Museu da Pessoa

A Petrobras é indispensável

autoria: Museu da Pessoa personagem: Roberto Villa

Roberto Villa, nascido em Nova Friburgo, Estado do Rio, em 12 de fevereiro de 41.
“TERRA NOSTRA”
Pais: Humberto Villa e Nair Vanelli. Avós: Felice Villa e Ana ou Anita Borchelli. É história de “Terra Nostra”: meu avô veio na frente - fare la America. Ele era músico - tocava no Scala de Milano; era trompetista e operário têxtil, tecelão, nascido ali na Itália central. Conheceu minha avó, que era napolitana, morava perto de Capri; se casaram tiveram quatro filhos na Itália, vovô veio para fare la America e não deu mais notícias, porque não tinha telex, telefone - comunicação dificílima. E um belo dia dona Anita pega os filhos no colo e traz para o Brasil, desembarca na praça Mauá e começa a chorar - porque como é que achava vovô? Passa um vizinho dela da cidade - uma coincidência espantosa - que sabia que vovô estava em Campos, norte do Estado do Rio, tocando numa banda; aproximou os dois. Vovó nunca mais falou com ele, ficou muito zangada, mas viveram juntos - e sem falar um com o outro tiveram mais seis filhos aqui no Brasil. Eu sei falar algum italiano porque era assim: “Fala para ele”, e alguns palavrões; “Fala para ela”. Eles não se falavam, não se dirigiam um ao outro, ela ficou com muita raiva dele, mas viveram juntos, é coisa de italiano - só quem tem família italiana é quem sabe. Ela napolitana. Vovô veio de Campos para Trajano de Moraes, que é perto de Friburgo, e de lá para Friburgo.
Meus avós maternos eram Palmiro Vanelli, também de ascendência italiana, e Maria - eu a chamava de vovó Maria; essa tinha um tipo mais brasileiro. Minha mãe, filha deles, nasceu aqui no Estado do Rio, em Cachoeira de Macacu, e se encontrou com o papai em Friburgo, se casaram e somos três filhos.
INFÂNCIA EM FRIBURGO
Passei a infância em Friburgo. Friburgo era uma cidadezinha de uns 30 mil habitantes. A gente tinha um orgulho enorme do único edifício da cidade - um edifício de quatro andares -, uma cidade muito calma, muito tranqüila. Naquela época era muito gostoso - as crianças brincavam na rua; saía do colégio, chegava do colégio, jogava a pasta em cima da cama, botava um short, um calção e ia jogar bola, ia fazer as traquinagens de criança. Lá eu fiz o meu primário numa escola pública, num grupo escolar - Grupo Escolar Ribeiro de Almeida. Até hoje existe o prédio. É um prédio de arquitetura suíça; Friburgo é colonização suíço-alemã. O meu colegial foi feito no Colégio Anchieta, um colégio de jesuítas, o meu científico feito numa instituição que infelizmente não deu certo, não foi adiante - era um colégio experimental da Fundação Getúlio Vargas, Colégio Nova Friburgo. Ele acabou, era sonho demais para poder sobreviver. Mas era uma vida muito tranqüila, era uma vida sem estresse, brincar, estudar só quando indispensável, pensar em coisas sérias nem sempre, quase nunca. Infância, né?
As brincadeiras da época - olha que já se vão muito anos; brinquedo que brinca sozinho, nem pensar. Hoje tem brinquedo que brinca sozinho pela criança. Então eram aquelas brincadeiras de muito desafio, competição e criatividade: soldado e ladrão, pular carniça - não sei se a expressão em São Paulo é por aí. Você fica assim, o cara pula por cima de você, tem castigo de dar tapa, bater. Joguinho de bola de gude - lá é bola de gude também?
