhora chamada Nádia também da Itália que fizeram ______. Ela era representante do projeto aqui no Brasil e nós tínhamos um companheiro também que era italiano, mas que morava aqui no Pará que era o Roberto Remiggi. Tem lá o centro em homenagem ao Roberto Remiggi, ele foi o nosso ajudante aqui. Saiu um recurso em dólar, um projeto foi contemplado e saiu recurso pra construção do centro pra organização aqui. Aqui era só uma terra que a gente estava... Foi ganhada, negociada pra fazer aqui o grande Projeto Mutirão e aí a gente conseguiu comprar terra. Primeiro, começou aqui a origem desse lugar, ele foi num lugar mais longe daqui, ali pra trás chamado, Tracuateua, e lá foi feito um barracão, lá se discutia ______. Trabalhava a roça, a plantação do cupuaçu, do maracujá, da laranja. Tiveram várias plantações lá e aí se descobriu que tinha que ter uma grande área pra transformar num grande projeto se nós tivéssemos que errar, nós errávamos aqui no Centro Mutirão, o Pina sempre falava que as nossas experiências tinham que ser no mutirão, porque não dá pra errar no lote do agricultor, porque se não ele pode ter prejuízo. Então começaram a fazer os experimentos aqui e os experimentos feitos aqui deram certo. E aí começou, né? Daqui, as experiências foram se expandindo nos lotes e hoje o Município é inteirinho ______. Você olha de ponta a ponta tem açaizal até na terra firme já tem os lugares que tem os açaizais.

P/2 – E a experiência primeira aqui foi com açaí já?

R – Foi. Aqui foi a primeira experiência com açaí.

P/1 – Mas, o açaí era nativo daqui, não era? Como é que foi isso?

R – Basta dar uma limpada se cair um caroço, ele já brota e aí já vira uma árvore grande e aí vai até... Basta dar uma limpada, nós chamamos isso de manejo, né? Fazer o manejo, a gente fez o manejo na próxima limpeza você já olha e às vezes já tem até o cacho nas árvores, né? Então ele é natural daqui.

P/1 – Mas antes vocês já tinham idéia do que fazer com o açaí? Antes de começar a ter essa experiência?

R – Não, só bebia o açaí, onde tinha que eram raros os lugares aí o pessoal se alimentava, bebia o açaí.

P/1 – Como que era dá pra você ______.

R – Era amassado no alguidar. Era manual, tudo manual, amassado, coado, tirava ______. Amassava, não punha nem na máquina, era da grossura que queria, mas era tudo manual, amassado na mão mesmo. E aí depois foi evoluindo veio a máquina e as pessoas não amassam mais o açaí é muito difícil ter um lugar que tem alguém que tenha um alguidar só mesmo por esporte, né? Se tivesse que fazer uma representação, por exemplo, nós fizemos aqui, mas já não faz mais isso até por conta da higiene.

P/1 – Mas açaí é uma coisa assim que desde pequenininha aqui as pessoas já consomem?

R – Desde pequena.

P/1 – Você se lembra de você criança já tomando o açaí?

R – Lembro, eu desde pequena tomei açaí sempre tinha nos quintais, não era em grande escala, nos quintais tinha, nos terrenos pequenos sempre tinha o açaí. E aí a gente já apanhava o açaí, bebia o açaí isso é natural.

P/1 – O que mais faz o açaí, além da bebida? Tem muita coisa que se faz do açaí?

R – Faz o sorvete, o pudim, já fazem o bolo, a cocada com o açaí, então já inventam um bocado de coisas com o açaí.

P/2 – E o caroço?

R – O caroço serve de adubo. Ele é um adubo orgânico muito bom pra produzir a hortaliça e ele serve pra fazer as biojóias e agora está sendo feito um estudo pra ele ser usado também como combustível, como lenha, por exemplo, pra fazer, ele já tem certo estudo pra aproveitar esse caroço que hoje serve mais como entulho, né? Na cidade é muita a produção do caroço pras máquinas baterem, então ele é um entulho muito grande. Está se fazendo um estudo pra usar ele como lenha, como combustível.

P/1 – O açaí, ele dá o ano inteiro?

R – Não, tem alguns lugares que ele muda a safra, ele dá no inverno e no verão, mas tem lugares que é só na safra, só um período de julho em diante até janeiro e de lá em diante é entressafra, por exemplo, já estão dando os facões que é só na outra safra quando termina essa aqui aí já é só na outra safra.

P/1 – E é julho, né?

R – E passa, às vezes, janeiro, fevereiro, março, abril, maio e junho sem açaí, pra comercialização, mesmo, não tem açaí. Você tem um período vago aí que as pessoas acabam não tendo renda, né? Se não tiver outra cultura não tem renda.

P/1 – E como é que faz pra pegar o açaí assim tão alto?

R – Subindo com uma peconha. Depois eu vou mostrar a peconha pra vocês como é feita, depois de feita a peconha as pessoas metem no pé e sobem e vai se puxando igual a um lagarto, puxando no açaizeiro até chegar ao cacho e corta com a faca, quebra o cacho de açaí. Até agora ainda não temos uma técnica que apanha o açaí sem ser preciso subir, ainda não tem, por isso tem que ser feito o manejo do açaizal pra não crescer muito alta, porque se não ele dá um trabalho muito grande pra apanhar o açaí e é perigoso, né? Sem contar que é arriscado subir numa açaizeira e de repente quebra, porque se não tiver apoio a coisa pode quebrar e acaba se acidentando.









































P/1 – E assim quanto que sai, por exemplo, eu não sei nem medir isso, assim um pezinho desses dá quanto de açaí mais ou menos? Assim de quantidade?

R – Depende dos cachos, se os cachos forem grandes, tem cacho de açaí que dá uma lata de açaí.

P/1 – Uma lata é quanto mesmo?

R – 14 quilos. Tem cachos pequenos que precisa de dois ou três cachos para poder dar uma lata com 14 quilos. Agora geralmente um açaizeiro ela dá quantidade de cacho em torno de quatro ou cinco cachos que equivale a umas duas ou três latas de açaí cada pé, isso varia muito, varia do açaizal mais velho, açaizal mais novo, varia muito, né?

