Museu da Pessoa

Ando com Nhanderú do céu

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ezequiel João

Indígenas pela Terra e pela Vida
Entrevista de Ezequiel João
Entrevista número ARMIND_HV008
Entrevistado por Jonas Samaúma e Idjahure Kadiwel
Entrevista concedida via Zoom, em 19/07/2021
Realização: Museu da Pessoa
Transcrição por Lidiane Ramos
0:11
P/1 - Então Ezequiel bem vindo, eu queria começar te perguntando seu nome, falar seu nome completo em português e Guarani, e falando

o lugar que você nasceu e o ano.

R - É boa tarde novamente, eu me chamo Ezequiel, Ezequiel João, eu nasci em dez do quatro de mil novecentos e setenta e dois. Eu nasci na Aldeia Panambi Lagoa rica mesmo, nessa área mesmo que nós estamos ai, no município de Douradina estado de Mato Grosso do Sul.

1:15
P/1 - Ezequiel deixa eu te perguntar uma coisa assim bem pessoal, qual é a primeira coisa que você lembra, a coisa mais antiga que você lembra na vida assim?

R - No princípio, no início da minha infância eu lembro a partir dos sete anos de idade, quando eu era criança pequena eu não lembro, mas dos sete anos pra cima eu lembro. Nós morava na aldeia, eu vivi e cresci com meu pai e com minha mãe também, quando a minha mãe faleceu eu cresci com meu pai na mesma aldeia, eu morei muito tempo, muito tempo eu morei, trabalhei, e acompanhando meu pai juntamente

com as comunidades indígenas, eu sempre acompanhei e também conheci como é a realidade que os indígenas vivem, e viviam também os ancestrais. Bisavô e vovó eu conheci, aprendi e vim aprendendo com os mais idosos, e os mais novos também, na minha vida.

3:40
P/1 - Então Ezequiel, você estava comentando do seu avô e da sua vó, que você aprendia muito com eles, e eu queria te perguntar o que você lembra do seu vô da sua vó, como eles viviam e o que você aprendia assim com eles?

R - Primeiramente eu aprendi com meus ancestrais, com meu avô e minha avó também, foi o trabalho. Eles

foram os que mais trabalharam, e principalmente depois da minha infância, sete anos de idade, eu já pensasse em mim, pensar uma forma de sustentabilidade para minha vida e pensar futuramente como quando eu fazer idade, repassar e aprender também na minha vida, como é trabalhar na roça, principalmente isso que eu queria aprender, tentei muito aprender eu não pensava que era pra ficar assim nessa luta, mas eu também acompanhei meu pai, acompanhei todos os irmãos do meu pai, umas colegas do meu pai e acompanhei outras lideranças que estiveram atrás, porque era uma luta de serviço e trabalho, era uma força coletiva. Esse trabalho que aprendi juntamente dos meus ancestrais com meu pai e as demais comunidades, era um serviço coletivo mesmo nas aldeias, nas aldeias existiam um trabalho comunitário sim, principalmente na roça. Aí fui crescendo e gerando mais idade, pra mim eu não me arrependo que no tempo de criança eu trabalhava com meu pai e com meus parentes, não me arrependo até hoje eu bati palma quando era criança, eu recebi conhecimento, muito conhecimento por parte da roça mesmo. Nós plantava comunitário, uma roça comunitária e individual também, nós plantava um arroz, nós plantava uma banana, cana, plantava batata doce e às vezes nós descia com \"espigão\" (HASTE DE FERRO OU MADEIRA COM PONTA AGUÇADA) no serviço, com o coletivo, e nós também mexia com a roça no varjão, varjão onde é o brejo, estocava plantava arroz, nós cortava de ferro e nós fazia uma pia. Existe esse conhecimento até hoje porque eu guardo na memória, nós fazia pia de arroz assim e nós batia, até hoje eu lembro também, nós batia na banca e nós abanava arroz e jogava arroz contra o vento, ensacava o arroz e levava pra casa pra poder armazenar. Então era tudo isso e até hoje eu guardo esses trabalhos passado de quando eu era menino na minha infância. Então era muito sucesso que nós fazia, e hoje aqueles trabalhos que acompanhei juntamente com meu pai, com a minha comunidade e meus companheiros de trabalhos não existe mais, não existe mais e

estão guardado tudo, parece que aquela força de vontade que nós usava lá atrás parece que hoje está guardada também, e parece que está guardado em um lugar como um museu, esse trabalho de hoje em diante não existe mais. Quando cresci e tomei uma idade eu já comecei uma outra fase, uma outra fase de trabalho.

09:20
P/1 - Perguntado ainda sobre a roça, você falou que hoje não tem mais assim, o que era diferente nessa época da roça? Desse tempo de criança, que não é mais hoje? o que tinha de diferente?

R - É que tem uma diferença sim, porque naquele tempo quando nós estávamos na roça não tinha máquinas, a gente fazia e tocava o trabalho com a mão mesmo, com as próprias mãos, era manual, um trabalho manual mesmo. Nós fazíamos uma banca de galho de madeira, não tinha batedeira, máquina de batedeira e nem tecnologia nós mesmo inventava de fazer para colher nossas plantações. E também depois das colheitas as moças, as mamãe e todas as mulheres levavam na máquina para limpar o arroz, e as mulheres socavam arroz no pilão, no pilão mesmo. E como nós trabalhávamos na roça as mulheres também aproveitavam esse pilão, como se fosse uma máquina, cada família tinha um pilão e um socador de arroz, então hoje não acontece mais isso, hoje geralmente não acontece, e essa é a diferença do passado. Hoje geralmente planta arroz na máquina no trator, planta na plantadeira de modelo que colhe o arroz na máquina de colheitadeira e vai direto pra limpar, ou seja, já compra o arroz importado empacotado, não existe mais como nós usava tempos atrás.


12:30
P/1 - Eu queria te perguntar mais uma coisa sobre isso? Quando eu imagina vocês plantando devia ter uma relação diferente do Juruá? O seu avô, o seu pai, sua avó, sua mãe, eles falavam alguma coisa sobre a terra? Como é que vocês viam a relação assim com a terra, com a roça, via como algo sagrado? Era algo comum? Como era essa relação com a terra?