Soltar pipa, mas tudo feito com as mãos. Os brinquedos a gente criava e inventava; roubar frutas no terreno dos outros. Olha, o que a gente gostava mais de roubar era goiaba e ameixa. No Colégio Anchieta tinha uma alameda inteira de jaqueiras, mas jaca é uma fruta muito inconveniente para roubar, é uma fruta pré-histórica, uma fruta muito grande. Nada discreta, mas a fruta, sempre do quintal do vizinho, a fruta roubada era mais saborosa, né? E muito espaço, que não era de ninguém. Friburgo é um vale, a cidade se formou num vale - e nas encostas estava tudo ali para ser explorado. A gente andava pelos matos, brincava de índio, então tinha guerra de índio; tribo contra tribo. Porque nessa época eu não estava naquele período de imbecilização, de torcer pelo soldado americano contra o índio - isso veio depois. Isso eram as matinês das 10 horas da manhã no domingo, e eu... A gente ia para a frente do cinema; trocava revistinha, risadas, vendia números antigos de gibi, revistas infantis. Mas era antes isso: as brincadeiras de índio. Ainda não tinha aqueles filmes americanos em que os índios sempre perdiam no final, foi antes. Era assim: a gente é índio, tinha orgulho de ser índio, gostava. Então tinha flecha - fazia flecha, tentava matar passarinho com flecha. Não dava certo - tinha que ser com atiradeira. Mas uma infância assim bem livre e, para os tempos que a gente fala, bem convencional, nada muito especial, não.
Eu morei em casa, sempre - não tinha apartamento. O único edifício em Friburgo era de quatro andares, ou seis; sei lá - o resto era tudo casa, casinha baixa, as janela na maior parte das vezes comunicando com a calçada, muita gente deixava a janela aberta no verão para entrar aquele ar condicionado de clima de serra, uma vida muito sem estresse.
COLÉGIO ANCHIETA
Um ensino que já foi muito bom no Brasil. Que pena - sendo público, deteriorou tanto. Depois, o que se chamava ginasial. Colégio Anchieta, um colégio de jesuítas nos anos 50. Então aquilo ali foi um primeiro contato com algumas coisas que são, às vezes, quer dizer, ficam marcos na formação da gente. Os jesuítas são militares da Igreja Católica. Inácio de Loyola era um general, uma disciplina muito rígida, um horror ao pecado, a culpa muito grande, certamente seria incompatível com a idade da gente. Entrei lá na admissão - admissão seria o quê? Talvez 10, 11 anos de idade - quer dizer, fala muito em culpa, impróprio. Muita rigidez, uma formação clássica muito forte. Na época nós estudávamos latim da admissão à quarta série do ginásio, sendo que talvez da terceira série em diante

se falava latim. O padre, o professor dava as aulas em latim. Muita visita aos clássicos, muita rigidez. Aí eu fui católico extremado até mais ou menos o final do terceiro, quarto ano do ginásio, quando os sinais da adolescência começaram a aparecer e aí o conflito entre ser um santo e conviver com a explosão de hormônios da adolescência me fez questionar um pouco a religião.
Todos os professores eram padres. Tinha duas exceções: um professor de inglês que morava na cidade e um de matemática; todos os outros professores eram padres ou, como eles diziam, filósofos. Eles terminavam o clássico, entravam num período que era filosofia uma clausura horrorosa, só saíam dali para dar aula, uma visão de mundo hoje discutível, né, mas todos eles me marcaram igualmente. Na Fundação todos me marcaram em outro sentido: alegria de aprender, alegria de pensar, alegria de brincar, alegria de se autodirigir, de se auto-regular. Eu não destacaria um em especial, eu diria todos.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
E aí eu combinei com meu pai. Eu poderia ter feito o clássico - o Anchieta não tinha científico -, meu pai gostaria que eu fosse advogado. Aí eu disse que queria fazer científico e fui para esse colégio de Nova Friburgo, Fundação, que era um colégio experimental. E aí realmente teve alguns dos nossos colegas lá - Marcelo Cerqueira, deputado federal, advogado constitucionalista, um homem bem de esquerda; ele, falando do fim do colégio, disse que aquilo foi um sonho da burguesia que não podia dar certo, professores em tempo integral no científico e ginásio. Eles moravam e tinham casa. Todas as atividades extra-classe um padrão profissional, ginásio de esportes, atividades extra-classe com teatro, cinema. E aí a formação foi muito ampla também ali, ali foi uma descompressão daquele sentimento de opressão daquela religião triste dos jesuítas e assim um descobrir que não ter medo é bom e é importante. Alta disciplina. Era uma experiência muito inovadora - uma vez por ano o colégio ficava sob gestão dos alunos. Então foi assim uma possibilidade de desenvolvimento muito grande, e nenhum compromisso com aquela história de passar no vestibular. Então, já no terceiro

cientifico, estudar filosofia, geografia, história era tão ou mais importante do que se preparar para física, química - porque naquela época já, pela altura do terceiro cientifico eu já estava pensando em química; antes eu pensei em ser médico militar, quando eu estava no ginásio. Aí eu me lembro que eu escrevi aquelas redações, em médico para salvar as vidas e militar para defender a pátria, felizmente isso passou. Depois eu quis ser diplomata, e finalmente, brincando no laboratório de química no colégio da Fundação, eu me encantei com aquela brincadeira das substâncias que mudam de cor, mudam de natureza; eu disse: “Eu quero ser químico”. E tudo que eu sabia de ser químico era que era muito engraçadinho misturar isso com aquilo - saía fumaça; às vezes explodia. Foi assim que eu resolvi ser engenheiro químico.