P/1 – E a comercialização, como é que você falou que é? Tem atravessador?

R – Tem muito atravessador aqui no Município, muito mesmo. Agora nós trabalhamos aqui a maioria com as cooperativas, nós trabalhamos com a Cooper Fruiti que é uma cooperativa que industrializa o produto, ela tem a fábrica da industrialização, a Codeme e a Caipim, a venda é In natura, vende produto in natura sem industrializar.

P/2 – E a industrialização o que é?

R – É o beneficiamento da polpa, tirado a polpa, transformar o caroço em polpa.

P/1 – Mas é uma maquininha?

R – A Cooper Fruiti é uma indústria maior, ela tem uma potencialidade muito grande da industrialização do açaí. Agora, tem as outras indústrias, lá em Igarapé-Miri tem, por exemplo, o Sabor Açaí que é uma indústria pequena de porte pequeno, acho que ela trabalha lá com quase um tambor, não é esteira. A Cooper Fruiti é esteira. Então ela tem que ter para ela funcionar, ela tem que ter no mínimo 500 latas de açaí.

P/1 – E essa cooperativa, ela surgiu quando começou a ter esse projeto? Quando que ela surgiu?

R – A Cooper Fruiti surgiu já no período em que o açaí ______. Já tinha bastante açaí e que não tinha muito mercado, as pessoas iam com o açaí pra vender e aí chegava a vender uma lata de açaí por R$ 0,50 e esse açaí, às vezes, eles nem vendiam, às vezes, traziam de volta pra casa ou então jogavam lá na beirada, já aconteceram muitas vezes isso. Então, começou a se discutir que teria que ter uma forma de como melhorar isso e foi aí que surgiu através do mutirão, discutiram, só que depois se desviaram a metodologia da forma como a gente queria que fosse a fábrica, né? E aí saiu a fábrica de açaí no nome da Associação Nazarezinha, primeiro foi um conselho e depois que foi formado a cooperativa, foi fundada a cooperativa pra administrar a agroindústria. Aí foi feito um projeto pelo Banco da Amazônia, feito outro projeto pra arrecadar capital de giro do Bampará e o Banco do Brasil também entrou com outra parte que foi o financiamento das famílias pra capital de giro também. E em seguida, ele fez um financiamento não reembolsável que é da Fundação Banco do Brasil com a Câmara Frigorífica, com a parte de frios, porque não tinha a fábrica. Então, tem uma boa parte de recurso que foi o Banco do Brasil que investiu.

P/1 – Ah, foi aí que apareceu?

R – Foi aí que apareceu o Banco do Brasil na hora que não tinha recurso para captar o dinheiro para capital de giro, aí se achou uma alternativa de fazer os agricultores participarem de um projeto, sair esse recurso e passava pra cooperativa. Os primeiros momentos deram certo, o segundo momento já não deu muito, porque hoje nós sofremos conseqüência dos agricultores todos inadimplentes no Banco, né? Então, está tendo esse problema, além de que a direção da Cooper Fruiti, a primeira direção não deu conta muito da parte administrativa, da parte de gestão, e aí com isso, deu uma certa queda dentro da cooperativa, não da cooperativa em si, mas da agroindústria, porque uma coisa é a cooperativa que tem seu corpo de sócios e tudo, e outra coisa é a agroindústria se não funcionar, não tem renda.

P/2 – Bena, você falou no processo de industrialização, você falou da câmara frigorífica, então o açaí que sai daqui, ele sai congelado? Pra onde que ele vai?

R – Sai congelado, ele vai pra São Paulo, Rio de Janeiro, Estados Unidos, até pra Rússia parece que já foi açaí. Tem mais dois ou três países que percorre.

P/2 – Então, hoje existe um mercado?

R - Ele é exportado, hoje ele tem mercado, tanto é que está dando certo que as grandes indústrias que são privadas, estão dando certo, estão comprando açaí. Fazem questão do atravessismo ser o principal elo de ligação entre eles, né? Porque diretamente da cooperativa é uma coisa, mas direto do atravessador é outra, não importa se o agricultor está lucrando o importante é que o atravessador lucre, que a empresa lucre, né? Nós trabalhamos com uma metodologia diferente, pra nós o que importa é o agricultor lucrar.

P/2 – Qual é a diferença de preço?

R – Sempre tem uma diferença, porque quem vende no coletivo, ele vende com selo de qualidade, ele vende com garantia de ______. Com toda a formação do agricultor, como que ele vai lidar com esse açaí, como ele vai cuidar do açaí. Então, logo no início da discussão, eles tinham sempre um valor a mais, sempre a mais a pedra, hoje a competição está muito forte entre atravessismo e a organização, porque tem momentos que a organização acaba vendendo mais barato que o próprio atravessador. Então é uma certa competitividade de preço.

P/1 – E como que vocês conseguem até combater, digamos assim, o atravessismo que você colocou?

R – Até agora nós ainda não conseguimos combater o atravessador, ele está sendo mais forte que a organização, eles conseguem fazer com que o agricultor se sinta assim: “Olha, se eu vou vender o açaí mais caro, eu vou ter mais trabalho, eu vou ter que limpar o açaí, eu vou ter que ter cuidado pra não botar o cacho no chão ______.” E todos os cuidados necessários que precisa e que nós chamamos de bons tratos do açaí e pro atravessador não, não importa onde eu coloque o açaí, o importante é que eu vou vender e pronto. Eu não tenho mais compromisso nenhum mais de não prestar o açaí e ser devolvido pra mim, aí quer dizer, ele imagina que está se ajudando, ele está se atrapalhando, porque a hora que der uma crise do açaí de repente algum problema no açaí, aí vai sofrer, ele que vendeu pro atravessador e vai sofrer quem vende tratado, tudo bem organizado.

P/1 – E esses atravessadores, eles são de onde?

