Museu da Pessoa

Antropologia, arte e meio ambiente, uma formação completa

autoria: Museu da Pessoa personagem: Marcia Makiko Hirota

SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Márcia Makiko Hirota
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 20/12/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SOS_HV014
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto

P/1 – Boa tarde, Márcia. Obrigada por você ter vindo (risos).
R – Boa tarde.
P/1 – A gente podia começar com você falando seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Márcia Makiko Hirota, eu nasci em Mogi das Cruzes, aqui no estado de São Paulo.
P/1 – E você nasceu em que ano?
R – Nasci em 1960.
P/1 – A sua família é de Mogi das Cruzes?
R – Sim. Os parentes do meu pai tinha negócios lá.
P/1 – Que tipo de negócios vocês tinham?
R – Eles eram comerciantes. Na verdade o meu pai veio com a família dele do Japão e eles foram para o interior do estado. E ele na verdade aprendeu o ofício de recauchutagem de pneus, de trabalhar com o comércio. Então eles tinham um negócio nessa área.
P/1 – E você?
R – Então quando eu nasci ele já trabalhava com isso lá (risos).
P/1 – E você tem mais irmãos?
R – Tenho um mais velho e um mais novo.
P/1 – E como que era quando você era criança em Mogi? Como era Mogi, o que vocês faziam?
R – Olha, Mogi é uma cidade muito próxima de São Paulo, mas tem um ritmo completamente diferente. É uma província mesmo. É assim, é muito legal porque hoje eu moro aqui em São Paulo, mas sempre que eu vou para lá, eu tenho parentes, a minha família está lá, então eu tenho ainda muitas coisas, minhas raízes todas. Então eu vou muito para lá. E apesar de estar muito próximo da capital, tem um ritmo completamente diferente, as pessoas se comportam diferente. É impressionante como eu percebo essa diferença quando eu estou lá. A gente tem essa coisa, essa vida agitada, dessa correria, lá não (risos).
P/1 – Ainda hoje é tranquilo?
R – As pessoas visitam, vão à casa das pessoas, têm bairro, tem rua. As pessoas ficam nas calçadas, as pessoas conversam com os vizinhos. Isso faz muita diferença. Aliás essa foi a grande diferença quando eu vim para cá (risos).
P/1 – E assim, quando vocês eram crianças vocês moravam no centro de Mogi ou mais afastados?
R – Não, eu sempre morei na cidade por conta dessa atividade do meu pai. Então eu nunca tive muito contato não. Na verdade eu invejava os amigos que vinham do sítio estudar na cidade. Mas na minha família não. Eu já nasci na cidade.
P/1 – E seu pai quando veio do Japão ele veio criança ou ele já era...
R – Ele veio muito criança. Na verdade ele nasceu lá e já veio para cá. Então os meus avós vieram para cá, por conta de propriedades e trabalho. Eles vieram para cá para trabalhar na cultura do algodão no interior de São Paulo. E ele veio praticamente recém-nascido, assim. Ele veio bebê para cá.

P/1 – E a sua casa era uma casa que tinha muita gente, transitavam bastante pessoas ou era uma coisa mais tranquila?
R – Não, sempre muita gente, apesar da família pequena. Na verdade era eu e meu irmão mais velho, nós temos uma pequena diferença. Meu irmão mais novo é temporão, são onze anos de diferença. Então isso fez muita diferença no relacionamento com os amigos, com os vizinhos e tudo mais, ele sempre foi mais distante. Hoje não. Hoje a gente é muito próximo. Mas ele sempre foi mais distante porque eu tinha um irmão que na verdade era assim, era um ano de diferença. Então a gente era muito amigo e a gente tinha uma coisa na minha casa de sempre ter muita gente, sempre as pessoas circulando, os amigos indo lá em casa. Então isso era essa rotina de circular, de visitar as pessoas, de estar com as pessoas.
P/1 – E você mudou para São Paulo quando?
R – Eu vim para cá 1995, 1996, eu já estava na SOS. Eu morava lá, viajava todos os dias para cá. E então eu continuei lá.
P/1 – E assim, quando você morava lá você fez faculdade onde?
R – Eu fiz faculdade lá em Mogi, depois eu vim para São Paulo. Depois eu fui fazer uma pesquisa lá no Vale do Paraíba. E aí depois é que eu fui fazer a especialização e o mestrado em Campinas. Então na verdade eu só fiz o primeiro curso em Mogi, depois disso eu circulei. Mas eu nunca mudei da minha cidade. Eu só mudei em 1995 quando eu já estava trabalhando aqui. Aí de fato ficou cansativo viajar todo dia, pegar todo o trânsito, as marginais. Então aí é que ficou difícil, eu decidi: “Não, já é hora e vou.” E vim para cá. Mas até então...
P/1 – E você fez graduação em quê?
R – Eu fiz Artes, depois eu fiz Antropologia. Fiz uma especialização em Sistema de Informação, em Ciência da Informação. E o mestrado nessa área também.
P/1 – E assim, de Artes que foi sua primeira faculdade para Sistema de Informação, como foi isso? Essa trajetória?
R – Na verdade isso foi depois que eu já estava atuando na área Ambiental. Quando eu fiz Artes eu já tinha um interesse na Arte Popular, tanto que depois eu fui fazer Antropologia por conta disso. E o meu contato com a área Ambiental foi quando eu estava fazendo a pesquisa já na Antropologia. Então eu estava fazendo um estudo sobre as tradições populares no Vale do Paraíba. Fiz um levantamento em uma série de municípios. Depois eu fui, por conta disso, eu fui prestar um serviço para a prefeitura municipal de Jacareí, onde eu fiquei um tempo desenvolvendo um trabalho para eles. Mas aí decidi trabalhar, fazer esse levantamento relacionado à Arte com as tradições populares. E aí o que era isso? Isso era todo um trabalho das comunidades periféricas. E quando você trabalha nas periferias das cidades você vê como é a situação ambiental desses trechos, principalmente com relação a saneamento, à saúde pública. E foi aí que eu tive esse contato. Mas antes disso, quando eu estudava ainda, antes de entrar na faculdade eu já fazia parte de um grupo ecológico em Mogi. Nós fundamos o Grupo MMEL, que é o Movimento Mogiano Ecológico Livre. E a gente fez uma série de trabalhos ali, de proteção da Serra do Itapeti. Que é, na verdade... Mogi fica em um vale. De um lado a Serra do Itapeti, do outro a Serra do Mar. Então nós fizemos um trabalho grande de proteção dessas áreas. Até que depois no futuro foi criado um Centro de Estudos, o Cemase, que vem desenvolvendo um trabalho no Parque Municipal da Serra do Itapeti. Mas então nessa época eu já tinha esse contato e tal. Mas aí fui fazer a faculdade. Eu tinha muito interesse na arte popular, queria estudar isso. Só que aí fatalmente eu caí de novo na área ambiental. E eu comecei a fazer esse trabalho e por conta disso eu acabei entrando. Então quer dizer, a minha formação está relacionada a isso, porque depois disso eu fui fazer, já na SOS, eu fui fazer uma especialização na área de Informação, porque eu vinha trabalhando com pesquisa, com banco de dados. Então eu decidi fazer uma especialização nessa área. E aí fiz o mestrado também, com banco de dados relacionado à Mata Atlântica. Eu terminei o curso em 1988? Isso, o mestrado. Eu estou com problema em relação a essas datas aí. Vocês ficam falando de datas. Espera aí. Em 1988, 1989 mais ou menos (risos).
P/1 – Quando foi que você montou, que você participou desse grupo em Mogi, você lembra a época?
R – Olha, foi em, ah, nossa. Foi perto de 1980. Ahn, não, foi mais. Foi em 1980 e... Não, já tinha esse grupo de amigos e tal. A gente viajava muito, fazia mil coisas. Mas o grupo mesmo foi criado em 1985, 1986, eu acho. Mais ou menos. Não vou lembrar.
P/1 – Quando esse grupo foi criado já tinha a Mogi-Bertioga?
R – Já tinha. Acho que recém inaugurada, talvez.
P/1 – E causou um impacto?
R – Não, porque assim, a gente tinha muitas coisas. Não, foi um impacto muito grande. Primeiro o lado positivo porque antes a gente viajava horas para ver o mar. Aí de repente em quarenta minutos você descia, uma paisagem maravilhosa ali da Serra do Mar, que é um dos trechos mais bonitos. E aí você já estava ali em baixo, então isso fez muita diferença. Em termos dessa praticidade sim, mas com relação aos impactos a gente viu muita coisa, muito desmatamento, muita alteração depois disso, depois da abertura dessa estrada. A gente não tinha muito foco nisso. A gente começou a trabalhar em proteção, em favor da proteção da Serra do Itapeti. Na época se discutia a Lei de Proteção aos Mananciais, então a gente também acompanhava isso, desenvolvia uma série de atividades. Aliás eu conheci o Fábio Feldmann, o Clayton Lino em uma das semanas do meio ambiente que nós desenvolvemos no município, no teatro municipal, que eles foram convidados para dar uma palestra. Então foi por aí inclusive que eu tive o primeiro contato com esse grupo que criou a SOS e tudo mais.