As matérias que mais me marcaram foram as mais de cunho não científico - eu sempre gostei muito de história; geografia na Fundação já era bem ensinada, não era aquela coisa de memorizar muito, era mais de entender o mundo em que se vive. Eu gostava muito dessa matéria mais de cunho humanista - física, química, matemática, eu estudava simplesmente. Em termos de professor que tenha me marcado assim daquela fase na Fundação, praticamente todos, porque era um nível de professores absolutamente excepcional; no Colégio Anchieta todos me marcaram pela visão opressiva. Então todos eles eram essenciais, não os esqueço jamais.
Naquela época o lazer era passear na pracinha. Ficava assim um footing. E olhar as meninas antigamente se chamava flerte; dali começavam os namoros. Os namoros eram no banco da praça. No inverno fazia um frio danado, e era baile, tinha aqueles bailezinhos, inicialmente bailes em casa de amigos que faziam aniversário, depois os bailes no Clube do 50, as domingueiras ao som de Ray Conniff, Waldir Calmon, feito para dançar 1, 2, 3 foi até 18, dançar - namorar não mais do que isso.
CURSO DE QUÍMICA
Presto imediatamente o vestibular, levo uma bomba redondíssima porque o colégio era assim de ensino muito geral e nada voltado para o vestibular. Aí eu faço o cursinho pré-vestibular. Certamente, para quem vinha de uma experiência, como a Fundação, foi uma coisa assim quase que - não digo massacrante, mas era assim massificação para passar no vestibular. Deu certo, passei no vestibular só fiz para escola a… na época chamava-se Escola Nacional de Química, na Praia Vermelha aqui no Rio, Universidade do Brasil. Ela não era única - existia um curso de engenharia química na PUC, mas a Escola Nacional de Química era tida como a melhor, tinha imensa vantagem de ser uma escola pública, era gratuita e realmente foi uma decisão acertada. Da escola guardo muitas boas lembranças - uma escola muito séria, todos os professores catedráticos davam aula, era uma escola pequena onde houve muito convívio professor – aluno, e numa fase muito rica na vida do país, que foi os albores dos anos 60.
NO DIRETÓRIO ACADÊMICO
Então muito rapidamente eu participei de diretório acadêmico. Aí começa a surgir outra dimensão na vida da gente, que é acreditar no Brasil, no pré-64. Então a gente estava ainda sob o influxos da era Juscelino, dos anos 50, quando o Brasil teve um surto de auto-estima muito importante: Bossa Nova, música brasileira de um modo geral substituindo aqueles bolerões - que eu também gosto de bolero, mas só bolero não dava -, o samba deixando de ser uma coisa do povão, de segunda categoria, se alçando a nossa música; o teatro brasileiro com Vianinha, Glauber aparecendo no Cinema Novo, quer dizer, um surto de auto-estima muito grande. Em 58 a gente ganha a Copa do Mundo na Suécia, com Garrincha, Didi, aquele time maravilhoso! Auto-estima. O Brasil acreditava em si mesmo: industrialização, carro nacional, bicicleta nacional; vovô Felice dizia: “Brasileiro não sabe nem um prego”. E esse período começava a indicar que não era bem assim, e a minha geração na faculdade veio com esse pique, quer dizer, nós somos um povo, uma nação, e algum dia um país que vai dar certo. E a gente se acreditava. Então na Escola de Química, o diretório - embora no início, no pré-64 não fosse um diretório voltado à política, nós tínhamos lá o Centro de Estudos Brasileiros, para os quais convidava pessoas relevantes para falar sobre economia brasileira, sobre problemas brasileiros. Não era aquela educação, que eu esqueci o nome, que se dava no golpe militar - Estudos Brasileiros, por aí. Não era nada disso, era uma coisa livre de debate, e discussão, não era para fazer a cabeça de ninguém.