R – Eles são daqui mesmo do Município, são as pessoas que, às vezes, são donos de açaizais, mas eles têm um barco, eles vão de porto em porto, eles arrumam dinheiro com os donos das empresas e acabam indo comprar de porto em porto. Então os atravessadores acabam sendo daqui mesmo.

P/2 – Eles vendem pela lata é isso?

R - Isso.

P/2 – E quanto custa uma lata para um atravessador desses que vem no barco?

R – Olha, hoje, eles estão vendendo até R$ 5, varia entre R$ 5 e R$ 6 lá no porto do agricultor, eles estão comprando uma rasa (lata) dessas grandes por R$ 12, depende do dia também, tem dia que o preço sobe, é igual a bolsa de valores, tem dia que vai alta, tem dia que baixa, né? Tem dia que não tem muito açaí, aí o preço sobe, tem dia que tem muito açaí na praça, aí eles abaixam.

P/1 – E a lata aqui? O preço qual é?

R – Pois é varia entre R$ 6, espera aí ______. Ele já chegou até ______. Esse ano, no período da entressafra, é o período melhor que quem tem açaí vende bem é R$ 60 uma rasa, R$ 100 uma rasa de 28 quilos. Então, no período da entressafra quem tem açaí, quem faz a mudança da safra que tem hoje uma técnica, você tira o açaí no período que vai ficar a safra, aí ele dá pra entressafra e ele vende o açaí mais caro.

P/1 – Uma curiosidade, Bena, na época que não tem então o açaí o que pessoal faz? Isso é armazenado? Como é que é?

R – Não, não é armazenado, hoje com a evolução dos açaizais, com o manejo, ele já não falha muito o açaí, já tem inverno e verão só que com uma qualidade não muito boa. O suco do açaí, por exemplo, já sai mais aguado, mal tinge a farinha, né? Eles vendem o açaí de um real, por exemplo, o litro já é uma água, já é muito ruim, de péssima qualidade, agora não falha o tempo inteiro é meio verde. Eles já apanham e vendem.

P/1 – Então, dá pra trabalhar o ano inteiro?

R – O ano inteiro a gente trabalha. Fica mais caro, porque pra você comprar uma lata com açaí você tem que ter dinheiro pra bancar. Tem período da entressafra que tem batedor de açaí que não bate no período, porque é muito alto o custo, não tem capital de giro, ele não vai atingir o lucro que ele planeja, então é melhor não bater. Agora quem tem capital de giro bate inverno e verão, agora a qualidade do vinho, a qualidade do suco de açaí ele cai, até agora ainda não foi trabalhado uma forma de armazenar o açaí pra vender na entressafra, né?

P/1 – Mas existe um estudo disso?

R – Estudo é uma necessidade que tem para poder garantir o equilíbrio da qualidade do açaí, porque imagina você vem na capital mundial do açaí, mas de repente você compra um açaí que não é muito bom, né? Nas próprias batedeiras de açaí. Então, toda a nossa luta ______. Nós questionamos isso, porque quem é produtor quer manter a qualidade, né? Agora quem é o batedor do açaí não importa pra ele a qualidade, importa que ele esteja ganhando dinheiro lá. E aí a gente tem até um pensamento de fazer ______. Tem um projeto já da cooperativa da Codeme [Cooperativa de Desenvolvimento de Igarapé-Miri] pra fazer a casa do açaí, a casa do açaí é onde você vai lá e tem o açaí batido na hora ou o açaí ______. Outros tipos de coisas com o açaí, com a qualidade do açaí que a gente precisa ter no Município, já tem um projeto que a cooperativa está trabalhando em cima disso.

P/1 – Bom, uma coisa que eu queria que você falasse é isso que a gente estava vendo, as crianças assim, como é que elas vão aprendendo sobre isso? Como é que isso vai sendo passado?

R – Desde bebê, por exemplo, antes de completar seis meses em diante a mãe já começa a meter um pouquinho de açaí na boca dele e aí ele vai se adaptando à comida. Completou um ano vai comer, já come com o açaí e a criança acaba já trazendo isso de berço, já se adapta com o tipo de alimentação que a família já tem. Não tem uma criança que não goste de açaí é muito raro você achar uma criança que não gosta de açaí.

P/1 – E esses cursos assim esses cursos de formação, isso está relacionado a estar passando a cultura, a capacitação? Você poderia falar um pouco disso pra gente?

R – Hoje, por exemplo, aqui nós fazemos a festa do açaí orgânico. A festa não é pra ganhar muito dinheiro, ela é pra repassar pra população que durante a safra foi bom nós colhermos muito açaí. Estamos agradecendo por essa safra, né? E é uma forma de passar a cultura, como é que apanhamos o açaí, como alimentamos com o açaí, como usamos o açaí pra tudo, né? Que o açaí serve pra base alimentar, pra questão financeira, pra você ter dinheiro no bolso em todos os sentidos, tanto ele in natura quanto ele beneficiado, quanto ele biojóia, quanto ele serve também lá dentro da flor pra abelha ir lá produzir o mel de abelha dentro do açaizal. Quer dizer tudo isso é nossa cultura que a gente vive aqui, a festa do açaí orgânico é isso você vai ______. Desfila a garota açaí, ela desfila com a roupa, com o estilo do açaí, ela desfila com a biojóia, então todo nosso empenho é mostrar pra população a importância que tem o açaí pra nós.

P/1 – Essa festa tem desde quando?

R – Desde 2004, faz cinco anos que a gente faz a festa.

P/1 – E sobre os cursos que os meninos vêm fazer aqui?