P/1 – E essas pessoas eram pessoas da OIKOS?
R – Eram, é na época sim. Eu cheguei a participar de algumas. Olha, tem várias coincidências aí. Porque eu fiz um cursinho aqui em São Paulo em um ano, antes de entrar na faculdade. E aí eu conheci o Sérgio Dialetachi que hoje trabalha no Greenpeace. E nessa época ele já me falava também disso e eu falava do meu grupo e ele, atividades dele. E ele fazia parte da APPN, que é Associação Paulista de Proteção à Natureza, da qual ele fazia parte e tinha um grupo. Inclusive o Fábio participava, a Cacilda Lanuza, o Valdemar Paiol era o presidente. Então nessa época eu já participei de algumas reuniões, eu vinha. Aquela coisa vem de Mogi, despenca na capital, participa, discute várias questões e tal. Então nessa época eu já tive contato com algumas dessas pessoas. Mas foi depois das atividades que foram desenvolvidas pelo grupo lá em Mogi que eu tive mais contato mesmo. Nessa época eu estava fazendo Antropologia aqui na USP, eu conheci o Clayton, ele foi dar uma palestra, falar sobre as cavernas. Na época ele já tinha lançado um livro sobre o tema. Então ele foi lá falar sobre o tema e tal. E aí eu tive um contato com ele, ele já estava escrevendo um livro. Eu falei de uma pesquisa que eu estava desenvolvendo. Ele falou: “Ah, poxa, eu estava precisando de uma ajuda, tal. Pesquisar algumas coisas para o meu livro.” Eu falei: “Ah, não, eu te ajudo.” Aquela coisa. E aí eu trabalhei no livro que ele publicou sobre as cavernas, O Brasil Subterrâneo. E por conta disso é que também eu conheci todo esse pessoal que criou a SOS. Então já tinha algumas reuniões, a gente já participava. Aí tinha a Associação em Defesa da Juréia, a OIKOS, então tinha um grupo grande aí que já se reunia aqui.
P/2 – E só um aspecto com relação à sua família, que eu queria perguntar.
R – Hum.
P/2 – Seu pai veio do Japão, sua mãe também é descendente, né? Existem tradições japonesas que vocês ainda cultivam na família?
R – Sim. Meus avós já são falecidos, mas eles eram budistas, então toda cultura oriental foi transmitida. Eu estudei em escola japonesa durante anos. Até hoje a gente mantém isso. E isso é muito forte na minha família, a gente ainda mantém. E esse lado, principalmente esse lado religioso é muito grande. Na verdade tem toda essa cultura budista, a filosofia budista. Eu estudei em colégio de freiras, fui batizada, fui crismada, enfim. Depois disso eu circulei por várias outras, conheci tudo que eu tinha que conhecer (risos). Então quanto a isso, e eu me interesso muito pela cultura oriental. Então eu entendo, falo um pouco, escrevo, leio algumas coisas, minha mãe também, ela estudou muito. Hoje ela faz, gosta de fazer tradução. Gosta, mas são coisas assim mais caseiras mesmo.
P/2 – Então voltando agora. Eu fiquei curioso sobre isso. Mais sobre a questão do movimento ambientalista você já citou alguns: APPN, OIKOS. Isso tudo do início da década de oitenta, ainda meados da década de oitenta, né?
R – Isso.
P/2 – Como que o tema meio ambiente era tratado nesse período? Pela mídia, pelas pessoas, qual era o enfoque dado?
R – Na verdade assim, primeiro que não existia espaço para o tema, na época. Esse trabalho que foi feito no Jornal da Tarde na verdade assim, tinha alguns jornalistas que escreviam sobre alguns temas. Mas até então era muito voltado à conservação da natureza, não de uma forma mais global. Então assim, todos os temas sempre existiram, mas não com o espaço que foi dado a partir da Eco-92 e tudo mais. Eu acho que aí foi o marco mesmo a Eco-92, esse acontecimento no Brasil. Mas até então existia, existia pouco espaço, mas existia alguns veículos que tratavam do tema. Por exemplo, o movimento da Juréia, toda a campanha que foi feita. O Jornal da Tarde, na época é que desenvolvia trabalhos grandes, matérias de página inteira falando sobre algumas áreas, sobre algumas regiões. Eles tinham algumas matérias especiais que publicavam por semanas, por meses, então isso era muito legal. Mas era muito diferente do que se discute hoje, desse interesse cada vez mais forte e até porque na verdade a mídia ajudou a popularizar mesmo. Até então tudo era tratado ou com relação aos parques, algumas áreas, mas não existia essa relação da conservação. Essa questão da sustentabilidade então nem se falava. Com relação a espaço na mídia mesmo, foi por conta da Eco-92.
P/2 – Nesse panorama a população no geral, o nível de conhecimento sobre meio ambiente também era muito reduzido? É isso?
R – Sim, era muito pequeno o conhecimento que circulava. O que existia na verdade até então: a SOS foi um marco nesse movimento ambientalista no Brasil. Por quê? Porque até a criação da SOS existiam várias ONGs, só que todas elas atuavam com militância, era uma outra forma de atuação. A SOS foi uma das primeiras que passou a atuar no desenvolvimento de projetos e atividades, a profissionalizar pessoas. Até então eram grupos de amigos, eram grupo de jovens ou um grupo de pessoas que faziam parte de uma entidade e desenvolviam as atividades. Mas essa forma de atuação por meio de contratação de profissionais para desenvolvimento de projetos e tudo mais, foi um modelo que a SOS foi uma das primeiras. Então a criação da SOS também foi um outro marco na atuação de um movimento ambientalista brasileiro. Já existia isso. Algumas entidades internacionais já trabalhavam dessa forma, mas aqui no Brasil ela foi uma das primeiras. Então mesmo o Movimento de Proteção e Defesa da Juréia, ou a OIKOS, ou a APPN ou outras, mesmo o grupo lá em Mogi, a gente fazia reuniões, todo mundo colaborava. A gente pagava para desenvolver as atividades. Quer dizer, então isso era um jeito de atuar que hoje já não existe mais, ou se existe são entidades ou recém-criadas, ou entidades muito locais, com atuação muito local.
P/1 – Você entrou na SOS em 1990?
R – Eu entrei em 1990. Mas eu estava contando essa história do Clayton, do trabalho, então aí ele me convidou, convidou o grupo lá de Mogi para, na época da criação da SOS. Eu sou sócia fundadora da SOS, participei e tal. Na época tinha um diretor que estava fazendo um levantamento e precisava desenvolver uma pesquisa e aí ele perguntou: “Ah, você não quer ajudar e tal?” Porque já tinha terminado o livro dele, estava desenvolvendo um outro trabalho, mas assim: “Ah, você não quer ajudar?” Então em 1989 eu fui voluntária da SOS, ajudei em um seminário de banco de dados que aconteceu, que a SOS promoveu em 1989, na época era o Eduardo Brondizio que coordenava. Então: “Ah, tal. A gente está organizando o seminário. Você não quer ajudar?” Fui voluntária na organização desse seminário e depois nesse levantamento sobre biodiversidade, identificando espécies, estudos que tinham sido feitos e tal. E depois que eu terminei esse trabalho o Clayton precisava de uma pessoa, ele estava contratando uma assistente de projetos. E foi aí que ele fez o convite, se eu não queria trabalhar na SOS, então eu comecei em 1990 a trabalhar na SOS. Até então era voluntária, desenvolvia outros trabalhos e tudo mais. Aí eu fui trabalhar na SOS, nessa diretoria, era a Diretoria de Ciências e Ecossistemas e eu fazíamos todo o acompanhamento dos projetos que estavam sob supervisão dessa Diretoria. Nessa época tinha três diretores, era o João Paulo Capobianco, o João Carlos Meirelles e ele. Na época, o Rodrigo era o presidente. Então nessa época que eu entrei na SOS.
P/2 – E quais eram os projetos que você estava vinculada nesse início?
R – Na época? Eu não sei se eu vou lembrar. Já existia o seminário, já existia o Atlas nessa época, que estava sob essa Diretoria. Todos esses projetos na área de informação. Então o mapeamento, monitoramento da Mata Atlântica, workshop Mata Atlântica, que é a primeira reunião que foi feita sobre o tema, que inclusive reuniu 42 especialistas e contribuiu para definir o conceito de Mata Atlântica. Porque quando a SOS foi criada não se sabia o que era Mata Atlântica, onde se localizava. Então a contribuição da SOS foi nesse sentido, a definir o conceito, a abrangência. E também por conta do trabalho do Atlas a fazer esse monitoramento. Então esses projetos na área de Informação. O workshop Mata Atlântica, o Atlas da Mata Atlântica, estavam nessa área. Alguns projetos ligados à Unidade de Conservação. Então tinha uma série de projetos lá na região do Lagamar. Na verdade toda a ação da SOS no início foi na região do Lagamar, na região do Vale do Ribeira, aqui litoral sul de São Paulo, no leste do Paraná. Então tinha vários projetos ali no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, na Estação Tupinambás, na APA, na Ilha dos Superagui, Parque Nacional dos Superagui. E aí todos esses projetos ligados às áreas protegidas, a parte de informação e tudo mais, estavam nessa área de Ciências e Ecossistemas. Então eu ajudava na coordenação, na verdade eu ajudava no acompanhamento desses projetos. Ele tinha coordenadores na época e eu já auxiliava no acompanhamento desses projetos, em uma coisa ou outra. Então na verdade eu entrei trabalhando nessa área.