R - Então a relação da terra, da roça que eu vivia com meu vô, ele fazia roça numa mata, uma mata que ele derrubava pra fazer roça, e com aquela roça eles às vezes plantavam cana, plantava abóbora aquelas abóboras gigantes, e hoje as vezes você acha ou não acha mais uma abóbora gigante que pesa quase uns vinte, trinta quilo. Uma abóbora gigante que fala. Então ao mesmo tempo que o nosso vovó trabalhava na roça, plantava assim umas planta orgânica com adubos orgânicos, as mulheres e nossa avó elas faziam também as comidas, as comidas assim vamos dizer sem agrotóxico. O que eu queria falar é que elas fazem umas comida do milho, do feijão daqueles feijão vagem que tem na roça plantada assim, e chamava-se numa peça um feijão com um grão bonito geralmente plantava isso na roça, onde era derrubado, onde era mato derrubado. E no mesmo tempo as mulheres vão trazendo uma cana pra tirar a casca, cortar e socar também e fazer açúcar com a cana de açúcar, é como fazer uma rapadura, hoje faz rapadura e vai fervendo no máximo em uma panela, essa panela era utilizado a partir da cerâmica, foi fabricado de cerâmica que vem do barro, nós não tínhamos uma panela comprado como hoje, nós usávamos uma panela de barro bem grandona porque a família era grande e sérvia. Deixava um pouco de melado para usarem em qualquer outra comida, fazer outras e também para guardar, para usarem em qualquer outra comida. No mesmo tempo também tem uma oca grande, uma oca grande assim com cinco, seis famílias ou até dez famílias numa oca, um vai pra roça e as mulher vão fazendo taboia, ou eles plantam uma mandioca bem grande pra fazer farinha. E até hoje também não faz mais uma farinha como se fosse uma farinha de mandioca da roça, que põe num saco e vai guardando na água, então na água é uns quatro cinco dias, depois ele retira da água e começa a secar, depois de secar eles separam a farinha e começar a torrar, e para virar farinha fica mais fácil. No começo era ruim essas mandiocas, algumas pessoas ainda fazem, mas não queria mais fazer por causa do cheiro forte, cheira um pouco quando põe na água e retira, mas tem que secar no sol para ficar bom depois, secar e ficar bom depois. Mas ele vai torrando numa panela pra deixar guardado uns dez, quinze quilos já cozido já cozinhado assim e também deixar guardado, enquanto isso os homens vão pra caça, pra pesca, e trazer o nosso porco do mato, nunca pode comer uma carne da cidade ou açougue, nós só comia carne nativa e peixe também, indo de manhã para caça e voltava tarde já trazia uns três, dois, três, quatro porco que chama-se hoje os povo nacional chama de javali, mas antigamente chamava Queixada, mas hoje ainda tem essa espécie de bicho Queixada e é por isso que os nossos anciões viviam mais de cem anos, às vezes eles chegavam mais de cento e dez ou cento e dezesseis anos de idade por isso, e hoje não chega mais do que noventa, a nossa vida e nossa saúde é muito complicada, antigamente não, eles faziam isso e viviam mais, eles comiam alimentos fortes e sem agrotóxicos e carne também sem vacinado, sem químico e os peixes também. Os peixes eles vão no rio, tem uma pedreira e esperava, matavam os peixes com arco e flecha, matava e trazia numa cesta, cesta que chamava-se Apucarana, ou balaio que a gente chamava antigamente. Trazia quase cheio de peixe enorme, tão grandona com base de sete quilos e pra trazer para aquelas famílias, e hoje não é mais assim. Então a diferença é que mudou tudo as coisas para nós, para comemorarmos temos que comprar nosso alimento, e vem o que depois? E prejudica o que ? Nós recebemos toda a nossa vida, da nossa saúde, nós recebemos uma prejudicial para a nossa saúde por causa de que? De agrotóxico? Feijão envenenado.

21:41
P/1 - Isso que eu ia perguntar Ezequiel, até chegou dar uma travada o Alisson até parou ali, mas já voltou, como foi isso que você está me descrevendo que tudo que vocês plantavam era vocês que faziam, o arroz, até a própria cerâmica. Como foi que chegou? E teve algum momento que alguém chegou com agrotóxicos, sementes transgênicas para comunidade de vocês, você lembra disso?

R - Vou pedir para você repetir mais uma vez, porque deu uma falhada.

22:18
P/1 - Certo, você está me contando que fazia tudo orgânico, o arroz a abóbora, mas teve algum momento que tentaram dar transgênico para vocês? Semente transgênica, agrotóxico ou se vocês plantam orgânico até hoje?

R - Essa é uma boa pergunta, e por isso que nós fazemos até hoje e naquele tempo também, eu comecei a pensar quando eu comecei a formar idade, ser adulto faz nos pensar de outras maneiras que nas aldeias existem pequenos espaços, e quando nós vivemos em pequenos espaços as nossas ideias e dos jovens começa a mudar também. E o que vem com essa mudança é a ideia de jovem, quando éramos jovens nós chegamos perto dos nossos anciões, perto do nosso pai, perto da nossa mãe e perguntar para entender, como vai ser a vida futuramente. E assim vem vindo o conhecimento, o conhecimento com nossos pais, nosso tio, o nosso tio costumava a dizer que nós temos que olhar para os espaços pequenos, e futuramente temos que olhar para frente o que nós podemos fazer com a nossa luta depois. Aí nós pensamos em conversar e trazer mais conhecimentos dos companheiros mais velhos e para nós trazer o que vai ser realmente a nossa vida, e hoje nós chamamos as nossas aldeias de retomada, nós queremos e estamos retomando a nossa área e vamos retomar tudo o que estamos atrás. É para plantar também, plantar toda a nossa alimentação, todas as plantas com adubos orgânicos e não para plantar com agrotóxico, e nós queremos essa vida também para repassar aos nossos filhos, nossos netos e queremos que aconteça o mesmo que os nossos anciões viviam lá atrás.


26:03
P/2 - Maravilha, Ezequiel eu fiquei curioso assim de você está contando as transformações que você viveu, de um trabalho mais comunitário para maquinário, agrotóxico e tudo mais assim. Eu fico curioso o que você ouvia dos seus pais e dos seus avós sobre o território na verdade? Sobre como era a vida deles no tempo que eram mais jovens? Porque você falou que esta ideia da retomada é uma visão do futuro na verdade, ela é uma visão ancestral? O que eles contavam sobre o trabalho deles, o território? O que mudou assim que eles contam para você?