R – Os cursos são assim: a Casa Familiar Rural trabalha uma metodologia da pedagogia da alternância que é origem da agricultura familiar, então eles estudam o tema gerador, cada semana eles vem estudar um tema gerador aqui. O tema gerador é baseado na realidade que ele vive lá no lote deles, então é selecionado, por exemplo, foi tirado, foi matriculado aqui uma base de 25 a 30 alunos, esses alunos ______. Vai ser estudado, vão fazer o diagnóstico das famílias e nesse diagnóstico vão apontar quais são os temas geradores que há necessidade desses meninos estudarem. É sobre a mandioca, é sobre o açaí, sobre o cupuaçu, a fruticultura no geral, a questão da piscicultura, a hortaliça, então tudo isso, cada um ______. São 39 temas geradores que eles têm que estudar esses 39 temas geradores no final. Eles fazem a parte técnica, e teórica, eles passam um semana aqui fazendo a parte teórica e duas semanas lá no lote. Eles fazem na prática, tanto é que cada família, cada setor, cada lote tem que ter prática de alguma coisa que eles aprenderam aqui. Eu tenho, por exemplo, dois filhos que estudam, a nossa realidade é trabalhar com a mandioca, com a pimenta do reino, cupuaçu, a criação, então eles já tiraram ______. Eles já são da primeira turma estão terminando, né? Então eles já tiraram como meta, como projeto de vida o trabalho com avicultura, com a apicultura que é abelha e a questão da hortaliça. Então eles já sabem o que eles querem e com o que eles vão trabalhar e, além disso, a fixação do homem do campo pra que ele não sinta vontade de sair do campo para ir pra cidade pra ensinar o filho. Esse é o principal objetivo.

P/2 – Bena, você estava contando essa história daqui, né? Desse terreno que foi comprado e como continua isso? O mutirão? Como foi esse processo até chegar nisso?

R – No início era mutirão, por isso o nome é Projeto Mutirão. Tudo o que se construiu aqui foi na base do mutirão, foi no mutirão o projeto, o recurso que veio, a base da limpeza do terreno todo foi mutirão, mais ou menos uns 130, 150 sócios vinham pra cá e trabalhavam e limpavam e faziam o manejo dos açaizais. De mês em mês tinha mutirão, aí passava dois dias trabalhando e no final do dia tinha a assembléia com todos os sócios. Hoje já não é assim, hoje já não vem, porque cada um já tem seu lote, já conseguiu copiar todas as práticas aqui do mutirão, aí todo mundo tem seu lote, tem seu trabalho, ele já vem na assembléia e também o Centro Mutirão já se auto-sustenta, né? Na safra do açaí, eles colhem muito açaí e vendem e esse recurso é pra sustentar a associação, o centro aqui, toda a infra-estrutura. Então já não é necessário que o sócio venha pra cá trabalhar, o trabalho que eles doaram já serve pra pagar alguém pra trabalhar. E hoje só acontecem as formações, chamam os filhos dos sócios ou o próprio sócio vem pra cá para um seminário, para uma assembléia ou para uma formação, né? Há pouco tempo terminou um projeto, porque de vez em quando fazem um projeto para dar continuidade nessa formação, o Projeto Produzir, ele ensinou a questão dos bons tratos do açaí, da questão da biodiversidade, a agro ecologia e a questão da criação da produção de mudas. Tem um viveiro aqui atrás que produziu muita muda, foi dividido mais ou menos umas 14 mil mudas e continuou o viveiro aí para dar origem nas próximas mudas que virão aí. Também trabalhando muito a questão da biodiversidade, nunca pode se deixar só o açaí, “ah, porque o açaí é o cara agora é o bom, então desmata tudo e deixa só o açaí.” A prática hoje, a agroecologia diz que não, o açaí tem que estar no meio das outras plantas. Até porque se tem o açaí na safra, mas tem a manga, tem a andiroba que gera renda, tem o cupuaçu que gera renda, tem as madeiras chamadas agro florestais, as licenças florestais. Então tudo isso é geração de renda e tudo isso junto com o açaizal dá pra crescer junto, né? Não precisa cortar.

P/1 – Quando a gente estava vindo você mostrou que tinham outros locais também que eram relacionados a mutirão, obra de mutirão assim no percurso, né?

R – De lá de onde eu mostrei é que inicia o terreno do mutirão, aí todo esse terreno mais de 50 hectares de área de açaizal, ali dá uns 100 hectares mais ou menos, todo o terreno.

P/1 – E assim falando da capital mundial do açaí, dá pra você falar um pouco isso, então? Por que a gente poderia falar que aqui seria a capital do açaí?

R – A capital mundial do açaí é através de uma pesquisa de quantidade de produção, né? Então hoje o município desembarca muito em quantidade de produção, então ele é o município que mais produz açaí. (TROCA DE FITA) Por isso que a gente ______. Que foi feito até pela Eletronorte, ele foi identificado ser o município que mais produz açaí, então é por isso que eles falam, até em nível mundial foi feito que Igarapé-Miri é a capital mundial do açaí, pela quantidade de produção que desembarca em vários portos, o porto aqui da Vila Manhutá, aqui do Santo Antônio, do Suspiro, Vila de Igarapé-Miri mesmo, do Meru. Então quer dizer têm vários portos que desembarcam o açaí só lá na rampa do açaí que tem um lugar que chama rampa do açaí bem próximo de onde nós embarcamos, né? Vocês viram aquele movimento de gente lá é chamada a rampa do açaí, quando nós chegarmos aqui talvez já devem ter muitos caminhões que estão abastecendo, porque a água está grande, a maré está boa para desembarcar, então já tem muitos caminhões que já estão desembarcando o açaí lá, saem por dia entre 20 e 30 caminhões que saem carregado com o açaí.

P/1 – E tem idéia da quantidade total de açaí que se produz na região?

R – Infelizmente até agora a gente ainda não conseguiu fazer um levantamento de produção, por exemplo, qual é a quantidade, o potencial de produção que o município tem, a gente ainda não tem isso muito seguro, porque só temos das cooperativas que se organizam, que trabalham organizadas. Se você perguntar hoje, por exemplo, quantas toneladas de açaí a Codeme vende? Se for lá, elas sabem quantas toneladas eles vendem, quantas toneladas de açaí a Caipim vende? Elas sabem também, quantas toneladas de açaí a Cooper Fruiti bate? Eles sabem tudo, mas os atravessadores é muito difícil conseguir fazer esse diagnóstico, né? Tem uma grande vantagem de se fazer esse estudo até porque é necessário que o município tenha domínio de saber qual é o potencial de produção que ele tem de açaí.