P/2 – Bom, e isso foi no início da década de noventa?
R – Isso foi no início da década de noventa.
P/2 – E como você mesmo disse agora a pouco, a Eco-92 ela foi uma divisora de águas dentro do movimento ambientalista brasileiro e até mundial, né?
R – Hum, hum.
P/2 – Fala um pouquinho disso para a gente. Por que ela foi tão importante?
R – Bom, para a SOS e para o mundo, eu acho (risos). Porque, o que aconteceu nesse movimento todo para a participação das ONGs na Eco-92? O escritório do Fórum Brasileiro, Fórum Brasileiro dos Movimentos... Ai, eu não vou lembrar. Fórum das ONGs, Fórum Brasileiro das Entidades e Movimentos Social. Algo assim. Não vou lembrar. É que mudou tanto de nome... Por que a gente fala Fórum das ONGs. Na verdade a SOS secretariou esse Fórum, então toda a fase preparatória para a participação das entidades brasileiras na Eco-92 passou pela SOS. A SOS fazia a Secretaria Geral, a Secretaria Executiva da participação do Fórum das ONGs na Eco-92. Então nós acompanhamos todas as discussões, todo o trabalho de preparação. E o que foi legal é que não reunia somente as entidades ambientalistas, reunia também os movimentos sociais, minorias. Então na época congregou acho que 1300 entidades brasileiras que tiveram um espaço que foi significativo na Eco-92. Lá no Aterro do Flamengo teve uma série de exposições e tal. Quando eu falo que foi um marco, é porque para a SOS também foi bem legal essa participação dela na Eco-92, ela teve um espaço na conferência oficial. O Capô, na época, era o superintendente, então ele participou das discussões, ele foi representante. E ele, na verdade, que levava toda a pauta das ONGs e tudo mais do movimento brasileiro. E aí foi quando também nasceu a Rede de ONGs da Mata Atlântica, que a SOS secretariou. Então quando eu falo assim: foi marco, primeiro porque nunca se deu tanto espaço na mídia. Pela primeira vez reuniu entidades ambientalistas, com entidades de classe, com movimentos sociais, com o movimento de mulheres e de adolescentes e de crianças, de associações ligadas à saúde, e tudo o mais. Então isso foi muito legal. Toda a fase preparatória e pós também, foi muito legal por conta disso. Porque aí sim era um foro que se discutia todos os temas que estava em pauta na Eco-92. Então isso foi bem interessante. Nunca se deu tanto espaço na mídia, nunca se tratou da questão da sustentabilidade, da relação, por exemplo, das comunidades tradicionais, das comunidades humanas associada à conservação. Porque até então existia assim: a conservação à natureza em um conceito mais stricto sensu. Está lá um parque, ou está lá uma área, protege e acabou. Agora não, agora se discute uma forma, se discute envolvendo a participação dessas pessoas que vivem no entorno. E toda a gestão antes era assim: “Ah, não. Aqui quem administra é quem cuida.” Agora não, todo o conceito é em uma forma participativa, uma gestão participativa. Então tudo isso vem mudando o que vem contribuindo em termos de conservação, em termos de proteção.
P/1 – E você acha que essa mudança que houve de colocar várias entidades, várias ONGs que não só estivessem ligadas ao meio ambiente, foi uma coisa estratégica? Foi um novo olhar para a questão?
R – Sem dúvida foi. Na verdade o movimento no país ele precisava. Existiam as ONGs. Então como se daria a participação das ONGs na Eco-92? Quando o planeta ia parar para discutir temas que eram de interesse geral, de interesse planetário. Eu não sei como se deu isso exatamente, isso eu não sei informar. Mas o que eu sei é que essa discussão plural foi muito importante. Foi muito importante para o país, muito importante para o movimento e muito importante para os demais movimentos. Então quer dizer, foi muito rico. Todas as discussões eram bem interessantes porque cada um trazia o seu olhar sobre aquela questão. Então antes os ambientalistas discutiam um tema porque eles só tinham uma visão ambiental daquele problema ou daquele tema, mas depois, obrigatoriamente eles tiveram que discutir aquilo com outras pessoas que tinham um outro olhar sobre aquela questão. Então isso foi bem interessante. Foi um período muito rico que vários conceitos foram discutidos, várias publicações que saíram, artigos de especialistas. Então um material riquíssimo, que está aí e que vem gerando outras discussões. Mas foi bem interessante. E todo mundo aprendeu muito, com certeza. Todo mundo que participou. Foi essa troca de experiência, essa troca de conhecimento foi muito interessante. Acho que todo mundo cresceu com isso. A SOS principalmente. Para ela foi muito importante essa participação. E aí na Eco-92, por iniciativa da SOS, foi criada a Rede de ONGs da Mata Atlântica. E aí a também sediou depois de passado o fórum, ela foi a primeira ONG sede dessa rede. Então a gente deu continuidade a essa coordenação de entidades, mas com um tema que era foco da atuação dela, que era de interesse dela. Então a rede está aí e tal.
P/2 – Márcia, ainda sobre a Eco-92. Agora, há dois anos atrás, aconteceu a Rio+10, que eles analisaram o que tinha acontecido efetivamente nesses dez anos, da Eco-92 para cá. E as coisas não estavam muito bem.
R – E eles chegaram, é...
P/2 – Assim, o Protocolo de Kyoto não tinha sido ratificado porque não tinha conseguido um número x de países. Agora parece que a Rússia assinando a coisa vai mudar. Mas ainda não entrou em, ainda não está efetiva esta questão.
R – Hum, hum.
P/2 – Analisando por esse viés, em sua opinião, a Eco-92, além de toda essa questão de visibilidade do tema, isso é indiscutível.
R – Hum, hum.
P/2 – Mas efeitos práticos, resultados práticos: você acha que ela trouxe algum para o meio ambiente?
R – Resultados práticos?
P/2 – Ela mudou alguma coisa não só nessa, nesse lado mais...
R – Concretamente?
P/2 – Isso. Concretamente você acha que ela...
R – Concretamente eu acho que ela trouxe uma nova forma de gestão, uma nova forma de gestão de atuação. Mas se você perguntar: bom, e se a gente for contabilizar os resultados, se for pegar, não, isso eu não sei te dizer. Eu acredito que pouco. Muito porque você vêm acompanhando... Uma série de problemas, ainda continua. Várias questões estão até em situação pior do que estavam antes e tudo mais. Aí tem uma série de fatores envolvidos, mas enfim. Eu acho que o concreto foi uma nova política para conservação ambiental. Socioambiental talvez, eu diria, uma nova política sócio-ambiental, de gestão sócio-ambiental. Mas em termos concretos, não. Eu concordo com você. Nessa avaliação na Rio+10 ficou muito claro: “Bom, e daí? Melhorou? Mudou? Ou piorou?” Não, isso de fato não aconteceu, não ocorreu. Agora, é um resultado de vários momentos. Isso é difícil, é complicado porque também exige esforços, articulação política, mobilização, participação de todos os setores, de todos os atores. Então é um processo árduo. Só que a questão ambiental vai se agravando em um ritmo muito acelerado e o tempo que é necessário para fazer as coisas acontecerem é muito lento. Então por isso que acaba não acontecendo, isso que você está perguntando. Daí um resultado concreto, visível, não, isso não tem, pelo contrário. A situação está cada vez pior. Isso que a gente vem observando. Apesar de todas as contribuições, apesar do amadurecimento das ONGs, os problemas continuam. A cada minuto, então...
P/2 – E se você pudesse elencar quais são os principais no macro, falando do meio ambiente como um todo.
R – Hum, hum.
P/2 – Não só especificamente da Mata Atlântica. Mas analisando, se você pudesse elencar quais são os grandes problemas, hoje, relacionados à preservação do meio ambiente. Quais seriam?
R – Não vou falar por ordem de prioridade.
P/2 – Não.
R – Primeiro: conservação da proteção da biodiversidade do planeta. Acho que isso é o que está acontecendo, a perda da biodiversidade cada vez mais. E isso é uma coisa irreversível. Eu sinceramente não acredito. É claro que eu luto em favor da proteção e tudo mais. Mas por conta desse ritmo cada vez mais acelerado de destruição, de degradação que a gente vem observando, é uma perda grande em termos de biodiversidade. Segundo ponto em relação à água. À forma como ocorre a gestão da água doce no planeta e o que a degradação, a perda das florestas vem comprometendo a produção e a proteção dos mananciais e dos recursos hídricos. Clima, claro, que aí é uma questão planetária (risos). Ahn, as florestas, claro. A proteção cada vez mais dos remanescentes florestais, das áreas que de fato mantêm os remanescentes florestais.
