Nasci às dez horas da manhã do dia 30 de novembro de 1949. A primeira filha de um jovem casal do interior do Pará. Meu pai filho de dono de seringal no Xingu e minha mãe filha de dono de seringal no Acre. Os dois se conheceram, namoraram e casaram em Altamira, cidade onde nasceu meu pai. Minha mãe foi morar em Altamira depois da morte dos pais dela. Mas, ela veio me ter em Belém, porque, na época era mais seguro ter filhos na Capital. Era um menina doentinha. Sofria de asma e albumina. Os médicos me deram apenas quatro meses de vida. Hoje estou com 48 e gozo de muito boa saúde. Sem asma e nenhuma doença renal. Quando eu tinha quatro anos de idade meus pais vieram morar em Belém. De minha infância em Altamira, lembro dos banhos no belo rio Xingu, verde como um monte de esmeraldas. Das brincadeiras de roda na rua e da corrida sobre grandes toras de balata, que colavam nos pés, e ficavam enfileiradas na rua da frente da cidade, e faziam a delícia da criançada. Também lembro da viagem para Belém de navio, e da forte tempestade que enfrentamos na baía de Curralinho, mas que eu olhava feliz através da janelinha do camarote do navio. Até hoje adoro viajar de navio.
Em Belém ficamos pouco tempo. Meu pai agora Agente do IBGE foi mandado para Igarapé-Açu, interior do Pará, hoje à duas horas de Belém. A infância de toda criança deveria ser no interior. Só no interior a criança consegue viver toda a liberdade da infância. Correndo nas ruas, tomando banhos de igarapé. Chegando em casa cheirando a moleque. Em Igarapé-Açu começou meu amor pelo Cinema. Nossa casa ficava ao lado de um e todas as noites a garotada enchia a única sessão, lotando os bancos de madeira corrida. E olha que passava o mesmo filme durante um mês inteiro ou até que o público cansar dele. Na Semana Santa, o filme sobre a morte de Jesus era sempre o mesmo, e a choradeira da garotada na hora da morte de Jesus, também. E tinha o trem que passava todos os dias vindo de...
Continuar leitura
Nasci às dez horas da manhã do dia 30 de novembro de 1949. A primeira filha de um jovem casal do interior do Pará. Meu pai filho de dono de seringal no Xingu e minha mãe filha de dono de seringal no Acre. Os dois se conheceram, namoraram e casaram em Altamira, cidade onde nasceu meu pai. Minha mãe foi morar em Altamira depois da morte dos pais dela. Mas, ela veio me ter em Belém, porque, na época era mais seguro ter filhos na Capital. Era um menina doentinha. Sofria de asma e albumina. Os médicos me deram apenas quatro meses de vida. Hoje estou com 48 e gozo de muito boa saúde. Sem asma e nenhuma doença renal. Quando eu tinha quatro anos de idade meus pais vieram morar em Belém. De minha infância em Altamira, lembro dos banhos no belo rio Xingu, verde como um monte de esmeraldas. Das brincadeiras de roda na rua e da corrida sobre grandes toras de balata, que colavam nos pés, e ficavam enfileiradas na rua da frente da cidade, e faziam a delícia da criançada. Também lembro da viagem para Belém de navio, e da forte tempestade que enfrentamos na baía de Curralinho, mas que eu olhava feliz através da janelinha do camarote do navio. Até hoje adoro viajar de navio.
Em Belém ficamos pouco tempo. Meu pai agora Agente do IBGE foi mandado para Igarapé-Açu, interior do Pará, hoje à duas horas de Belém. A infância de toda criança deveria ser no interior. Só no interior a criança consegue viver toda a liberdade da infância. Correndo nas ruas, tomando banhos de igarapé. Chegando em casa cheirando a moleque. Em Igarapé-Açu começou meu amor pelo Cinema. Nossa casa ficava ao lado de um e todas as noites a garotada enchia a única sessão, lotando os bancos de madeira corrida. E olha que passava o mesmo filme durante um mês inteiro ou até que o público cansar dele. Na Semana Santa, o filme sobre a morte de Jesus era sempre o mesmo, e a choradeira da garotada na hora da morte de Jesus, também. E tinha o trem que passava todos os dias vindo de Belém. Era festa ver o trem chegar. E foi o trem que me levou aos 7 anos de volta para Belém. A tristeza era grande. Deixar os amigos, as brincadeiras de cáuboi, os banhos de igarapé. Mas, a alegria de viajar no trem quase encobria todas as saudades. Até aqui éramos eu e mais um irmão.
Em Belém, continuei o primário no Grupo Escolar Paulino de Brito, que existe até hoje em Belém. Era um belo prédio em estilo colonial. Hoje, é um horrível prédio sem estilo algum. Sempre gostei de estudar. Aprender a ler pra mim foi como aprender uma grande mágica. Sim, eu tive babá toda a minha infância que liam pra mim os contos de Andersen e eu ficava horas olhando as letras, e pensando quando iria poder decifrar aquilo tudo. Consegui Então livros, aprender, estudar se tornaram, pra mim, uma grande paixão. Passei da quarta série primária para o primeiro colegial direto. Estudei no melhor colégio para moças da cidade o Gentil Bittencourt até hoje um dos marcos na arquitetura de Belém.
Era a primeira da classe. Uma tremenda CDF. Mas não quis fazer o Pedagógico como se esperava de uma moça de família, na época. Meu primeiro ato de rebeldia foi fazer o Científico, que terminei com 18 anos. Minha mãe queria que eu fizesse Medicina, até tentei estudar vestibular pra Medicina, mas abandonei definitivamente quando descobri a Escola de Arquitetura bem perto de minha casa. Cheia de jovens cabeludos, calças rasgadas e tamancos, que faziam loucuras pela ruas de Belém.