P/2 – Eu fiquei com uma dúvida Bena, você falou que o açaí que vocês produzem aqui é orgânico, né?

R – Ele é orgânico porque não precisa você adubar com adubo químico, ele não é preciso nem um tipo de inseticida, ele é adubado natural, porque a maré entra e já deixa o barro da água, o lixo já fica lá, o que for de apodrecer aquilo já serve de adubo orgânico. Mas a questão do controle da qualidade, porque naturalmente o açaí da várzea já é orgânico naturalmente, mas pra ele ter o selo orgânico ele precisa de algumas coisas do tipo: não pode ser só o açaí, tem que ser por baixo das árvores, tem que garantir a biodiversidade. Então as cooperativas já trabalham com isso, a certificação do açaí, por isso que nós chamamos aqui de açaí orgânico.

P/2 – Quem é que dá essa certificação?

R – Eles fizeram aqui, fizeram a certificação com a Goca ______.

P/1 – O que é a Goca?

R – É uma empresa dos Estados Unidos, fizeram também outra com ______. Eu não sei bem o nome da empresa que fez a certificação.

P/2 – Eles vêm e fazem uma auditoria? Como é que é?

R – Eles fazem a visita nos lotes do pessoal da cooperativa, fazem o controle, a informação, a orientação como é que deve ser. Você não deve estar jogando o lixo no quintal, você não tem que criar porco solto, você não pode deixar as coisas que não apodrecem ficarem no meio do açaizal, não pode ter nem um resíduo de produto químico, porque o lote que tem já não é orgânico, já passa a não ser orgânico e se ele tiver alguma coisa lá, ele já é desclassificado das famílias que estão sendo certificadas. Então tudo isso é critério pra ser certificado, além da participação da família nos cursos de formação.

P/1 – Mas tem uma regularidade? Tipo a fiscalização, eles vêm de quanto em quanto tempo?

R – Eles vieram fizeram várias formações e aí o controle também é lá na hora da entrega, eles fazem o controle de origem, né? Chamado controle de origem, eles dizem de onde veio aquele açaí, quem é o dono, quantos quilos vieram, todinho o procedimento. Qualquer problema que der no açaí, eles vão rastrear pra saber de onde foi que veio, onde que deu problema.

P/1 – Bena, deixa eu voltar só um pouquinho lá no sindicato, porque você é presidente do sindicato dos trabalhadores rurais, então aí você representa tanto o setor que trabalha com o açaí como outros setores que trabalham com outros cultivos, né? Como é que é isso? Você acaba tendo que entender um pouquinho de cada coisa, né?

R – Até porque a minha realidade, ela é diferente, eu venho de uma área, de uma cultura de terra firme, a minha origem é do cultivo de terra firme. Então eu trabalho com a mandioca com o milho, com o arroz, pimenta do reino, então esse público acabou ficando assim a parte da várzea, ela avançou, ela desenvolveu e teve um avanço muito grande na parte da comercialização, até na industrialização, na produção, mas a parte da terra firme acabou ficando um pouco a desejar, né? Hoje nós trabalhamos o desenvolvimento no geral, hoje o sindicato dos trabalhadores rurais e é um dos meus maiores desejos é que a área de terra firme possa desenvolver com a comercialização do cupuaçu, com a industrialização da mandioca. E nosso povo da área de terra firme que trabalha com mandioca ainda é muito ______. Pouca tecnologia, a farinha ainda é tudo manual, é lidado com muito trabalho e pouca renda. O que nós queremos é evoluir ter muita renda e menos trabalho. E aí ter o acesso do desenvolvimento através das vicinais, da estrada boa, do escoamento da produção, do incentivo a produção, né? E com isso acabou só a roça, acabou ficando uma área muito grande degradada sem muitos outros cultivos e a produção muito baixa, aí ainda tem certo sentimento que o nosso município acaba importando produtos de outros municípios. A farinha mesmo acaba vindo de outros municípios, porque está faltando desenvolvimento, está faltando incentivo a essa cultura aí pra produzir além da farinha outros oriundos da mandioca. Então nós temos essa realidade hoje, o que se avançou na parte da várzea, se deixou a desejar na parte da terra firme, nós tivemos muito pouco desenvolvimento. Até por conta do Poder Executivo do Estado, do Poder Municipal, porque a gente não tinha ______. O sindicato nós nunca tivemos esse apoio diretamente, né? Sempre a gente lutou, lutou e pelo lado mais fácil a gente foi avançando, o lado mais fácil foi o lado do Governo Federal que abriu caminhos, que abriu espaços, que teve financiamentos, que acabou tendo financiamento da reforma agrária que foram os assentamentos e as coisas evoluíram na área ribeirinha que foi o Governo Federal. O Governo do Estado nós temos agora dando início com a solicitação de casa de farinha pra industrializar o produto da mandioca, com o incentivo a criação da galinha caipira que é a geração de alimento, né? Com o incentivo a plantação do arroz, do milho, do feijão que é um consumo muito alto e que vem tudo lá do Sul. Acaba vindo feijão e tudo lá de São Paulo, eu acho também que vem feijão e acaba... Tem muita terra, tem lugares para produzir, mas que ainda não conseguimos alavancar. Hoje nós temos uma proposta pra trabalhar o desenvolvimento com um novo cenário político, com o novo Prefeito entrando aí que também tem essa mesma visão. Nosso sonho é poder desenvolver o Município por igual onde o ribeirinho tenha o seu barco, né? Deu pra vocês observarem na vinda de lá todo mundo ter seu barco no porto, sua antena parabólica, a sua televisão, ter um frízer, a energia. Então nós também sonhamos isso pra área de terra firme, o pessoal ter a estrada, ter seu carro, a sua moto, a sua casa de farinha bem equipada pra industrialização, não só da farinha da mandioca, mas também da tapioca e de outros produtos da mandioca. E a gente também sonha que o agricultor lá não seja obrigado a vender a sua terra ou deixar a sua terra pra poder vir pra cidade fazer a educação, gerar a educação dele próprio, né?