P/2 – E um assunto que estava e agora deu uma apagadinha, mas até a pouquíssimo tempo estava em voga era a questão dos transgênicos, por causa daquela lei, com relação àquela Lei de biossegurança. “Aprova, não aprova. Como é, como vai deixar de ser”. Você acha que isso é um ponto a se preocupar dentro do...
R – Dos transgênicos?
P/2 – Ou não?
R – A minha opinião com relação a isto, é a falta de conhecimentos sobre a questão. O que na verdade a pessoa fala: “Ah, eu sou contra, eu sou a favor.” Eu acho que nós não sabemos que tipo de impacto isso vai causar tanto com relação à saúde das pessoas, quanto ao equilíbrio ambiental. Então eu acho que isso é o foco da questão, a falta de conhecimento, a falta de tudo. Antes das pessoas dizerem se são contra, se são a favor. Então eu acho que o problema reside aí, da falta de conhecimento, da falta de entendimento. E que pode ser que isso, eu acho que é fatal. Ninguém vai voltar atrás com isso. Mas eu acho que ainda persiste a necessidade de pesquisas, de pesquisas básicas. Aliás, isso é uma coisa que eu acho que é geral, assim. O pouco investimento para pesquisa básica é o que vem comprometendo várias frentes. Por exemplo, hoje vários estudos estão sendo realizados e os pesquisadores descobrem, por exemplo, uma nova espécie de orquídea, ou uma nova espécie vegetal, ou uma nova espécie de ave, ou um mamífero. Poxa, nós estamos em 2004, no final de 2004. Dizer que nós ainda estamos descobrindo novas espécies com o nível de degradação e impacto que nós estamos causando sobre a natureza, é assim de se admirar. Então eu acho que esse investimento cada vez maior em pesquisa básica é necessário, é importante. Porque isso é o que contribui, em termos de conservação. E que serve de bom argumento para que a gente possa proteger uma área, possa defender um remanescente ou um fragmento e tudo mais.
P/2 – E agora, fechando o funil na questão da degradação, tá?
R – Hum.
P/2 – Você elencou vários pontos com relação ao meio ambiente como um todo. E com relação especificamente à Mata Atlântica? Esses temas que você tinha levantado como água, desmatamento, se aplicam à Mata Atlântica, só esses temas? Ou existem problemas específicos que acontecem com ela?
R – Problemas da Mata Atlântica. Sim, em termos de conservação de biodiversidade, porque ela está em uma área com alta densidade humana. Então falar de conservação de biodiversidade em uma área com uma pressão antrópica absurda é complicado. Conservação em termos de biodiversidade, sim. A proteção dos remanescentes florestais. A questão da água. A gente vê a falta, o descumprimento das leis que existem. Por exemplo, a mata ciliar, que em vários trechos de vários rios que abastecem as metrópoles que estão em processo de assoreamento, por falta da mata ciliar. E agora aqui na Mata Atlântica tem problemas mais sérios, porque também estamos falando dos ecossistemas associados. Então aí nós estamos falando da costa, nós estamos falando dos manguezais, nós estamos falando da restinga. E nós estamos falando de grandes centros urbanos. Então quer dizer, nós estamos na Mata Atlântica, então quando a gente fala dessa questão de poluição do ar, a gente está falando da Mata Atlântica. Então o meio ambiente urbano se mistura com as questões que se relacionam com a Mata Atlântica. Então os problemas são muito maiores por conta disso.
P/2 – E com relação à Mata Atlântica eu vou falar três pontos, eu queria que você desse a sua opinião sobre eles, por que eles foram levantados já em diversos depoimentos como pontos bastante críticos com relação à conservação da área. Primeiro seria a questão da especulação imobiliária, que ele foi levantado por diversas pessoas como sendo um grave problema.
R – Hum, hum.
P/2 – O que você acha sobre isso?
R – Eu acho que existe um descumprimento das leis e há uma falta de conhecimento também. Menos falta de conhecimento, mais descumprimento mesmo. Então quando eu falo da restinga, por exemplo, a gente está falando exatamente sobre isso. Quer dizer, existe em todo o litoral brasileiro um impacto muito grande em relação aos grandes ou pequenos empreendimentos. Ou ocupação desordenada de áreas que são, na verdade, representativas em termos de conservação. É um problema muito grave, é um problema muito sério que a gente vem atuando já há muitos anos, todo esse trabalho que a gente vem fazendo no litoral norte de São Paulo. O que aconteceu no litoral? Eu vou dar um exemplo aqui no litoral norte de São Paulo. A partir da década de setenta quando abriram a Rio-Santos, o que aconteceu? Começou todo esse impacto, a ocupação por conta da rodovia. Hoje, o que a gente vê e o que a gente imagina, como ficará daqui a algum tempo, é o caos. Agora isso tudo eu não chamaria de questão da especulação imobiliária em si. Por quê? Porque não é só a especulação imobiliária, são os vários problemas que isso traz e nessas regiões. Então por exemplo, o fato da ocupação, a questão do impacto dessa população sobre o rio, sobre a floresta, a questão de saneamento básico. Então assim, não é só especulação imobiliária em si, porque simplesmente o desenvolvimento não vai trazer... Os problemas são os problemas que acarretam por conta desse impacto que isso gera.
P/2 – Segundo ponto: seria com relação aos palmiteiros. Diz-se muito com relação à depredação que isso causa, que existe um número muito grande de palmiteiros na região da Mata Atlântica, porqe hoje esse número está reduzidíssimo e cada vez menor. E que na verdade ele não é só extraído pelos locais, pelas comunidades locais. Mas que também existem brechas de grandes empresas que se utilizam disso para poder depredarem a área. Nesse ponto, o que você tem a falar?
R – O palmito é um problema sério, porque o que nós estamos tentando é chegar a uma forma sustentável de exploração desse recurso. O que acontece? Acontece que o palmito é uma espécie que demora mais ou menos dez a doze anos. Então todo o trabalho, todo nosso plano de sustentabilidade por meio do manejo da espécie é bastante complicado por conta disso. Porque por exemplo, você é um proprietário de área então eu vou te incentivar a fazer o manejo sustentável dessa área. Mas e daí? No período em que o palmito se desenvolve você vai fazer o quê? Então tem toda uma questão aí que a gente ainda continua buscando um meio, a SOS vem atuando bastante nisso. Nós temos lá o Centro Tuzino de Educação Ambiental e Difusão do Palmito para conseguir chegar em uma forma sustentável desse recurso. Então isso é uma coisa assim. É possível? É possível. Eu digo que é muito difícil. É um desafio absurdo. Mas eu acho que é possível e a gente vem lutando para isso. Agora, o que acontece hoje com relação à exploração predatória, não é de hoje. Isso aí já vem há anos, há décadas. E na verdade eu sinceramente eu não sei se, antes aquela coisa: “Ah, não adianta pegar o palmiteiro porque ele é um coitadinho que está ali, que não sei o quê”. Existe toda uma cadeia, uma rede. Na verdade ele é o cara que mora ali que explora e que passa para um outro que vai para uma empresa que faz o... Quer dizer, nós sabemos quem explora de forma legal ou de forma ilegal. Vários estudos já foram feitos, várias apreensões já foram feitas. Nós mesmos já participamos de várias dessas autuações. O que acontece é o que acontece também com o tráfico de animais silvestres. Quer dizer, ou a gente tem uma polícia, um judiciário atuando mesmo de forma efetiva, contra isso, combatendo, ou então a gente nunca vai resolver o problema. Porque isso vai continuar e dizer: “Ah, pegaram um carregamento”. As pessoas já não dão tanta importância para uma questão que é bastante grave. Então o que eu acho, primeiro uma atuação mais firme da polícia ambiental. Sempre aquela desculpa. “Ah, porque nós estamos sem gente, nós estamos sem veículo”. Então o que precisa acontecer? Uma fiscalização mais eficiente. E o que eu acredito não é só cobrar da polícia, ou cobrar do judiciário. O que eu acredito é em uma fiscalização de uma forma sustentável, em que as comunidades também participem dessa fiscalização. Porque aí o dia que começar mesmo a ter controle aí começar a pegar, as coisas vão parar. Enquanto vai: “ah, deixa porque é o coitadinho”. E as pessoas continuam comprando palmito na beira da estrada isso não vai acabar nunca. E o que precisa é isso. “Ah, ele está vendendo?” É chamar, é mandar prender, entendeu? Eu acho que isso é o que está faltando. Na época que foi aprovada a Lei de Crimes, teve até aquela história de um senhor que estava explorando uma espécie, ele foi preso. “Ai, coitadinho, ele foi preso e tal.” Coitadinho, não. Eu acho que é isso. E o papel das ONGs são isso, é primeiro contribuir com essa ação, com essa fiscalização sustentável e segundo é ajudar no esclarecimento, na informação, levar o conhecimento para as pessoas. Dizer: “Olha, isso é proibido.” Agora, é um processo muito lento, porque é uma questão eu acho que até cultural. A mesma história do lixo na rua. Você fala para as pessoas: “Não joguem o lixo na rua, não joguem o lixo na rua.” As pessoas continuam jogando, então é uma questão cultural mesmo. Aí você vê um presidente estampado na Folha de São Paulo, na primeira capa, que ele comeu um bombom de cupuaçu e ele disfarçou, como se ninguém tivesse olhando e jogou o papel no chão. Quer dizer, então tem aí uma questão que é de dizer assim: “Ah, mas aí precisa conscientizar as pessoas. Precisa...” Aí tem várias questões que são... Mas eu acredito em uma fiscalização sustentável, onde todos participem. Então se eu cheguei lá, eu tenho que saber, por exemplo, quais marcas são ilegais, quais marcas têm registro. Isso tem que ser público, porque aí eu vou com a lista, eu chego no supermercado eu vejo aquilo ali eu não vou comprar aquele produto. Então quer dizer, é engraçado, se é ilegal, se eles conseguirem vazar a conserva de palmito e colocar na prateleira de um supermercado, de um hipermercado ou de uma rede, é muito estranho que todos esses meios, essas licenças são permitidas. Então a questão é muito mais complexa e muito mais ampla. Não é simplesmente o senhor que fica ali cortando palmito. Então envolve mesmo uma participação de vários atores nessa questão. Aí é isso que eu falo, se não tiver polícia, ONG, comunidade, todo mundo atuando junto não vai funcionar. Porque aí um fica cobrando do outro também. “Ah, você que tem que fiscalizar. Você...” E aí você sabe como é que está a situação desses órgãos públicos. E aí eu acho assim: tem que ter esse espírito de colaboração. Porque também só cobrar não vai resolver. Então ou a gente decide que aquilo é importante, “nós vamos participar para fazer a coisa mudar” ou então não vai mudar nunca. Eu estou falando isso porque a SOS inclusive lançou um programa de fiscalização sustentável, mais ou menos nessa linha, contra crimes na Mata Atlântica. Eu tenho discutido bastante com a Polícia Federal, com o Ministério Público Federal, Estadual, com a Polícia Ambiental, a Polícia Civil. Quer dizer, eles têm todo o interesse, mas eles precisam ser capacitados, a corporação precisa ser capacitada, eles precisam ser envolvidos. Então enquanto não tiver essa participação de todos a coisa não vai mudar.