R - Antes de ser nascido eles viviam como sem fronteira é a primeira história que meu pai contava, conta até hoje que no tempo de jovem eles viviam cada um no seu local e cada grupo fazia o seu local na região, principalmente os Guarani-Kaiowá, eles viviam do outro lado pra lá e outros também viviam. Então depois que eles cresceram, cresceram como pai e começaram a mudar depois de mil novecentos e quarenta, quarenta e três e quarenta quatro, já começava a fazer outras mudanças, mudanças diferentes, mudança de governo. Nesse momento não vou lembrar para dizer, porém o território era maior, muito maior o território, nós vivíamos tranquilos e era como um paraíso, era um paraíso. Como eles viviam cada um no seu território, não é como hoje que estamos vivendo, e eles trabalhavam daquela forma mesmo que te contei, e juntamente eles viviam em cada grupo individual e os outros viviam de lá pra cá, e naquela época o território era fechado, não era aberto como hoje. Quando eles vieram, uma equipe de agricultores, colônias agrícolas de Dourados chegaram eles começaram a se espalhar, e como os nossos ancestrais não tinha coragem não é como hoje, eles corriam foram massacrados, apanhavam e foram até matados. Eles vieram para cá ficar com esse pedaço de reserva, geralmente essa que estamos aqui é bem pouco trinta e sete hectares, então trinta e sete hectares de reserva a gente não se

sustenta, e os nossos ancestrais deixam esse conhecimento, eles já começam a repassar para nós. Quem tem mais coragem para fazer isso? Os nossos ancestrais foram expulsos de lá dos território, do nosso grande território. Foram expulso. Mas ai com as histórias dos expulsos dos caraí, que é os Branco eles começaram a dizer pra toda comunidade para todos os jovens que aquele território não é só esses espaços, não é só esse espaço que temos. Então quando a cidade começa a se transformar, os adultos começam a fazer outra mudança nós começa a se organizar e nossos jovens começa ir para escola e traz mais conhecimento, trás inteligência, e ai começa a tomar uma coragem de luta, coragem de luta que vem aumentando. Cada vez mais crianças, parentes e mulheres vão se tornando professoras, começa a desfrutar também da política e já começa a se candidatar para ser vereador, e já traz mais conhecimento para nossa comunidade. Aí vem o que ? Nossa inteligência, a nossa sabedoria e assim começamos a se reunir, reunir e dizer vamos fazer a nossa parte, nossas ações, nossas ações é o que podemos apresentar, nossa necessidade

se mostra pra fazer a nossa retomada. E começa porque? As nossas crianças e a nossa comunidade já estavam superlotadas, um espaço que tinha era de dez, vinte metros de distância de casa. Em cima disso os nossos pais ainda tem uma pequena parte para moradia. E para os nossos filhos? Para nossas filhas? Vai ser pior que nós, a vida das nossas crianças vai ser pior que a nossa hoje. Então a gente já pensa em fazer uma organização para reunir os companheiros e irmãos, reunir os amigos e dizer, vamos fazer isso. Porque futuramente, vai ser pior para as nossas vidas, os nossos anciões contam que a nossa área não é somente esse espaço, nós temos uma área grande e precisamos fazer as nossas ações para que a partir disso podemos fazer uma retomada e garantir para as nossas crianças, garantir uma área para o nosso povo comunidade, Guarani-Kaiowá.

36:33
P/2 - Ezequiel e nessa sua lembrança, de uma tomada para reivindicar direitos, reivindicar o território de retomada eu me lembro do Marçal de Souza Tupã, ai queria saber se você conheceu ele, ou como você vê a figura dele assim para sua geração? Uma figura importante para o povo Kaiowá, e do movimento indígena Brasileiro?

R - Eu ouvi falar sobre ele, vi fotos, mas não cheguei a conhecer pois no tempo do Marçal eu era menor de idade, eu sei que ele era professor e ele já tinha um tempo de luta, eles já lutaram naquela época para ganhar o território e também juntamente com as outras lideranças que não existe mais, e que também foram embora daqui porém deixou o legado que o Marçal de Souza era uma semente, ele jogava muito semente, e quando esses morrem as sementes começar a brotar e transformar em mais frutas e assim vai jogar mais sementes. Então quanto mais o povo tem conhecimento, ele pode morrer, mas eles deixam e prepara para outros povos que vai nascendo, deixar essas comissões de conhecimento para eles usarem nesse mundo e usarem também futuramente um dia para conseguir essa esperança, esse direito e é isso que ele estava deixando para nós até os dias de hoje, nós temos a história dele como um grande lutador, um homem que luta e toma a frente, ele é um homem que falava com a justiça, homem que pisava com os pés da autoridade ele não ficava calado. Ele foi um homem de luta, lutador.

39:42
P/1 - Ainda perguntando sobre isso Ezequiel, porque o Marçal assim como o Cretã foram pessoas famosas que lutaram pela terra, e acabaram assassinados. Teve pessoas no seu povo que você conheceu ou que ouviu falar que também foi assassinado, que lutava pela terra? Chegou a conhecer alguém?

R - Um dos mais famosos que nós temos ele era um cacique, cacique que se chamava Joãozinho, Joãozinho Caarapé e todo mundo conhece esse nome, saiu nos livros. Joãozinho Caarapé era um líder, um cacique que lutava para deixar essa áreas a reserva para o seu povo, ele fazia muita luta, fez muita luta para deixar essas áreas para o seu povo, ele sofria. E no tempo que ele era capitão organizador do seu povo, ele viajava a pé para registrar essas áreas, essas histórias eram muito contadas, e contam até hoje nas nossas conversas. No tempo atrás a FUNAI, não era em Brasília, era em Rio de Janeiro e ele demandava para sua mulher fazer uma sopa com farinha de milho cozido para ele levar na viagem, era de três a quatro pessoas que foram para o Rio de Janeiro para resolver questões sobre as áreas deles, para ter

até hoje essas aldeias Panambi Lagoa Rica, enquanto eles viajavam para o Rio de Janeiro a pé os fazendeiros estavam em Lagoa Rica, e eles queriam que todos os indígenas daqui fossem para aldeia de Dourados e deixar toda a terra para o fazendeiro, e por esse motivo eles foram para o Rio de Janeiro. Foram a pé e com seus companheiros, por isso que as aldeias existem até hoje, quem decretou aquelas trinta e sete hectares foram eles, ele foi um grande líder da aldeia, e o nome dela era Joãozinho Caarapé Fernando.