P/1 – Me conta uma coisa e a relação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Igarapé com o conjunto do movimento sindical, porque de repente você está aqui em Igarapé, mas tem uma relação com outro sindicato, tem uma interação com o movimento sindical nacional, não tem?

R – Temos. Nós temos além ______. Até porque nós temos a nossa dirigente que é oriunda daqui do nosso Município, do nosso sindicato. Então a nossa ligação, a nossa integração com o conjunto do movimento ele é no geral, através da Fetag que é a nossa federação dos trabalhadores rurais aqui de Belém e a Contag que é a confederação nacional. Então a gente tem ligação direta, quando a gente precisa de qualquer coisa a gente entra em contato com a direção de lá, qualquer coisa que tenha de formação, de alguma coisa que seja necessário o nosso município ser o modelo sempre a gente é visitado muito com relação a isso, levado muitos exemplos e tem recebido também algumas ajudas do movimento sindical da Contag e o nosso município sempre é incluído nos projetos deles. A gente tem tido algumas orientações

de lá, informações de lá. Então a gente tem essa ligação, essa participação no geral.

P/1 – Uma coisa só que passou batido, você se lembra da primeira vez que você teve que falar numa assembléia? Foi tranquilo isso?

R – Não, a minha primeira vez numa assembléia do sindicato, por exemplo, foi quando eu fui tesoureira e eu tinha que prestar conta dos recursos que tinham entrado no sindicato. E o meu contador, o nosso contador do sindicato, ele não tinha muito essa cultura de vir, as outras direções não fizeram isso, não trouxeram ele pra dentro da assembléia pra dar suporte técnico para que a gente pudesse apresentar a prestação de conta, tanto eu quanto ele estávamos desinformados. E aí a gente se atrapalhou um pouco na prestação de contas, o pessoal cobrou, eu fiquei nervosa e aí suspendemos a prestação de contas. Não era porque não tinha o que apresentar, era porque a gente foi cobrado muito e eu não tinha muito essa coisa de dialogar de falar o que estava acontecendo. Esse foi o meu primeiro impacto dentro de uma assembléia e foi muito ruim, eu me senti muito mal, eu achei que não dava conta. E depois, eu passei a ser exploradora do nosso contador, ia mesmo pra cima falava pra ele, perguntava e ele nos ajudou muito, porque ele começou a vir também pras assembléias. Daí em diante graças a Deus não teve ______. Eu ainda participei de um curso de formação de novas lideranças e isso me ajudou muito pra eu evoluir na... Pra eu saber conversar, dialogar, ter paciência das coisas, porque às vezes a gente erra uma vez, se aborrece e pronto isso não dá, eu vou embora e saio, não, teve muita paciência e humildade pra aprender as coisas. Eu acho que esse foi o meu ponto principal foi ter humildade de aprender de nunca saber nada sempre aprendendo.

P/1 – Me conta uma coisa, como é que ficou a família nisso tudo? Porque você é trabalhadora rural, sindicalista e a família como é que você conseguiu combinar isso daí?

R – Quando eu vim pro movimento sindical, pra dentro do sindicato meus filhos já estavam grandinhos, a mais criança era a Ritinha que estava com ______.

P/1 – Espera aí, então quantos filhos você tem?

R – Eu tenho quatro.

P/1 – Qual é o nome deles?

R - Adriana a mais velha, o Anderson, o Vanderson e a Rita. A Rita é a caçula, quando eu vim pro movimento sindical ela tinha uns sete anos, aí eu trouxe ela comigo, ela veio comigo e aí... Ela veio pra estudar, ela era muito inteligente, conseguiu avançar no estudo e durante toda a minha dificuldade dentro do movimento ela compartilhava comigo mesmo menina, ela ______. E teve problema assim familiar, meu marido num primeiro momento, ele era delegado sindical, eu dava todo apoio, mas quando chegou a minha vez de ficar fora de casa para assumir um cargo fora, aí teve problema, teve impacto na família. Aí eu vim e num primeiro momento foi bem, o segundo ano já não foi bom, nós tivemos problema em família, aí eu cheguei ao ponto de querer desistir, de querer voltar ir embora, não querer mais ______. Até porque estava perdendo o marido, perdendo a coisa dos filhos e tudo. Eu tive que ser muito enérgica pra poder segurar a barra, teve um tempo que nos separamos. Depois, voltamos, vivemos momentos difíceis até de violência entre a nossa família e esse foi o pior momento da vida que eu vivi, que eu nem gosto muito de lembrar, porque foi muito ruim pra mim, pros meus filhos, a minha filha mais criança viveu isso comigo mas, graças a Deus, eu consegui superar. Hoje eu posso dizer que meu marido é meu braço direito, que consegue viver isso comigo, que já entende que já sabe que se eu viajo, eu não viajo por interesse meu, porque eu quero ir lá conhecer novas pessoas, novos rapazes que isso não me interessa. O que me interessa é poder valorizar o espaço que me deram e retribuir essa oportunidade que me deram pra eu poder não deixar a desejar a minha entidade que me depositou confiança. Então, até agora isso tem me ajudado, né? Atrapalhou, mas ao mesmo tempo ajudou, porque hoje ele consegue entender que não é só eu. Ele também já é visto, já me ajuda, é uma liderança. Eu considero ele como uma grande liderança dentro do movimento sindical, como delegado sindical ele consegue ter uma visão, consegue ajudar dentro do campo político. Quer dizer, isso só valeu de incentivo, teve o problema, a gente viveu o problema ao mesmo tempo superou o problema e hoje a gente trabalha junto, eu sou Presidente do sindicato, mas a hora que precisa da ajuda dele, ele está pronto pra ajudar. Aí a gente divide essa vida a dois, tem mês que a gente se encontra duas ou três vezes e tem mês que a gente não se encontra. Tem semanas que ele fica em casa lá junto e, às vezes, precisa: “Olha, eu tenho uma viagem pra fazer, tu vai fazer?”. Ele vai fazer e com isso acaba envolvendo ele e os filhos todinhos dentro do movimento. Aí eu falo pra eles que eu sou igual Jader Barbalho, crio o trabalho e dou trabalho pra todos eles, eu acabo envolvendo todos eles no movimento sindical. Eles têm hora que reclamam, mas ao mesmo tempo eles conseguem conviver.