P/2 – Na verdade o terceiro ponto que eu queria levantar você já deu uma boa introdução, que era com relação às Leis Ambientais. Porque é muito comum a gente ouvir não só de quem está ligado, especialistas, de quem conhece a fundo. Mas também a opinião pública em geral é de que as leis ambientais brasileiras são muito boas, são muito bem redigidas, abrangem diversos aspectos. Mas e quanto à efetiva aplicação dessas leis? Ela acontece? Se ela não acontece, por que ela não acontece? Assim, em sua opinião. Como você...
R – É, são as melhores do mundo. Todo mundo, os grandes especialistas comentam isso. As leis são muito boas, são bem elaboradas, são muito rígidas, mas é exatamente isso: falta o cumprimento dessas leis, ou seja, falta a aplicação dessas leis. Então eu estava falando um pouco com relação à capacitação das pessoas. Se a gente não capacitar o técnico de um órgão, por exemplo, um técnico que vai autuar ou que vai acompanhar um determinado caso, se ele não souber, ele não vai saber aplicar aquela lei. Então quer dizer, eu acho que falta esse conhecimento, essa capacitação das pessoas do que existe de leis, do que existe dessa legislação ambiental e de traduzir isso para o dia-a-dia das pessoas, para o dia-a-dia das empresas que vão desenvolver algum novo empreendimento e tudo mais. Então quer dizer a questão está na aplicação e no monitoramento dessas leis. Então as leis existem e estão aí, mas todo mundo descumpre a lei. É aquela coisa assim: “Ah, pago uma multa tudo bem.” “Ah, deixa, se eu for pego eu resolvo de outro jeito.” Então essa falta de interesse em contribuir para a conservação que é o mais grave, as pessoas não estão nem aí mesmo. Você pode ver vários casos, outro dia nós promovemos um seminário de ações ao combate contra tráfico de animais silvestres, na união que a gente tem com a RENCTAS e aí o procurador federal estava falando assim: “Ah, é a noite nós saímos e tal.” A gente estava falando assim: “Ah, onde você mora?” “Eu moro em São José dos Campos.” Ele está em São José dos Campos. E ele é o coordenador de fauna e é uma ação voluntária dentro da Procuradoria. Ele estava contando o trabalho que ele vem fazendo. E como ele está ali na região do Vale do Paraíba e litoral norte, ele vem acompanhando alguns casos na região. Então eu falei: “Ah, que legal, moro ali perto. Monteiro Lobato, São Francisco.” Ele falou assim: “São Francisco Xavier a cidade inteira está em uma APP.” Ou seja, a cidade inteira de São Francisco Xavier está em uma área que não devia ser ocupada, jamais ser ocupada. É isso que eu estou dizendo, então no fim todo mundo, o poder público, as pessoas, os empreendedores acabam infringindo essa lei. Então quer dizer, esse desrespeito é que é o mais grave. Então a legislação é boa? A legislação é excelente, é exemplar e é o que vem contribuindo para que a gente consiga frear vários futuros empreendimentos, futuros danos. Mas muitos deles a gente sempre chega atrasado. Quando a gente chega há uma área enorme que já foi desmatada. Várias espécies já foram capturadas. Em uma tentativa de tráfico elas morreram. Então quer dizer, a gente sempre contabiliza o dano. Quando sai no jornal, sai porque desmataram uma área ou cortaram uma madeira de forma ilegal e tal. Quer dizer, a lei está aí, existe a autuação, mas poxa.
P/2 – Inclusive, o tráfico de animais é a terceira atividade ilegal mais rentável. Só atrás do tráfico de armas e de drogas, né?
R – Exatamente, exatamente. Então quer dizer é...
P/2 – Então assim, é bastante discrepante isso tudo.
P/1 – Márcia, você sabe o que é que eu queria te perguntar: de quando você começou no movimento ambientalista para hoje, eu estou falando o movimento no todo. O que você vê como avanço e retrocesso?
R – Avanço e retrocesso?
P/1 - Se houve mais avanços do que...
R – No movimento?
P/1 - ...retrocessos? Como você vê isso?
R – Hum, difícil. Não, difícil não, é fácil. Avanço é certamente, apesar da gente achar que a gente não consegue levar a informação para todo mundo, eu acho que a informação atingir a comunicação de massa é um avanço. Acho isso. Mas aí o retrocesso é o fato das pessoas não se sensibilizarem (risos) e não participarem. Na verdade é assim: o movimento tem menos conquistas, na verdade a gente tem mais perdas, mais derrotas, mas no final eu acho que há um equilíbrio aí. Vários avanços, por exemplo, falando de Mata Atlântica, o fato das pessoas conhecerem. E aí? Onde está a Mata Atlântica? O que é Mata Atlântica? O fato da SOS contribuir nisso, é uma das maiores contribuições da entidade. Eu acho que esse conhecimento, fazer as pessoas se sensibilizarem, participarem e tal. Mas retrocesso, eu acho que não sei dizer o que seria um... A gente sempre discute isso, “o que falta fazer”? A gente sabe de todos os desafios, mas a gente sempre acaba lamentando aquilo que a gente poderia ter feito, mas dizer que foi um retrocesso eu não sei dizer. Acho que cada vez mais nós temos desafios diferentes. Em cada momento nós temos novos desafios. E o que a gente tem feito é ousar o tempo todo para que a gente consiga atingir os nossos objetivos fins. Então por isso que eu falo que eu não diria retrocesso, porque eu acho que sempre, eu sempre estou acreditando. Por exemplo, a história do projeto de Lei da Mata Atlântica que está há doze anos, aí foi aprovada na Câmara e foi para o Senado, todo mundo já estava cantando vitória, de repente parou de novo. Mas eu não acho isso um retrocesso. Por que? Porque a gente não para de lutar, nunca parou de lutar. Então por isso que é difícil falar de um retrocesso porque eu sempre acredito que a gente ainda vai resolver de alguma forma. Agora, o que tem acontecido em termos de perda, é absurdo. Perda em termos de floresta, perda em termos de biodiversidade, perda em termos de contaminação de rios, perda de áreas de restinga, a história das explorações predatórias e tudo mais. Então isso em determinado momento aumenta, ou determinado momento diminui. Mas isso é uma coisa que sempre aconteceu e sempre a gente vai continuar lutando para evitar. Então, não sei (risos).
P/2 – Márcia, qual é a sua função hoje, o seu cargo dentro da SOS?
R – Eu sou diretora técnica, sou diretora de projetos.
P/2 – E o que você faz? Qual é o seu dia-a-dia? Com o que você trabalha?