44:00
P/1 - Mas você chegou a conhecê-lo?

R - Eu cheguei a conhecer quando ele era bem velhinho, era bem velhinho o homem eu conheci e ele tinha oitenta e cinco ou oitenta e três, ele faleceu bem velhinho.

44:29
P/1 - Eu ia perguntar um pouco do que você estava falando da luta em geral, mas queria voltar um pouquinho para a sua vida, que você estava falando da sua infância e que vocês plantavam muita roça fazia muito roça, mas qual foi o momento que você reparou que tinha uma luta pela terra, e quando você começou a ser envolver com isso, como isso aconteceu?

R - Quando eu comecei virar lavrador, quando o homem começa a ser um trabalhador ele adquire uma experiência, e você começa a pensar maior, uma experiência da nossa vida é ter uma área grande para morar e nós queremos ter essa experiência para usar dentro do nosso território, o que eu conheci com o meu pai eu queria usar no território, e falar para o povo, que na época da minha infância o trabalho da roça foi um sucesso. Isso que eu penso, se nós tivermos um grande território, nós podemos fazer uma roça maior. Hoje dentro da educação, principalmente dentro de uma sala de aula, se abre todas as páginas de qual área podemos mais utilizar a terra, de onde vem o nosso alimento, água é nossa fonte principal de vida, e da terra vem o que nós respiramos. Quando temos a terra, nós indígenas reconhecemos ela como sagrada, e ao mesmo tempo também já começamos a pensar e conversar, fazer um diálogo com nossos companheiros, amigos, nossos parentes a importância da terra para nossa etnia brasileira porque a partir disso já começamos a dizer que esse país, o Brasil, é o nosso planeta. Então a nossa ideia começa a ser mais ampla nesse momento, e quando a gente lembra disso, nós já podemos fazer isso, fazer uma luta e lutar para ter uma terra maior, porque? Porque nós não vivemos em um só, e sim uma família grande. A minha experiência que eu tive com meu pai eu quero aplicar nas outras áreas, plantar na roça e aumentar mais a produção, para não faltar alimento para família e principalmente para o povo, a ideia é mostrar para a comunidade a minha habilidade. Nós estamos dez anos em plano de retomada e estamos em luta com a justiça até os dias de hoje, e nós queremos a terra, nós estamos de pé existindo, e resistindo junto dessa luta nunca ficamos calados porque usamos o nosso conhecimentos para rebater a justiça e contra os fazendeiros.

50:51
P/2 - Aprofundando isso que você está trazendo Ezequiel, da motivação, da luta, tem uma palavra que o povo Kaiowá Guarani fala muito nesse discurso, que é a palavra TEKOHA, será que você pode explicar um pouco para o museu o que significa TEKOHA para o povo Kaiowá?

R - TEKOÁ significa \"MUITO\", o nosso TEKOÁ é um texto e TEKOÁ é outro texto, existe até cinco coisas TEKOÁ, TEKOÁ também é a nossa vida TEKOTEKO e TEKOÁ, existem duas coisas muito importante dessas palavra para dizer. O que é TEKO, TEKO é uma palavra que tem em toda etnia e cada pessoa tem TEKO. O meu TEKO no meu costume é falar a língua materna que eu vou conversar com meus irmãos, com meus pais, com minhas esposas, e com minhas filhas em qualquer lugar, em qualquer cidade ou local eu posso conversar na minha língua materna, esse é o primeiro TEKO e eu tenho mesmo, isso existe em cada pessoa e não tem como calar qualquer pessoa, esse é o direito de todos, esse é TEKO. TEKOÁ já é um local, existe outras coisas como TEKOÁ GUASU que é um grande território, nós aqui no estado do Mato Grosso do Sul temos uma TEKOÁ GUASU que é uma bacia das grandes áreas indígenas, isso é TEKOÁ GUASU, TEKOÁ é um local, por exemplo: Eu moro aqui no TEKOÁDURÃNKAMBYU, esse meu local se chama DURÃNKAMBYU, e tem mais TEKOÁHÃ, TEKOÁHÃ é o local onde vai ser a morada da nossa etnia, essa é a terceira coisa. E lá atrás a palavra TEKOÁT era utilizada pelos nossos anciãos, os anciãos que vivem no nosso território.

55:18
P/2 - Muito bom, então você está falando agora que na língua do seu povo você está no TEKOÁDURÃNKAMBYU? Você nasceu aí? Seus avós nasceram aí também?

R - Sim, nasceu aqui nessa aldeia.

54:47
P/2 - Eu queria entender um pouco Ezequiel como você trabalha na roça, vendo essa situação que já era da geração dos seus avós de reivindicar a terra, como você se tornou uma liderança, um cacique? Você nasceu assim? O pessoal escolheu você?

R - Essa é a primeira luta pra mim, ser liderança, nós estávamos nas nossas aldeias atuais , reuni os professor, companheiros, conselheiros, lideranças e disse:

Gente vamos fazer e vamos para luta, porque nós a etnia Kaiowá ter a terra demarcado no passado, foi uma luta mas nós não usamos essa terra, e lá em Brasília aparece que a terra foi ocupada pela nossa comunidade. Mas infelizmente não estamos ocupando essa terra, quem está nessa terra demarcada são os fazendeiros, já foi feito o limite das nossas áreas. Aí tinha umas companheiras e professores e eu disse para eles, fizemos uma grande reunião como se fosse uma assembleia mesmo, eu disse: Se vocês não forem e não tem coragem, nós vamos eu vou com a comunidade. Aí foi assim, eu me preparei para ser uma liderança na minha opinião na minha ideia, naquele tempo há dez anos atrás me pareceu que era uma luta comum, porque eu nem reparei e nem cheguei a conhecer uma luta forte como estamos hoje, e convidamos muitos. Enquanto nós fizemos um grande anúncio aos fazendeiros da região, alguns públicos e uma segurança já começa a fazer uma grande mobilização, o que eles fizeram? Eles chegaram até a nossa comunidade e perguntaram quando nós iríamos fazer a nossa retomada? E eu disse assim: Nós não vamos não, não temos previsão, nem data, e hora pra sair. Eles perguntaram isso 3 vezes na nossa comunidade. E enquanto isso ao mesmo tempo, todas as comunidades estavam se preparando e se articulando para fazer a retomada, articulando um plano de retomada. E naquele mesmo dia meia noite fizemos a nossa primeira luta, viemos até do lado de umas fazendas, foi mais de cem famílias nós paramos um pouco e ficamos ali, fizemos nossos barracos, furaram os poços porém não deu nem vinte e quatro horas e os fazendeiros pediu despejo das nossas comunidades. E essa foi a primeira ação que fizemos com as autoridades para que eles dessem uma atenção, fizemos a primeira reivindicação para a justiça para que eles fornecem segurança para as comunidades, porém não foi nem vinte quatro horas começou a luta, os fazendeiros jogava rojão, bala de borracha, gás , machucaram nossas comunidades, e os nossos povos. E nós saímos daquela terra e fomos para uma do lado, aí veio a justiça, nós estávamos reivindicando a nossa área e nós também queremos justiça, então quando foi feita essa ação a justiça aparece, aí sim a justiça começa trabalhar e dar uma atenção quando acontece aquela ação naquele momento, como nós dizemos no TEKOÁ no local. Veio o Ministério Público e a Polícia Federal para conversar com os fazendeiros e com as nossas comunidades, mas nessas vinte horas os nossos irmãos foram machucados, acertados com bala de borracha, e tiveram seus corpos queimados. O Ministério Público Federal pediu para as nossas comunidades voltar para atrás e aguardar a nossa reivindicação junto da Justiça, enquanto isso o Ministério Público convoca um antropólogo para fazer um estudo quando estávamos voltando para nossa área, e foi lá que eu acompanhei o antropólogo nas fazendas, do trabalho, no campo, nos rios e sem medo de fazer os estudos com ele, o meu trabalho veio a partir dele, e foi assim que a comunidade viu o meu trabalho e acabou me indicando para a liderança, porém o antropólogo um tempo depois não conclui os estudos, e foi aí que reunimos a nossa comunidade, o nosso povo e os professores para dizer que precisávamos pressionar a justiça, a justiça é como uma panela de pressão, panela de pressão com feijão, é uma manobra que eles fazem com o trabalho jurídico, as ações que os indígenas fazem com dedicação no seu território, e enquanto nós não aceitarmos ele como panela de pressão eles vão engavetando os nossos processos de demarcação, estão engavetando os diretos da nossa etnia e dos nossos anciãos, e é por isso que

hoje temos coragem de lutar, fazer nossas manifestações e reivindicações e se nós não pressionar a justiça eles não olham para nós, eles deixam quieto, é isso que eles fazem. E em dois mil e onze nós voltamos para cá, eu tinha 41 anos, hoje eu tenho 51 e foi 10 anos de luta, a comunidade confia em mim, e confia na minha luta, porque sou eu que discuto com a justiça, com os policiais, delegados, juízes, e sabe porque? Nessa região os policiais, delegado e juiz são todos nossos adversários.


1:10:05
P/1 - Ezequiel perguntado ainda sobre isso, sobre essa luta que você falou, ao mesmo tempo sobre essa coisa de fazer pressão, desde que você virou líder quais foram as principais batalhas que você travou e principais coisas que você reivindicou?

R - O primeiro trabalho que nós travamos foi uma luta no começo de dois mil e onze, em cima do estudo que o antropólogo não conclui, nós queríamos concluir o estudo e ter um relatório completo das áreas, a nossa ideia era trazer outros antropólogos para ir no campo e conclui todos os relatórios, os nossos anciões também são antropólogo eles que sabem aonde é o TEKOÁ, o local antigamente que eles moravam com os pais deles, eles tinham uma residência naquelas terras demarcadas, quando meus pais eram jovens, meus sogros eram jovens, quando minha tia era jovem, e quando os antropólogos chegam eles começam a localizar as ocas antigas, local onde trabalhava e era moradia daqueles fulano, onde era a moradia daquele outros fulano, e eles entendiam que cada grupo naquele tempo se conheciam.
Então hoje eu olho para essa liderança e vejo um luto, um luto para o meu povo e eu sinto muito, eu reuni a comunidade e disse que só depender da justiça não dá, porque é uma lei em cima de outra lei e isso dificultou muito a vida dos Guarani Kaiowá, principalmente no Estado do Mato Grosso do Sul.
1:14:37
P/2 - Ezequiel eu fiquei muito curioso porque eu perguntei para você como você se tornou cacique? Você relembrou toda essa ação da retomada e do despejo e que logo o intervieram o Ministério Público antropólogos e tudo mais, mais eu fiquei curioso para entender como chegou até esse momento que iria decidir essa ação de retomada? E que teve consequência de tanta violência e despejo, vocês pensaram dentro da Aty Guasu, tem esse contexto de assembleias e como chegou esse momento, dessa ação de retomada e despejo e saber quando foi isso?
R - O começo da nossa reivindicação foi em dois mil e cinco, nós Guarani Kaiowá é muito difícil se unir, nós somos diferentes do não indígena, os fazendeiros e produtores rurais eles se unem para despejar indígenas das suas propriedades, nós não, nós convidamos os companheiros e comunidade para fazer parte dessa luta.
1:17:20
P/2 - Ezequiel você estava contando que em dois mil e cinco é o ano importante na história da luta pela terra e tem outros episódios depois, mas você trouxe ele como o ano marcante nessa ação de retomada. Eu queria entender como chegou nessa ação e como foi organizada, se isso foi debatido em assembleia e se você participava da Aty Guasu, dessas grandes assembleias Guarani, queria entender como chegou aí porque eu sei que depois de dois mil e cinco em outros anos a luta continuou e continua mas você trouxe como um ano importante nessa ação de retomada?