P/1 – E os seus filhos estão com quantos anos agora? O que eles fazem?

R – Tenho um filho que está com 19 e vai completar 20 esse mês. O outro com 18. A minha filha mais velha vai fazer 22 anos e a caçula está com 15, completou agora esse final de semana passada.

R – Estão estudando?

R – Estão estudando. Os dois rapazes estudam aqui na Casa, essa semana ele não veio, o mais velho, ele arrumou uma mulher e eu não sei se ele vai esquecer o estudo ou vai continuar, né? Eu cheguei agora e para minha surpresa, ele não está aqui e o outro que estuda aqui, ele está viajando, ele foi representar a Casa Família Rural lá em Recife, Pernambuco. É um intercâmbio que tiveram a presença de jovens lá que visitaram aqui e agora ele foi pra visitar lá as experiências que têm em Pernambuco. A caçula, ela estuda só, mora comigo lá na cidade e a outra mais velha, ela estuda e trabalha em Barcarena, é solteira também não tem... Não quer casar, ela estuda, trabalha, ela é independente e vive uma vida independente, né?

P/1 – Bena, você olhando essa sua vida de luta, muita luta, diga-se de passagem, o que você diria assim como as principais lições que você teve?

R – Olha, uma das principais lições é essa vida que pra mim foi uma aprovação pra ver o que era mais importante, minha família, a vida social? Porque há a necessidade de eu estar lá pra contribuir e eu tive que ter muita energia pra poder decidir. Eu gosto da minha família, eu quero a minha família, mas eu também tenho que contribuir dentro do movimento social. Então, esse momento pra mim é inesquecível e foi uma lição de vida, porque a gente não pode viver só pensando na gente, eu não posso viver só pensando que a minha família tem que estar bem, eu tenho que pensar que a minha família está bem, mas que as outras famílias, principalmente, os trabalhadores rurais que é o nosso principal público também vive bem. É bom eu ir na casa de um agricultor, chegar lá e sentir que ele está vivendo bem, que ele está feliz, que ele tem tudo aquilo que a gente lutou, ele também tem. Mas, ruim é se eu chegar, por exemplo, na minha família e eu querer viver a minha vida independente, eu ter tudo do bom, mas o meu colega, o meu vizinho não tem. Então, eu assumi essa vida pública, não para tirar proveito pra mim, mas pra poder dar essa oportunidade para os outros também, principalmente para os trabalhadores rurais. Então, isso pra mim é uma lição de vida que isso ninguém ______. Isso não há dinheiro que compre, ninguém vai tirar de mim o que eu vivi e estou vivendo essa oportunidade, né? Eu acho que pode ser que pra alguns, isso não vale nada, mas pra muitos isso vale tudo o que as pessoas têm. Tudo isso que nós construímos, vale a nossa história, por isso é que agora quando nós ganhamos a eleição eu dizia pros meus amigos assim: “ 25 anos de luta e que agora está dando frutos”. Nós passamos 25 anos lutando pra nós ______. Nós tínhamos vários sonhos e nós fomos cumprindo esses sonhos por etapa, o sonho de ganhar o sindicato e ganhamos o sindicato, o sonho de tirar o sindicato de um buraco que chegou a ponto de nós perdermos muitos sócios, né? Os sócios não vinham mais para o sindicato, porque o sindicato tinha mudado de rumo, o sindicato assistencialista já não era mais assistencialista, ele já era lutador, já era em busca de outras coisas, um sindicato que dava médico, dentista, que dava machado já não era mais esse sindicato. Então, nós perdemos muito com isso, perdemos muitos sócios e conseguimos tirar essa imagem de que o sindicato era só assistencialista, mudar porque o sindicato era uma ferramenta de luta pra mudar a vida dos trabalhadores pra melhor. E aí mudamos com certeza, eu posso dizer que 50% do Município de Igarapé-Miri da área agrícola tem uma mudança radical dentro da área da agricultura, da pesca também, né? Porque acaba tendo a colônia do pescador acaba sendo feito um conjunto de luta que acabou surtindo efeito, então é uma coisa que não tem assim ______. A alegria da gente de ter vivido isso é incomparável da gente ter vivido, então eu dizia pra nossa turma: o Pina que ganhou a eleição agora, ele é uma das nossas maiores estrelas, uma das nossas maiores lideranças que a gente tem no Município, dentro do movimento social como um todo tanto do político quanto da questão sindical. O Manuel Luís foi um dos nossos professores, foi um que apostou que a família dele foi o movimento sindical, a família dele não importava a irmã, o irmão, o cunhado, os sobrinhos, o que importava era ele tanto que não constituiu família, não tem mulher, não tem ______. Ele viveu a vida dele para o movimento sindical pra esse Centro de Mutirão. Hoje ele é o presidente daqui e ele é um exemplo de liderança pra nós. Então é tudo isso que eu falei, a alegria que vocês puderem e tiverem a oportunidade de ver nas pessoas, aí vocês vão sentir o que foi o movimento sindical, o que mudou. Sem contar que não foi só da cultura, mas também dos direitos, os direitos, por exemplo, a mulher não tinha direito a receber salário maternidade, de auxílio doença e nem de se aposentar. E na nossa luta nós conseguimos, uma das nossas lutas foi conquistar esses direitos através da previdência. Mulheres trabalhadoras rurais podem se aposentar, podem ter o salário maternidade, podem ter o auxílio doença quando adoece. Então, esses foram uma das maiores conquistas que a gente teve, né? Porque nós também tínhamos direitos, não era só os homens, a mulher só podia se aposentar se o marido morresse, aí sim ela ia pedir a pensão e podia se aposentar, mas se ele continuasse vivo só ele se aposentava, ela não. Então, hoje não, hoje os dois têm os mesmos direitos.

P/1 – Olha só, eu nem falei direito sobre isso, sobre a questão do Banco do Brasil e passou um negócio assim meio batido, porque você percebeu que estou mudando, né? Você tinha falado uma coisa do Banco do Brasil, aquilo que você tinha falado já era o DRS? Quando ele apareceu?