R – Eu, além de coordenar uma equipe que atua em alguns projetos, na verdade não são todos os projetos que eu coordeno, são alguns. Outros são coordenados por outras diretorias. Mas eu coordeno equipes e alguns projetos. E coordeno as parcerias que a SOS tem. Por exemplo, a SOS tem uma parceria com a RENCTAS, eu já citei, uma União Pela Fauna da Mata Atlântica, foi criada há dois anos. Então eu coordeno pela SOS essa parceria que a SOS tem com a RENCTAS e também, a Aliança Para a Conservação da Mata Atlântica, com a Conservação Internacional. Há cinco anos a SOS tem essa aliança, essa parceria, então na SOS eu coordeno as atividades da SOS na Aliança, mas é uma coordenação conjunta. E fora isso, executo, porque além dessa coordenação de equipes eu também coordeno alguns projetos, principalmente relacionado ao Atlas, eu coordeno o monitoramento da Mata Atlântica. O mapeamento, o monitoramento nessa parceria com o INPE, que vem desde 1989. E esses projetos na área de Informação, na área de Documentação e tudo mais. Banco de dados.
P/2 – O último Atlas que saiu foi em que ano?
R – Foi em 2000 e nós vamos lançar agora uma nova edição dentro das comemorações dos dezoito anos da SOS. Então nós estamos monitorando. Nosso plano é lançar. Nós fizemos um lançamento do Atlas dos Municípios no nosso portal e aí a partir de agora eu tenho uma série de incrementos aí, novidades para o ano que vem, no âmbito desse projeto, dessa parceria. E isso é um trabalho que vem desde 1989, mas eu passei a coordenar de 1995, 1996 para cá. Até então foram outras pessoas que coordenaram. Até então eu era coordenadora de projetos e coordenei alguns departamentos. Mas aí a partir de 1995, 1996 quando eu assumi a coordenação do Atlas aí eu passei a executar todos os projetos dessa área e tudo o mais. Até então eu só, além da coordenação do Atlas eu assumi a Diretoria Técnica, a Diretoria de Projetos, acho que 1998, 1999 que eu assumi.
P/2 – O Atlas é um importante instrumento não é nem de fiscalização, mas no acompanhamento, na evolução do que está acontecendo com a Mata Atlântica.
R – Hum, hum.
P/2 – Certo? Em sua opinião quais são as perspectivas a médio e longo prazo?
R – Com relação ao Atlas ou com relação à Mata Atlântica?
P/2 – Para a Mata Atlântica.
R – O que a gente vem observando é que desde o início do levantamento, é que o ritmo de desmatamento tem se mantido. Isso é ruim? É péssimo. Porque a gente se for pensar: “bom, a SOS com todo esse trabalho, quinze anos monitorando a Mata Atlântica e o ritmo de desmatamento se mantém, é terrível”. Agora, nós sabemos de alguns estados que a situação melhorou, outros que a situação piorou. Então depende muito da política regional, da política estadual, da política dos municípios. O que a gente vem observando é que aonde a gente vem atuando de forma mais efetiva, as coisas têm melhorado. Então é uma pena que a SOS não tenha tantas pernas para atuar. Porque a gente sabe que se a gente faz esse acompanhamento, esse relacionamento, quer dizer, a SOS tem um papel de articuladora, de mobilizadora, é um papel que ela faz e ela faz muito bem. Nós temos pessoas na equipe que vêm atuando em várias frentes, articulando tanto com ONGs, com o poder público, Ministério Público e tal e que vem atuando bem. Ou voluntários no caso do Belô, a Elci com as ONGs, o Mário também, e todo esse relacionamento institucional com os órgãos de meio ambiente. Então onde a gente tem uma proximidade a gente vem acompanhando melhor, a gente percebe que diminui. Mas é um problema muito sério, por quê? Primeiro porque a Mata Atlântica já está por demais fragmentada. E ela não tem mais onde ser reduzida. O ideal seria que parasse com todas as formas de alteração. Por quê? Porque o que sobrou é exatamente onde é impossível a exploração. Então o que sobrou? Sobrou a Serra do Mar. Por quê? Relevo acidentado. Ninguém conseguiu fazer nada ali na encosta, então claro que aquilo se manteve. Agora, e ela está por demais fragmentada. Por quê? Porque existe uma ocupação muito grande sobre áreas que anteriormente eram florestadas. Então esse trabalho que a SOS vem fazendo de recuperação incentivando, que outras instituições também atuam nessa linha de reconstituição com florestas nativas e tudo mais é extremamente importante. Porque apesar de ser uma floresta secundária ela tem um papel bastante importante em termos de conservação da biodiversidade. Mas o que a gente vem observando é que, por exemplo, as áreas menores, as áreas pequenas elas vão desaparecer, porque não tem como. A não ser que se crie rapidamente um programa para a recuperação, para a ligação de fragmentos, os corredores ligando um fragmento ao outro, protegendo os entornos das Unidades de Conservação e tudo mais, essas áreas vão desaparecer. A tendência é que elas desapareçam, então por isso que esse trabalho de recuperação é bastante importante. E o que a SOS e o INPE vêm fazendo no Atlas é não só a perda, mas também as áreas que estão sendo recuperadas, que estão sendo regeneradas, as florestas secundárias. Então isso tem um papel bastante significativo em termos de conservação. E aí o que a gente vem observando é isso. Agora, nós mudamos a nossa estratégia e isso fez com que a gente tivesse um novo fôlego. Por quê? Porque o Atlas mapeia dez estados da Bahia ao Rio Grande do Sul. Até o lançamento da edição de 2000 nós fizemos um trabalho em estado. Então o Paraná é campeão em desmatamento, Rio de Janeiro estado campeão de desmatamento, o estado que protege o estado que desmata. E aí é aquela confusão porque o campeão de desmatamento é o estado tal. E aí a partir de 2000 nós começamos a atuar de forma diferente. Nós estamos trabalhando com os municípios e também aproveitando as eleições municipais, decidimos lançar o Atlas dos municípios da Mata Atlântica, e desenvolver esse trabalho. Foi aí que a gente percebeu que a gente ganhou um novo fôlego. Por quê? Porque quando você fala com o município, você fala com um grupo menor, com uma atuação muito local. Então você dizer assim; “Ah, a área, a floresta que fica no município de Bauru”, e para quem mora lá e vive lá, saber daquela área é muito diferente. Então o fato de lançar, de fazer esse trabalho com os municípios e chamar tanto o poder público quanto as pessoas que vivem naquele local para acompanhar, para conhecer a Mata Atlântica do seu município. Primeiro saber que é o município estar na Mata Atlântica ou não, e segundo, participar. Então assim, “venha, veja a Mata Atlântica do seu município. Verifique se está correta. Se a sua área está lá” Então isso fez o quê? Fez com que as pessoas tivessem interesse em conhecer, interesse em aprender, interesse em acompanhar. Então eu diria que esse monitoramento deixa de ser só da SOS, do INPE e dos colaboradores, dos especialistas consultores e vários parceiros que nós temos em vários estados. Para ser um monitoramento em que as pessoas também participam. “Ah, vocês esqueceram de mapear uma área aqui.” “Ah, porque a área é muito pequena então eu acho que vocês não viram.” A gente olhou lá: “Ah, de fato faltou aqui, vamos incluir.” “Ah, aqui tem uma floresta que está assim.” “Ah, aconteceu um desmatamento aqui”. Então melhorar essa comunicação com os municípios. Então esse é o trabalho que a gente vai fazer a partir de agora, porque aí sim dá um novo fôlego, trás as pessoas para, envolve as pessoas no modelo participativo e você deixa de dizer, de ficar apontando coisas que as pessoas tem dificuldade de entender. Porque quando eu falo assim: “Ah, lá na Serra do Mar ali em Ubatuba, lá em Picinguaba.” Aí você vai dizer: “Ah, tá. Mas e aí?” Agora, para a pessoa que mora lá aquilo faz muita diferença. Então isso que eu acho que é esse novo fôlego. Mas dizer assim: “Ah, que melhorou.” Não. Melhorou a tecnologia de informação, melhoraram os recursos, mas infelizmente os desmatamentos continuam. Na verdade nós estamos lançando os novos dados agora, eu não sei como está. Porque assim, eu tenho alguns dados preliminares. Mas nós não sabemos ainda se melhorou ou piorou de 2000 para cá, isso nós vamos divulgar agora. Agora o que eu diria é que infelizmente o ritmo se mantém. Então para nós isso aí é na verdade assim, se dizer que o ritmo se mantém é muito negativo (risos). Então para nós...
P/2 – Infelizmente.
R – Infelizmente. Agora a gente espera que isso mude. Agora, por outro lado, outro dia eu estava discutindo com um especialista, ele falou assim: “Tá, mas você acha que se vocês não tivessem trabalhando como você imagina que estaria hoje a Mata Atlântica?” Aí ele falou: “Certamente estaria muito pior.” Quer dizer, imaginar que a situação estaria pior do que está para nós é um absurdo. Então o que... (risos)
P/1 – Márcia, das frentes de atuação hoje da Fundação, elas diferem muito de quando entrou?