R - Isso, quando nós chegamos no nosso TEKOÁ na nossas retomada aqui, participei de muita assembleia, existe o Aty Guasu, criou- se a APIB Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, acompanhei grandes assembleia TERENÃ, de outros estados também, às vezes acompanho as delegações até Brasília, tudo isso em dois mil e onze desde quando estamos aqui, nós estávamos passando muita necessidade, de dois mil e onze até dois mil e quinze, a nossa comunidade sofreu muito até quatro anos nessa luta. A nossa comunidade queria desistir, queria voltar para trás de tanta necessidade, por falta de água, alimentação, por causa de estrutura, e quando a nossa gente começa a lutar a nossa vida começa do número um e começa de baixo para cima, isso é a nossa luta, e não é somente dos Guarani Kaiowá mas de todos os irmãos de todas etnias. Às vezes a nossa comunidade fica se perguntando sobre os alimentos, o que eles poderiam comer, e como podem sustentar suas famílias e suas crianças, como eles podem fazer o seu recurso, e como eles podem chegar até o momento de viver mais, viver o seu bem estar, chegar nessa conta. Eu como um líder da retomada vim chegando e falando para a minha comunidade o que podemos fazer? Até o momento não precisa de outra luta, além da nossa luta nós temos que trazer mais condições para nossa comunidade, eu morava aqui com o papai só tem essa casa, ninguém tem roça. Ninguém queria nos apoiar, por quê? As autoridades começa a dizer que a comunidade MBARAKAY vivem em uma área de litígio, área ilegal, essa foi a primeira fala que disseram para nós, eu corri e fizemos uma grande reunião com as comunidades, para elaborar os documentos, encaminhar para o Ministério Público para o lado da saúde principalmente a CESAE que trabalhava a parte da saúde com a FUNASA, e nós encaminhamos um documento para a FUNASA chegar até nós, salvar e trazer medicamentos para nossas comunidades, para fazer uma visita com uma agente de saúde para saber o que eles estão precisando, a parte da saúde. Nós encaminhamos outro documento ao Ministério Público para ajudar a nossa comunidade, para preparar a terra para nós poder plantar e alimentar nossas crianças, alimentar a nossa comunidade. E eu trago essa luta até hoje porque a quatro anos atrás nós passávamos muita crise, os produtores chamam nós de gado, porque para eles os índios comem capim e estão bebendo água suja, eles bebem água de onde o gado faz suas necessidades. E eu tenho essa memória muito bem guardada até hoje, e é por isso que eu trago isso para a minha luta e decidi entrar na justiça e conseguimos a primeira parte do nosso direito, à saúde a CESAE, eles trouxeram atenção básica, vacinas, consultas e medicamentos, e conseguimos também na justiça a preparação da nossa terra para jogar semente no chão e alimentar o nosso povo, outra coisa foi pressionar os políticos porque eles só vê os indígenas em época de eleições, e fica oferecendo dinheiro pra lá e pra cá e depois que são eleitos eles somem, só volta quatro anos depois. E aos poucos foi se aproximando da política para conseguir uma infraestrutura para nossa aldeia, consegui trazer uma infraestrutura elétrica para a nossa comunidade, eu assumi o compromisso de trazer eletricidade e conseguimos a energia elétrica, e logo em seguida fomos atrás da água encanada e poços artesianos, e isso veio através da parte política. Hoje temos água encanada, caixa de água, chuveiro elétrico nas comunidades e aos poucos fomos conseguindo o mínimo, porém o que a gente fez foi pedir que a lei fosse comprida que a Constituição Federal fosse cumprida, as leis 231 e 232 cumprisse a demarcação de terra para todas as etnia Guarani Kaiowá do estado de Mato Grosso do Sul, e acabar a luta entre indígena e fazendeiro.
1:30:09
P/1 - Ezequiel teve alguma história marcante dessas lutas com fazendeiros e polícia atacando os indígenas?
R - No dia que nós recebemos esse ataque em dois mil e quinze, foi por causa que nós estávamos pedindo e reivindicando esses direitos básicos, choramos para pedir esse direito, e no dia seguinte reunimos a comunidade e disse assim: Os nossos direitos e nossa esperança é pedir na justiça, e foi assim que começamos e pensar de outra maneira e ter outras ideias, no momento nós pensamos em construir mais ações para legitimar essas ideias, e aos poucos o plano de retomada foi se cumprindo em todos os lados em outras comunidades. E em três dias houve um ataque contra nós, policia militar, fazendeiros, polícia civil, sindicatos dos ruralistas e três municípios se envolvendo diretamente para atacar o nosso povo, a polícia militar não fez a segurança das nossas comunidades, eles veio a favor dos fazendeiros com bala de borracha e rojão em cima dos indígenas. E foi assim que acionamos a justiça, Polícia Federal e Ministério Público e eles ainda nos questionaram porque houve a luta e o ataque com os fazendeiros e ruralistas, eu disse que se não fosse assim não haveria atenção por parte deles, porque o que nós pedimos não foi feito e nos precisamos fazer esse tipo de pressão para que a justiça nos de uma atenção o Governo Federal os Ministros do Supremo, e tudo isso que envolver a justiça. Aqui na minha retomada às vezes nós ficamos olhando o que o governo faz com a gente, porque não demarca a nossa terra? Nós não somos habitantes de quinhentos anos atrás, nós somos frutos e sementes desse país, os nossos ancestrais já eram habitantes desse país, eles já estavam aqui antes, e vamos continuar lutando fortemente para existir nessa terra.
1:37:23
P/1 - E qual o papel Ezequiel do rezo e espiritualidade dentro da luta?
R - Uma boa pergunta, quando nós os Guarani Kaiowá saí para a luta para a batalha, o Cacique ele tem uma experiência com a religião antes, e depois chama o seu povo para a casa de rezo quatro dias antes da ação de retomada, isso é para não acontecer nada de ruim, nem morte e nem tragédia, sendo assim vai um guardião na nossa frente para proteger os povos e essa é nossa principal arma de luta, ferramenta de luta, o rezo. O rezo é mais poderoso que a arma de fogo dos fazendeiros.
1:39:23
P/1 - Idjahure você gostaria de fazer alguma pergunta?
1:39:30
P/ 2- Estamos só começando rs.