Foi um escândalo na família quando disse que iria fazer Arquitetura. Este foi meu segundo ato de rebeldia. O terceiro ato de rebeldia foi não terminar a prova de vestibular porque minha turma estava achando muito difícil. Conclusão, esperei por eles e acabei entrando, sem eles no ano seguinte. Era o ano de 1969. E me descobri comunista. Outro escândalo na família. Até participei de grupos de estudo que pretendiam apoiar a Guerrilha do Araguaia com a Guerrilha urbana. Fiz Teatro. E me apaixonei pela primeira vez. E não seria a última. Minha mãe e eu vivíamos em guerra. Eu, definitivamente não era a filha que ela havia sonhado. O sonho de guerrilheira acabou em 1972. Foi o salve-se quem puder Alguns amigos foram presos, outros foram mortos, outros querem esquecer este assunto. Terminei Arquitetura e com o curso terminou a primeira paixão. Depois vieram tantas que não dá pra relacionar.
Do primeiro beijo não lembro. Lembro que seduzi a primeira paixão. E vivi tudo o que os anos sessenta e setenta trouxeram de liberdade sexual. E pasmem Experimentei maconha e não gostei. LSD só achei legal porque rendeu uma bela foto de um nascer do sol. Mas, dizem os amigos que até hoje eu fico porre só bebendo água e coca-cola.
Na adolescência eu amava os Beatles e até usava o cabelo como o do Paul Mcartney. Acabei preferindo Lennon e sua namorada Yoko. Lia Sartre e minha musa era Simone de Beauvoir. Meu grande sonho era ser bailarina clássica. Cheguei a estudar dança. Mas, não fui longe neste caminho.
Nos anos 80 vivi um triângulo amoroso que deu certo e rendeu uma longa e até hoje grande amizade. E descobri a fotografia. Minha paixão pelo cinema era tanta que me apaixonei por um cineasta que passou pela cidade. Vivemos um romance cinematográfico que rendeu até hoje, uma grande amizade. Resolvi dar vazão à minha paixão pelo Cinema fazendo um Curso de técnicas cinematográficas, conheci meu marido neste curso, estamos juntos há dezesseis anos, juntos fizemos dois curtas e participamos na produção de mais alguns curtas. A paixão pelo cinema e a dificuldade de realizar esta paixão, me levou para trabalhar em televisão, onde trabalho, e meu marido, também, até hoje. Dirijo programas educativos, documentários, vídeos institucionais, clips.
A formação em Arquitetura me abriu as portas da arte. E eu quis vivê-las todas, ou quase todas... Não tenho muito talento, mas dou a tudo, sempre, o melhor de mim. Filhos não quis tê-los. É muito difícil, ser responsável o resto da vida por uma pessoa.
Ah... meus irmãos. Éramos dois, um dia meu pai que trabalhava no interior trouxe uma linda menina pra minha mãe criar e ajudá-la nos afazeres da casa. Ela, hoje, é mãe e tem uma linda filhinha. Meu irmão mais novo chegou em casa, também trazido por meu pai, em 1980, dizendo que o menino não tinha nem pai nem mãe, mas ele havia registrado ele como filho de minha mãe e dele. Só mesmo no interior da Amazônia é possível isso Descobriu-se que o filho era dele. Enfim, minha mãe pressionada por mim resolveu criar a criança, que afinal não tinha culpa das escapadas de meu pai, que minha mãe já conhecia bem. Hoje, meu irmão é um belo rapaz de 18 anos e mora com minha mãe. Meu pai morreu de infarto dois anos atrás. Ele teria adorado conhecer o Viagra
Minha relação com meus parentes é fraterna, mas não sou muito de parentes. A melhor coisa pra mim é ficar em casa lendo, e atualmente, navegando na Internet.
Meu sonho, ainda hoje, é fazer filmes. Mas é um sonho cada vez mais impossível. Nunca fui de lutar muito para conseguir alguma coisa. Se tinha de lutar muito eu caía fora. Isto é assim até hoje. Invejo as pessoas que brigam, lutam até conseguir o que querem. Tive uma infância feliz. E adolescência com problemas iguais ao de todos os adolescentes. Tive os amores que desejei. Amei...amo...fui e sou amada... Mas, ainda procuro sei lá o quê? que está não sei onde?...
Esta é só uma das muitas histórias da minha vida. tem muito mais, afinal são quase meio século de existência.
Meu primeiro emprego foi logo que terminei Arquitetura, fui ensinar na Escola técnica Federal do Pará. E por aí vai. Mas, depois deste primeiro passo. Vou pensar em contá-la inteira de um outro modo. Tem o pedaço em que morei no Rio de Janeiro...outro quando fui estudar no em Porto Alegre...e as histórias de muitos carnavais...e das viagens pela a Amazônia colhendo imagens para documentários...e as viagens pela Europa com meu marido que é suíço, mas não gosta nem pensar em sair daqui para ir morar no país dele, que eu acho maravilhoso... Tem a história de meu amor pela natureza e pelos animais.
A história da dor com a morte do meu pai... As histórias com os amigos... Meus cachorros (" Cachorro também é gente". Que fim levou o cara que disse isto?). A história de como conheci meu marido e estamos junto até hoje...Tem a história de ter sido homenageada por uma escola de Samba aqui de Belém, por fazer parte dos pioneiros do Cinema no Pará...Era uma vez...Foram muitas histórias...E eu que pensei não ter nada pra contar...bbzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
(Sônia Maria Brandão de Freitas deu o seu depoimento ao Museu da Pessoa no dia 14 de junho de 1998 através do nosso site da internet)
Recolher