R – Bom, eu estou há, desde 1989 acompanhando a SOS. Eu já participei de vários momentos, de vários projetos que eu acompanhei e tal, está muito diferente. Quer dizer, se a SOS ousou quando foi criada, hoje eu diria que ela está sempre a frente do movimento. Eu acho que ela sempre está inovando, desenvolvendo coisas novas, criando novos conceitos, novas metodologias. Eu diria que o trabalho que a entidade vem fazendo vem resultando em contribuições bastante significativas para o Terceiro Setor. Então eu acho que isso é o que ela está deixando. Então assim, todo o trabalho para contribuir com uma Lei, marcos regulatórios, conceitos, projetos, metodologias que foram criadas. Então tudo isso eu acho que foi, é uma forma bastante diferente de atuar. Mas isso também é muita contribuição do presidente da SOS. Ele tem um estilo de atuar que ele vem do Segundo Setor. Ele é fundador da SOS. E várias contribuições do Segundo Setor vem trazendo para ser aplicada na SOS. Então algumas coisas quando vem do Segundo Setor e são transformadas, são adaptadas para serem desenvolvidas na SOS vem trazendo algumas inovações que são interessantes assim. Então eu diria que ela...
P/1 – Você pode dar um exemplo disso? De uma ideia...
R – Formas de gestão, de parcerias que ela desenvolve com o Segundo Setor, como ela deve atuar nessas parcerias com o Segundo Setor. A história da filiação. Por ser uma das poucas e na verdade a maior das entidades ambientalistas em termos de número de filiados. Na forma de gestão da própria entidade. Esse modelo agora que eu estava até comentando dessas mudanças que estão ocorrendo. Então quer dizer, de sempre estar a frente mesmo do seu tempo. Eu diria que ela sempre está à frente. E existe uma forma de atuação sempre pensando no futuro. Prevendo, tomando todos os cuidados devidos pensando em termos de futuro. E garantir a continuidade dos trabalhos. Então eu acho que isso é o que tem sido... (risos).
P/1 – E assim, nesses anos todos da Fundação você lembra de alguns fatos que foram pitorescos que você ache interessante contar?
R – Nossa, tem muitas histórias. Não sei. Assim, coisas relacionadas a projeto ou o que você...
P/1 – Relacionada a projeto ou alguma coisa que tenha acontecido, algum lugar que vocês foram defender alguma coisa, aconteceu algo.
R – Nossa, tem tanta história nesses anos todos. Bom, a SOS nasceu lá no Lagamar. A SOS foi criada por um grupo de pessoas, mas toda a base da SOS é ali no Vale do Ribeira, litoral sul de São Paulo. Então muitas das histórias estão relacionadas ali, àquela região, quando ela criou uma base urbana lá em Iguape. Hoje funciona lá um centro de interpretação ambiental e informações turísticas. Então é um casarão que é cedido pela Fundação Brasileira de Conservação à Natureza, é uma entidade sediada no Rio de Janeiro. E aí dos projetos que nós desenvolvemos lá, coisas que deram certo, coisas que deram errado, de brigas que nós tivemos com os prefeitos ali da região. Aquela história de que: “Aí, vocês estão aqui atrapalhando.” E como que é? “Barrando o desenvolvimento do município. Porque vocês são contra o desenvolvimento da região.” Então todo aquele discurso e tal. Mas tem muitas boas histórias, muitas brigas assim. Por exemplo, eu não sei se a Elci comentou a respeito do caso lá do Tijuco Alto que a gente acompanha até hoje, das inúmeras sessões, audiências públicas para tratar de um determinado caso, as brigas com os empreendedores, então de transformar isso em bandeiras mesmo, em casos que nós acompanhamos mesmo e tudo mais. E a cada vitória que a gente tem, por menor que seja menor em termos de ser muito pontual, parecer pequeno perante todos os problemas que nós temos a gente comemora mesmo. A gente sabe o quanto aquilo é importante, o quanto a gente vem contribuindo em termos de conservação, em termos de proteção. E aí o mais recente tem sido primeiro essas experiências que a gente tem tido em campo, depois a participação dos voluntários nos nossos projetos, nas nossas ações. Então, por exemplo, o grupo de voluntários estão trabalhando, eles têm uma atividade no projeto Guararu, que é um projeto que nós desenvolvemos de gestão ambiental ali na Serra do Guararu, ali no Guarujá, na porção leste. Então tem lá o grupo de jovens de uma vila antiga, que é a Prainha Branca e aí os voluntários vêm desenvolvendo uma série de atividades nesse local com essa comunidade. Então assim, o que a gente observa, é o trabalho dessas pessoas, o fato delas participarem de atividade e você vê a emoção que essas pessoas têm quando elas vão lá, quando elas capacitam ou desenvolvem programa de capacitação com o jovem que mora ali, e o trabalho que elas desenvolvem. Então assim, é essa paixão mesmo que as pessoas têm. Então isso é muito legal. Então tem muitas histórias aí, imagine. Eu passaria horas contando todas as histórias (risos), brigas. E aí tudo é uma família, porque é tanto tempo que a gente está junto e todos que estão lá estão comprometidos com a causa. Então assim, eu não trabalho na SOS porque eu tenho um emprego, porque eu tenho um salário. Não. Eu trabalho na SOS por uma causa e as pessoas que estão lá também. Então essa paixão pelo trabalho, esse envolvimento, essa dedicação é exemplar. Porque aí é isso que eu estou falando. A gente acaba brigando por questões super complexas, porque além do trabalho em si tem todo o envolvimento, toda a paixão para conseguir atingir resultados positivos para o objetivo fim da entidade. Então a gente não está ali só prestando serviço. Nós estamos prestando serviço e colaborando com uma causa, participando de uma causa. Então isso está acima de qualquer coisa. E...
P/2 – Márcia...
R – Oi.
P/2 - … em diversas pesquisas sempre que são feitas junto ao público sobre as ONGs, a SOS sempre aparece muito bem colocada. Ela é sempre muito lembrada pelas pessoas. Isso se deve em parte à questão das campanhas que ela desenvolveu ao longo desses dezoito anos em diversos meios de comunicação. Para você qual foi a campanha que mais te marcou? Dessas diversas que a SOS...
R – Sem dúvida, eu diria primeiro a campanha da Bandeira: “Estão Tirando o Verde da Nossa Terra”. Que foi a primeira, que de fato contribuiu para popularizar o tema Mata Atlântica, porque até então ninguém falava Mata Atlântica, falava Serra do Mar, a Floresta Atlântica e tal. Então assim, o fato de contribuir para popularizar o tema, das pessoas saberem e entenderem o que é. Apesar de que muitas hoje ainda têm dificuldade em entender e em saber, mas sem dúvida essa primeira foi o marco mesmo. Depois a campanha do Tietê, que é em favor da recuperação do Rio Tietê. Foi quando a SOS junto com a Rádio Eldorado fez toda a campanha, conseguiu coletar um milhão e duzentos mil assinaturas em favor do rio e foi entregue ao Governo do Estado. E quando começaram todas as obras e todos os projetos em favor do Rio Tietê. Então eu acho que isso teve um marco da SOS, teve essa grande campanha também. Então eu diria essas duas assim.
P/2 – Que são as que mais te marcam.
R – Porque a SOS fez e que eu acho que foi aí que contribuiu para também mostrar a que veio. Acho que isso é que também vem contribuindo para dizer: “Olha, não. Ela tem objetivo, fim, é uma entidade séria, ela está lutando pela proteção de um bioma, que é um dos mais ameaçados de extinção do planeta”. Então isso eu acho que vem contribuindo para que ela seja bastante conhecida. E assim, a SOS foi criada por meio dessa campanha, então antes de qualquer coisa ela foi criada com aquele logo na Bandeira do Brasil, aí entrava o comercial na televisão a Bandeira do Brasil. Aí o verde ia desaparecendo. “Estão Tirando o Verde da Nossa Terra”. Então isso foi muito legal. Eu acho que isso é que de fato marcou mesmo. Até hoje a gente fica vendo esse comercial. A gente fala: “Puxa, está aí.” Pena que a gente não está conseguindo completar o verde, mas a gente vem lutando bastante por isso.
P/2 – Você já disse, na verdade, que a SOS está passando por uma reformulação neste momento, administrativa e organizacional. Além dessas reformulações que já estão acontecendo e vai acontecer ao longo desse ano, você acha que existem outros pontos que deveriam ser trabalhados, modificados, repensados, dentro da SOS?