R – Foi a partir daí do DRS, o Banco do Brasil entrou nesse período o DRS foram os financiamentos, foi o financiamento pra capital de giro e o financiamento mesmo do açaí, o financiamento dos projetos do açaí, né? Inúmeros lotes aqui são financiados pelo Banco do Brasil, de manejo de açaizais mesmo, eu acho que um dos maiores focos. A maior quantidade de financiamentos do banco do Brasil é em cima do manejo de açaizais. Então começou o DRS do Banco do Brasil a partir daí, os financiamentos, do suporte, a fábrica e a maioria foram os filiados da Cooper Fruiti que tem financiamento do Banco do Brasil e que estão produzindo hoje açaí. Então, foi a partir desses financiamentos que começaram aí ______. Que foi criado o DRS, né?

P/1 – Então é curioso, o pessoal do Banco do Brasil quando conversaram com a gente, eles falaram que inclusive a agência do Banco do Brasil aqui de Igarapé, ela foi aberta aqui em função do próprio açaí, antes não tinha?

R – Não tinha agência, a gente ia todo mês que precisava de alguma coisa tinha que ir a Abaetetuba e faz o quê? Uns quatro anos que têm a agência aí, foi a partir daí o comércio, os financiamentos, a questão da comercialização do açaí tinha que abrir conta, tinha que ir a Abaetetuba. Então, a partir daí, foi feita uma solicitação e foi atendido com a abertura da agência.

P/1 – Bom, eu coloquei isso, porque o Banco do Brasil está fazendo esse trabalho de memória que a idéia é estar comemorando esses 200 anos de história do Banco, mas comemorando através da história das pessoas que fazem o próprio Brasil, né? O que você acha desse projeto? De estar contando essa história a partir da história das pessoas?

R – Eu acho que foi um dos principais eixos, o agricultor poder ter direito a acessar um Banco, a acessar um financiamento do Banco mesmo que seja de um programa do Governo, mas que ela teve oportunidade de ir ao Banco, abrir uma conta, de receber o dinheiro no Banco, da comercialização do produto que muitos agricultores nem conheciam a porta do Banco. Então, o Banco do Brasil foi um dos exemplos de dar oportunidade às cooperativas irem lá abrir conta, receber o recurso direto do recebedor da produção, passar pra conta da cooperativa e o agricultor poder ter o seu financiamento lá no Banco e dizer: “Olha, eu preciso de dinheiro pra trabalhar.” .Tem a Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural], vai na Emater faz o projeto e encaminha pro Banco. Até agora a gente tem a única dificuldade que a gente tem são alguns atravessismos também dentro da próprio coisa do financiamento, mas isso a gente tem que estar ______. Não sei se é culpa do Banco, não vejo isso como culpa do Banco, mas a organização que as pessoas querem ir pelo lado mais fácil, né? Mas hoje graças a Deus a gente tem uma boa relação com o gerente do Banco do Brasil aqui e, principalmente, com a superintendência, com o Siney, com a Maria de Belém que foi uma das principais que vieram pra cá, começaram a discutir isso em cima do DRS, o Jorge Artur que foi uma das primeiras pessoas que eu conversei em discussão em relação ao Banco e agora o gerente que tem que ser mais do dia-a-dia que a gente vive aí. Então, a vinda do Banco do Brasil para Igarapé-Miri foi muito boa, acho que não foi só pros agricultores não, foi também pra indústria e comércio e pra toda a população de Igarapé-Miri, valeu a pena. Eu acho que o que precisa é dar uma ampliada na questão do funcionamento dos funcionários do Banco, acho que o resto é só a gente poder potencializar essa agência pra continuar no Município.

P/1 – E o que você achou de estar participando desse projeto de memória assim dando esse depoimento?

R – Olha, eu estou achando muito bom, até porque como a gente não tem muitos meios financeiros pra poder fazer um vídeo com o movimento ou fazer um histórico do movimento através do vídeo. Está dando uma oportunidade para mostrar que a gente tem história e que tudo isso que tem hoje no Município não surgiu do nada, ele teve uma história e essa história quem sabe agora a população vai estar vendo. É uma pena, seria mais importante se cada peça, se cada ator dessa história pudesse estar dando o seu ______. Ele mesmo estar dando o seu depoimento, mas eu acredito que é uma oportunidade que a gente está recebendo de poder contar a história do movimento sindical depois da produção, depois da vinda, da gente poder ter acesso ao Banco, aos financiamentos. Então é muito boa mesmo com certeza.

P/1 – Tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado que você gostaria de estar falando?

R – Não, assim eu vejo como vocês perguntaram e a gente não falou da agricultura familiar, né? Ela não é só o açaí com certeza. Hoje, nós vemos o desenvolvimento da agricultura familiar com a grande geração de emprego e renda, com a produção não só do açaí, mas das outras fruticulturas que podem ser produzidas na terra além da criação. E nós temos um grande sonho de poder ver o Município também ser produtor da piscicultura, poder criar peixe, poder ter tudo isso no seu lote, ou seja, ter um estabelecimento rural, uma área rural, nós chamamos de Unidade Familiar com tudo que uma família precisa e poder ter oportunidade de gestar a sua área, fazer a gestão da sua área sem muita dificuldade. Então, de tudo isso a piscicultura é um dos ramos que a gente pretende apostar e quem sabe os Bancos poderem dar oportunidade pra fazer financiamento e a gente poder mostrar que também é possível criar peixe já que no rio não tem muito, né? Já que está perdendo um pouco essa cultura e nosso Município já foi muito rico no pescado e hoje já não tem muito. Então é preciso não só tirar da natureza, mas também produzir. Esse é um dos focos da agricultura familiar, também ser produtor do pescado pra poder substituir aquilo que já não tem mais na natureza. Então, só isso que eu tinha pra falar, além de agradecer a oportunidade de poder contar um pouco da minha história da minha vida, da história do movimento sindical.

P/1 – A gente que agradece. Muito obrigada.