1:40:15
P/2 - Eu queria perguntar, você falou do papel do rezo, mas eu lembrei que você falou da oca grande que vocês moravam, não sei se você nasceu nessa oca? Na verdade o Isaac me falou que você sabe construir, e queria que você falasse um pouco dessa casa, que não é a opã mas é uma casa muito importante para os Kaiowá?
R -Então, é OGAPYSY (Casa de rezo), isso que foi quando nós chegamos aqui há dez anos atrás nós estávamos vivendo numa festa, os nossos anciões estavam vivendo mais hoje por causa da OGAPYSY que tinha nas aldeias, nós tínhamos duas casas de OGAPYSY

para festa de GUAXIRÊ, que é uma dança, e outra quando tem festa de MILHOSABORÓ, e até hoje acontece nessa oca aqui. Quando nós chegamos aqui a primeira coisa que fizemos foi a nossa OGAPYSY, pois esse é a nossa religião, e existe muitas coisas que compõem a OGAPYSY, eu disse para o povo vamos construir isso, eu não sabia como fazia mas chamei o povo para construir, porque nós precisava disso logo depois que aconteceu a retomada. Eu chamei um companheiro antigo meu, companheiro de rezo, um senhor de idade que prometeu me ajudar, ele disse: Ezequiel vamos construir uma oca aqui e eu vou te ajudar a fazer, e nós reunimos a comunidade e construímos. Três meses depois esse nosso companheiro veio a falecer, e eu fiquei sem saber o que fazer, e eu saí perguntando para as aldeias vizinhas como se fazia esse tal de oca, e de que forma é a construção dessa oca. Eu andei mais de meses para saber como fazer essa oca, pois o povo começou a me cobrar se eu iria fazer ou não? O povo começou a falar que a oca é o nosso capital de rituais, nosso congresso, nosso palácio, lugar de grandes festas. E lá fui eu fazer a oca e ao mesmo tempo pedindo para a comunidade me ajudar, pois nós somos os nossos próprios arquitetos, e eu tenho registros de fotos com o Isaac no processo de construção, a FUNAI também ajudou no processo de construção, e até hoje temos a nossa oca porque é nela que se conectamos com a nossa religião, e nesse ano queremos reformar a nossa oca, pois ela já é bem antiga.

1:47:37
P/2 - Ezequiel como que você e seu povo receberam essa anulação da justiça com base nessa coisa o marco temporal?
R - A primeira vara da justiça federal se baseou pelo marco temporal, porém eles não conhecem a nossa história, a nossa história não começa em cinco de outubro de oitenta e oito pra cá, e sim em mil novecentos e dez quando os nossos anciões já estavam nesse território, o território que ficava desde ao redor de Dourados, Itaporã, Rio Brilhante até Glória de Dourados. Então os nossos anciões conta que eles também sofreram um despejo em mil novecentos e quarenta e três pelas colônias agrícolas de Dourados, então nós estamos aqui na retomada baseada em nossos ancestrais, e nós conhecemos nossa história e sabemos que esse território é nosso, o BRANCO NÃO INDÍGENA tem o hábito de nos chamar de invasores, eles falam que os índios invadem as fazendas, mas eu te digo que nesse caso os invasores são eles, eles vieram de canoas, canoas grandes, navio e mais barco, pra que? Para explorar o nosso território, explorar indígenas, e quando Pedro Alvares Cabral chegou aqui, ele já sabia que tinha índio, a mata era fechada, era muito ouro, muita madeira, muita fartura de alimentos que índio plantava. Então é isso, hoje eles nos chama de invasores mas não olha para a história atrás, nós somos somente da nossa terra, não somos invasores, e até hoje o governo nos obriga a fazer a carteira de identidade civil, mas nós falamos que a nossa identidade é federal e não vamos fazer, nós indígenas somos federal. E hoje estamos perdendo tudo, todos os direitos, sabe o que parece? Parece que emprestamos o território para eles, e não somos emprestadores, nós somos os donos dessa terra, nós fomos os primeiros habitantes, somos semente e fruto desse lugar e merecemos respeito, nós merecemos que os órgãos da justiça respeitem a nossa voz, os nossos costumes, respeitar a nossa vida é isso que queremos, nós precisamos muitas vezes de ir para a cidade e sempre ouvimos dos brancos olha lá o ‘’índio’’ e sendo que nós somos os povos originários o povo que estava aqui antes, e sofremos muito preconceito direto, às nossas crianças sofre desse preconceito nas escolas, em todo canto que elas vão, e é por isso que eu não fico calado em nenhuma situação, pode vir ministro, o juiz, delegado quem for, eu não fico calado, nós merecemos respeito na justiça.
1:55:31
P/2 - Maravilha Ezequiel, acho que podemos finalizar esse ciclo por aqui, mas eu fiquei curioso na verdade em uma outra pergunta que o Isaac soprou no meu ouvido, diante disso que você está falando de não desistir da luta, porque não desistir? É uma luta tão longa, é um conflito muito longo especificamente em Dourados nessa região aí, o que motiva de não desistir dessa luta tão importante pelo respeito diante de tanta violência que consideram vocês os invasores?
R - Eles nos chamam de invasores mas fingem não acreditar no passado, a primeira invasão foi Pedro Álvares Cabral, eles foram os primeiros , e o próprio governo também, eles devem para todas as etnias brasileiras eles devem bilhões, trilhões de reais para todos os indígenas brasileiros, e sabe porque não desistimos? O erro vem do próprio governo federal, o erro do governo foi repartir os nossos territórios para as colônias agrícolas, eles repartiram sem nos consultar, eles entregavam para os imigrantes que veio de longe, repartia sem criar leis, nos povos originários fruto dessa terra só queremos uma parte desse território para vivermos tranquilos, e porque não merecemos isso? E se nós pedirmos um inventário do país ? Nós indígenas só queremos a quantidade correta para vivermos, manter nossos filhos, esposas e famílias, e é por isso que não estamos desistindo e sim resistindo. O governo saber que temos o direto nas mãos, a lei está ao nosso lado, ao lado dos Kaiowá Guarani e todos os povos indígenas deste país. Volto a falar, o Governo Federal falha em não entregar o território para os indígenas, despejo não é solução, mata índio não é a solução, trocar leis também não é solução, sabe por quê?

O governo que nos mudar, porém ele nunca vai conseguir trocar os nossos costumes, o governo federal não vai mudar nossas comidas, nossas crenças, nossa vida e nossa fala principalmente, e eu te digo que a minha luta nunca acabará aqui, a minha luta vai até o final da vida.