E fiz parte de diretoria de diretório. Em 64, quando veio o golpe militar, nós tínhamos acabado de perder, a nossa chapa tinha perdido a eleição, a nossa chapa era chapa de esquerda, e logo em seguida nós tomamos o diretório porque a chapa de direita fez um voto de solidariedade - já não era chapa; a diretoria eleita ela fez um voto de louvor e solidariedade à Redentora que surgia, e nós evocamos um estatuto do diretório dizendo que uma manifestação política não podia. Tomamos o diretório de assalto e só fizemos fazer manifestação política, nos opusemos ao regime militar e foi um período bem, eu diria, intenso.
Antes de 64 quase nenhum contato havia entre as outras universidades, exceto um ponto de encontro - é muito importante, que tem muito a ver com a vida cultural brasileira -, que foi o CPC da UNE – Centro Popular de Cultura. Ali a gente encontrava alguns espécimes de outras faculdades, um pessoal mais voltado à arte e evidentemente à política, o negócio ali era fazer a revolução socialista, era libertar o Brasil. E conhecemos ali gente da Filô, como a gente chamava a filosofia; medicina, tinha representantes de toda a faculdade. Após 64 é que na Praia Vermelha - pode ser uma visão particular minha -, eu tenho certeza que foi a química que começou a liderar o movimento de oposição ao regime, diziam que aquilo foi inconstitucional, que o poder tinha sido usurpado etc. Aí fez-se um comitê na Praia Vermelha em que juntava-se a faculdade de medicina, odontologia, farmácia, química, educação física - acabou chegando junto. Desse comitê a gente começou a fazer as ligações com as outras faculdades da Universidade do Brasil, e a Filô era muito ativa, né, alguns morreram na época da luta armada, alguns escrevem jornal até hoje - o Gaspari foi expulso da Filosofia. Então a gente falava com os outros sim, mas por ocasião da contestação do regime.
Eu fui secretário de divulgação cultural, depois fiquei com o cineclube, que era uma parte importante na politização das pessoas. De mais eu não me lembro, mas fiz parte mesmo de, representante em congresso, congressos da UME, UNE, mas felizmente eu sai ileso. Dos militantes daquela época alguns já foram até presidentes da República - dois já; o atual, Lula, não foi bem no movimento estudantil, mas o Fernando Henrique certamente como universitário.
Houve uma reunião estranhíssima para mim na época, nós fomos visitados por San Tiago Dantas, que então era tido como advogado de truste de multinacionais, mas San Tiago Dantas teve um estalo mental e passou a se opor ao golpe militar e

apareceu por lá para conversar com o comitê da Praia Vermelha, acompanhado por nada mais nada, nada menos do que Luiz Carlos Prestes. E lá os dois nos falaram: “Meninos, podem parar, vão com calma que isso não é passageiro não, isso veio para ficar”. A gente quase jogou tomates neles. Isso tinha que ser rápido apenas mais um golpe militar e isso coincidiu com o fato de eu já estar no final do meu curso, já querendo me casar e com os movimentos de rua ficando cada vez mais violentos. Então eu me lembro exatamente aqui no pátio do Ministério da Educação, perto da Graça Aranha, teve um encontro, uma manifestação quanto ao acordo MEC-Usaid, e houve tiros - e do meu lado tombou um menino com um tiro no peito. Ali era hora ou de parar ou de pegar em armas; pegar em armas não me passou pela cabeça. Aí eu me formei, já casado fiz o concurso para a Petrobras e toquei a minha vida profissional.