R – Em termos da organização? Essa nova forma de gestão que começa a partir de 2005, agora com todos os eventos e os dezoito anos já é uma inovação. A gente espera com isso, claro, melhorar a forma de atuação da entidade. Outras frentes. Um pouco eu já citei, de alguns programas, por exemplo, esse que nós estamos desenhando de fiscalização sustentável. Nós criamos um programa de incentivo às RPPMs, então nós estamos atuando já em algumas frentes que têm sido bastante importantes eu diria, que vem trazendo bons resultados. E o que a gente quer é focar cada vez mais a partir de agora. E eu acho que a SOS tem feito boas alianças, boas parcerias. Eu citei a parceria com a RENCTAS, há dois anos. Eu citei a aliança com a Conservação Internacional, que ela estabeleceu há cinco anos. Além disso tem o Bradesco, que é um dos principais parceiros. Então o Bradesco eu diria que é o parceiro doador mais antigo, porque o Bradesco começou patrocinando o Atlas em 1989 e ele nunca mais parou. E aí criou o cartão de fidelidade SOS Mata Atlântica Bradesco Visa. Então quer dizer, é uma parceria que vem desde 1989. Então o INPE também, por meio do Atlas, é uma parceria desde 1988. Mais recentemente a Colgate-Palmolive desde 1998. Então é o que eu vejo, ela tem feito boas alianças e parcerias estratégicas e isso vem contribuindo muito para a atuação da entidade. Ela sabe trabalhar, ela sabe trabalhar em parceria e ela sabe manter esses parceiros. Então eu acho que isso é um jeito, uma forma de atuação que a gente vem aprendendo. Porque parceria você sabe como é difícil e manter é bem complicado. Então eu acho que nesse ponto essas parcerias têm trazido bons resultados. Eu vejo como muitos ganhos que a gente obteve por meio dessas parcerias. A gente aprendeu muito, por exemplo, quando a gente criou a aliança com a Conservação Internacional, aí assim passamos meses negociando e a gente sabe que tem todo um conhecimento em termos de pesquisa, em termos de áreas protegidas, em termos de biodiversidade que eles desenvolvem de uma forma excepcional, no mundo e aqui no Brasil também. Só que nós não temos nada disso, nós não sabemos fazer pesquisa, nós não sabemos fazer os estudos que eles sabem fazer, mas por outro lado nós temos uma forma de atuação, uma capacidade de mobilizar, uma capacidade de articular que eles não têm. Então essas parcerias têm sido extremamente positivas por conta disso, porque eles trouxeram tudo o que eles têm de melhor e nós também. E as duas entidades juntas, elas vem atuando de uma forma. Na verdade, quando a aliança foi criada, ela foi criada pensando em aumentar a escala de atuação, voltado para um objetivo fim, mas as duas trabalharem juntas para que juntas elas possam aumentar a escala de atuação e atingir os objetivos fins, que é a conservação da Mata Atlântica. Então isso a gente vem conseguindo. Eles trazem o que eles têm de melhor e nós também. Então eu tenho certeza que a gente ganhou muito com essa aliança com o CI. Mas eu tenho certeza que eles também ganharam muito com essa aliança com a SOS. Então assim, não tem essa coisa de que: “Ah, eu faço uma parceria, eu exploro o INPE e aí eu ganho e beleza.” Não, eu sei que o INPE também, apesar deles se apropriarem, ou deles aproveitarem pouco, até porque o trabalho que eles vêm desenvolvendo nessa linha é todo voltado para a Amazônia, então a Mata Atlântica é um trabalho menor, mais tímido, com uma equipe menor, eu sei que essa parceria é importante para eles também. Então por isso que eu vejo que esse jeito que a SOS vem atuando com seus parceiros nos seus projetos vem trazendo bons resultados para nós e também para os parceiros que acabam ganhando com isso (risos).
P/1 – Nós estamos no fim. Assim, chegando ao final. Aproveitando o que você falou nessa última fala sua. Um balanço desses anos que você está na SOS. Que balanço faria da atuação da SOS?
R – Da SOS?
P/1 – É, da Fundação. Que balanço você faz?
R – Com relação ao...
P/1 – À atuação dela.
R -...à atuação e objetivos? Eu faço um balanço extremamente positivo, de muitos resultados concretos, mensuráveis, de pessoas que ela conseguiu agregar, reunir, envolver, sensibilizar. De conceitos e metodologias que ela criou, contribuindo para a gestão de novos modelos para a conservação, para a atuação de outras ONGs e para o movimento em si. Porque na verdade, tem um trabalho que a SOS faz de forma muito tímida que é de apoio à pequenas ONGs. Por exemplo, tem um grupo de pessoas: “Ah, eu gostaria de criar uma entidade”. Então nós temos, nós desenvolvemos esse serviço, nós prestamos esse serviço. Se você quer criar uma ONG, nós ajudamos a criar. Então, “olha, você está aqui, você precisa fazer uma Assembléia, reunir um grupo de pessoas, definirem a missão da entidade, os objetivos”. Então quer dizer, esse trabalho de fortalecimento e criação de novas ONGs, formação de lideranças ambientais, lideranças locais. Então isso é uma contribuição que eu diria que é bem positiva. Então esse é o trabalho que ela vem fazendo e que vem ajudando e tal. Mas não aquele jeito paternalista: “Não, eu vou te ajudar, vou cuidar de você”. Não, na verdade dá o caminho das pedras, apoiar no que for necessário, mas cada vez mais fazer com que essas entidades, essas pessoas tenham meios de andar bem no futuro com as próprias pernas. Inclusive nos projetos que nós desenvolvemos a gente sempre tem essa visão. Por exemplo, lá no Guarujá, a gente não vai estar lá para sempre. Nós estamos há três anos atuando em um projeto local. E aí nós estamos renovando com o parceiro, com a Sociedade Amigos do Iporanga e agora reunindo outros parceiros. A Sociedade Amigos de São Pedro, de Tijucupá e de Itaguaiba. E o que nós estamos fazendo? Nós estamos criando agora uma nova forma de atuação para que a gente consiga deixar atividades que sejam sustentáveis às comunidades que moram lá, e também uma ONG que seja forte na região, para que daqui a alguns anos, quando a SOS não estiver mais lá atuando, porque um dia a SOS vai embora, ela não vai ficar lá para sempre. Então no futuro, essa entidade possa dar continuidade às atividades na região. Então isso é o que a gente quer, essa cultura que a gente vem criando para a criação, para a capacitação e o fortalecimento dessas entidades e para que no futuro existam entidades locais atuando naquela região. Isso é o que a gente espera, esse é o nosso sonho. Esse trabalho com o Tietê de criação de grupos, são 250 grupos de monitoramento aqui na Grande São Paulo, na região metropolitana de São Paulo. É para que no futuro cada grupo, cada entidade, cada grupo desenvolva suas atividades. Então esse é o trabalho que eu acho que a SOS vem deixando.
P/1 – E você consegue pensar na SOS daqui a dez anos?
R – Nossa senhora, daqui a dez anos? Não, eu consigo pensar daqui a cinco anos, mas daqui a dez anos não. Esse trabalho que ela vem fazendo você quer que eu diga o que eu acho que seria? Mas o meu sonho ou o que eu acho pé no chão assim? (risos)

É difícil. Eu posso sonhar um pouco?
P/1 – Pode.
R – Eu acho que daqui a dez anos a SOS tinha que ter vários escritórios em vários pontos da Mata Atlântica. Ela é muito cobrada por conta disso. Assim: “Aí, vocês só ficam em São Paulo. Vocês só estão em São Paulo. Ah, tem um escritório aqui no Rio?” “Não, não tem.” “Ah, tem representação em Recife?” “Não, não tem.” Então, pensando que no futuro essa polarização seria fundamental, uma nova forma de atuação. O ideal seria que fosse isso. Eu estou falando sonho, não estou falando o que eu vejo. E hoje a gente já está contabilizando muitas áreas, muito aumento de floresta, por conta do Clickarvore, do Florestas do Futuro. Eu espero que daqui a alguns anos a gente possa dizer: “Olha, graças à SOS Mata Atlântica aumentou tantos hectares, tantos por cento.” Isso é o que eu espero mais... E que cada vez mais ela busque novos caminhos, ela busque novas estratégias e formas de atuar. Então esse é o que eu assim, estou falando um pouco de sonho. Mas não... (risos).
P/1 – E o que a Fundação SOS Mata Atlântica representa para você, na sua vida?
R – Todo o meu crescimento profissional, minha formação, pessoas com as quais eu trabalhei e trabalho hoje, que tiveram importantes papéis na minha vida em termos de formação, em termos de conhecimento. Amigos que eu fiz. Mesmo pessoas que não trabalham mais na SOS, mas que a amizade ficou. Então hoje eu falei dessa paixão que vai além do trabalho, mas é um interesse pela causa mesmo. Então isso faz com que a gente tenha uma vida toda relacionada com a Mata Atlântica. Então no começo era assim: “Ah, ela defende os micos-leões”. Hoje em dia não, hoje em dia as pessoas me respeitam, elas sabem que meu trabalho é importante, elas entendem. Então eu acho que isso é a participação dos meus amigos, da minha família. Então eu acho que tudo isso é importante.
P/1 – E Márcia, tem alguma coisa que você quer falar que nós não perguntamos?
R – Hum. (risos) Não, acho que não.
P/2 – Que te vem à cabeça agora não, né? (risos)
R – Agora não, mas no futuro certamente: “Ah, eu queria contar essa historinha. Ah, eu devia ter contado aquela história. Ah, quando aconteceu não sei o quê, e tal”.
P/1 – E a gente reivindica e fazemos outra (risos).
R – (risos) É.
P/1 – Não, para contar as histórias.
R – Para completar, né? Não, não. No momento não. Mas é isso.
P/1 – Márcia, então eu queria te agradecer, eu e o Rodrigo agradecer por você ter vindo.
P/2 – Obrigado.
R – Eu é que agradeço. Imagina, são várias coisas que...
P/1 – Nossa, foi ótimo.
P/2 – Muito obrigado.
R – (risos) Ah, muito obrigada.