2:01:01
P/1 - Ezequiel a sua luta é realmente muito linda, e eu queria te perguntar uma coisa? Você gostaria de contar algo para gente? Tem alguma história ou algo que você viveu que você não contou e você quer deixar registrado aqui na sua história?
R - Eu vou deixar também uma história que vivi, eu fui ameaçado e perseguido por fazendeiros e pistoleiros, mas aí eu nunca ando sozinho, eu sempre ando com Nhanderú do céu, ando com meus companheiros lá do céu, Nhanderú Guasu que está lá no céu. A primeira ameaça que recebi eu estava indo para a cidade de bicicleta numa estrada, eu estava voltando para casa e vi que vinha um sujeito pistoleiro me perseguindo atrás, mas na minha sabedoria eu fui conversar com o pai do céu, ele me disse assim: Que o caminho da minha sabedoria é minha experiência e inteligência, parece que naquele momento tudo se transformou para eu escapar, o que o pistoleiro me disse? Perguntou de onde eu era e falei para ele que vim de outra aldeia, vim fazer uma visita para meu parente uma pessoa da família. Ele ainda quis saber quem era o líder ou cacique da região ali, falei para ele que era de outro estado. Ele era um pistoleiro moreno cabeludo, e eu nunca tinha o visto ali na região, ele carregava uma mochila nas costas, até pensei que a mochila poderia ser roupa dele, eu achei que ele carregava objeto pessoal na mochila como roupa, dinheiro, calçado sapato, mas não era, a minha sorte foi quando os produtores que plantava soja na beira da estrada com trator e caminhão. Um pistoleiro estava vindo atrás de mim de capacete e moto, e os outros companheiros dele na frente, eu não conhecia esses caras e não conhecia esse homem, pensei poxa vida estou ferrado, mas estou com Deus. E naquele momento eu estava com o meu celular na mão e preparei para ligar para minha menina e disse, poxa estou perdido agora, e eu não chego em casa, disse Deus me proteja nesse momento, mas se querer está tudo bem, se não quiser está tudo bem também. Eu voltando ele me perguntou para onde eu iria, e disse que estava indo para a fazenda onde eu trabalhava e era um pouco mais distante, quando eu fui se aproximando para uma estrada eu vi uma vila entrei pra estrada a dentro, ele entrou mas se perdeu naquela vila, os meus companheiros e minha família foram ao meu encontro, eu recuei para o outro lado e ele abriu bolsa e me mostrou as armas de fogo, munição também, calibres e mais calibre cheio de munição. Ele me encarou e eu pensei que era o meu último momento, eu fiquei tranquilo naquele momento e parece que a minha alma e minha vida havia saído do corpo, eu não estava sentindo nada, eu até poderia reagir contra ele, mas eles estava com mais três homens, ele fechou a mochila na minha frente e viu que tinha os produtores do lado, no soja, isso foi uma das minhas salvações, eles não queria me matar porque tinha gente pela estrada até na vila, logo em sequida os meus companheiros chegaram de moto e me colocaram um capacete e fui embora de moto pra casa, eles levaram minha bicicleta. Eu fui até o Ministério Público fazer uma denúncia para investigar esse caso, e até hoje não tive respostas, e aquele pistoleiros parece que caíram na brachiaria e sumiram, nunca mais foram vistos.
2:11:09
P/1 - Então Ezequiel com essa sua história nos podemos fechar essa entrevista, e queria saber o que você achou de compartilhar sua história, um pouco da sua trajetória com a gente?
R - Então, eu penso nesse momento que eu estou no meio, eu não posso recuar, eu não posso esconder essa luta, a luta dos Guarani-Kaiowá de verdade eu não posso esconder, os nossos anciões sempre falam que temos um rezo principal antes de sair, antes de ir para a cidade principalmente eu sendo liderança, a nossa vida é muito perseguida, eles perseguem mais as lideranças das comunidades. Na cabeça deles matando a liderança eliminando as lideranças, o povo recua e vai embora, mas no meu entendimento e nas minhas experiências quando eu vejo essa situação eu quero ir mais pra cima, quero ir até o fim, quero que seja feito a demarcação da terra e nos Guarani Kaiowá vai lutar sem cansar, nunca vamos desistir só depois de morto, mas tem os nossos filhos e nossos netos que vão continuar lutando. O que não pode ter é medo a verdade é verdade e com os nossos direitos ninguém pode brincar e vamos continuar mostrando nossa luta o quanto ela é forte, e tudo isso mostra que temos que assumir as nossas ações, assumir a nossa missão de exigir a demarcação de terra, e vamos continuar lutando de cabeça erguida. Nos etnias somos verdadeiros, e eles entendem o que nós somos, a justiça sabe o que somos, mas eles querem derrubar os nossos direitos, liberar as áreas para os fazendeiros e sabe o que mais? Os fazendeiros dessas áreas têm filhos que trabalham na justiça, eles são delegados, deputados, juízes, trabalham dentro do governo do estado, e às vezes vira até Presidente da República. Isso acontece nesse país.
P/2 - Eu queria saber dos seus filhos e dos seus netos, o que você sonha para eles, eu queria perguntar agora para o encerramento, o que você sonha para os seus filhos?
R - Eu não quero, e não queria que meus filhos sigam a minha vida, a vida deles se tornarem a minha vida, eu quero que eles tenham família, e não sigam esse caminho longo na luta, sem achar uma solução, e quando irão achar solução? Eu fico pensando quando estou dentro de uma retomada e olho para a minha idade, olho para idade dos mais velhos, será que eles vão ter a sua demarcação de terra? Eles estão preocupados com o sonho deles de entrar na terra, será que eles vão entrar na área? E do mesmo jeito eu penso nas minhas crianças, eu queria que elas vivessem na justiça brasileira e tivesse uma rea para viverem melhor, eu quero que eles tenham uma vida digna, criar os animais deles, ter a roça deles, trabalhar para criarem um reflorestamento do território, reflorestar o que foi acabado pelos fazendeiros destruído, queimado vendido, o nome disso é campo grande, por isso a capital do estado se chama Campo Grande. E o meu sonho é deixar esse legado para os meus filhos, o meu sonho é vê-los reflorestando onde está destruído.