PROFESSOR DE CURSINHO
Como filho do senhor Humberto Villa, eu tinha que ficar na casa de Maria Villa, irmã dele, em Niterói. Lá fiquei até o momento em que me lembro alguma coisa depois de 64. Deu 64, eu fui me esconder embaixo da saia dos pais, eu fui para Friburgo porque houve uma greve geral de estudantes, parou tudo. Quando eu voltei, voltei já mudando de endereço - fui morar numa pensão em Botafogo, ali perto do cemitério Real Grandeza, medida cautelar, e depois voltei para Niterói. Em Niterói não fiquei mais na casa da minha tia. Fiquei numa república, porque eu precisava dar aula, fui professor de um cursinho pré-vestibular lá em Niterói. Eu já podia me sustentar, a idéia de dar aula era uma boa idéia; poder sustentar a mim mesmo, não pesar para o meu pai. E aí morava em república de estudantes, apartamentos em desordem indescritível e assim foi até o momento que eu me casei. Casei, quando eu entrei para a Petrobras eu já estava casado - aí já morava direitinho com a minha esposa. É um negócio de friburguense, para nós friburguenses a capital do Estado era Niterói. Meu pai, quando vinha ao Rio, na minha infância, ele botava terno e gravata - já houve muito mais liturgia na sociedade brasileira, muito mais temor a não sei lá o quê. Então o topo da escala para o friburguense era Niterói, o Rio me assustava também um pouco pelo tamanho de cidade, é claro que depois eu fiquei íntimo do Rio, gosto, acho uma cidade muito bonita, mas é assim – para o friburguense, Niterói já está bom. Depois se evoluiu para uma coisa melhor, quer dizer, ali eu tinha o meu emprego, eu ganhava dinheiro em Niterói, no curso pré-vestibular, eu podia comprar meus livros, eu podia me sustentar, pagar a minha alíquota na república, guardar dinheiro e até casar. Eu casei com salário de professor de cursinho, que na época era melhor que o salário da Petrobras. Mas ali eu vi que Niterói é uma cidade muito calma e depois que eu fiz o curso na Petrobras, trabalhei na Bahia, Mataripe durante três anos, já tinha Ana Paula nascida, minha filha mais velha, e Guilherme já estava por nascer. Quando eu fui transferido da Bahia para o Rio de Janeiro, primeiro: a grana para comprar um apartamento no Rio era curta - em Niterói dava; segundo: minha esposa era professora do Estado, do Rio Velho, então Niterói era um lugar bom para ela e finalmente a gente acabou descobrindo que para aquele período em que nossos filhos se criaram, Niterói foi uma excelente opção de vida, porque eles podiam ser criados sem esse temor de insegurança. É uma cidade ainda muito mais tranqüila do que o Rio de Janeiro, em que você pode ter uma qualidade de vida por custo muito menor do que o Rio de Janeiro. Então por essas razões hoje eu já me sinto de fato um pouco mais niteroiense, mas até um tempo atrás as minhas raízes mais fortes eram Friburgo - e o Rio sempre um enigma a ser decifrado, fazia faculdade, militar em movimento estudantil, depois trabalhar aqui no Rio na época da abertura democrática - as noitadas intermináveis das reuniões de esquerda etc., mas sempre assim, friburguense respeita muito o Rio, friburguense do meu tempo isso é uma espécie acima do topo máximo da escala.Também acho que era por aí, a mística do carioca, sabidão, mais esperto do que a gente, aquela época a gente falava um pouco diferente do carioca, não tinha a Rede Globo, não tinha essa, mas a gente percebia quando um cara era carioca lá em Friburgo. Hoje, um friburguense falando, ele fala igual o carioca ou sei lá, vice-versa, mas as diferenças culturais eram muito mais marcantes, mesmo com tão pouca distância.
O salário era melhor do que o salário da Petrobras - o salário inicial. O cursinho naquela época, 60 e poucos, os cursinhos vestibulares cresceram muito, e realmente eu dava bastante aula também. Mas quando eu vi o meu salário na Petrobras, o meu salário na Petrobras era uma coisa tipo 60% do que eu tinha ganho no ano anterior, mas Petrobras é um outro papo - quando vocês quiserem, a gente chega lá.
O CURSO DA PETROBRAS
Na Escola de Química, nós tivemos esse ambiente muito brasileiro, e a gente falava em tecnologia nacional, a gente falava em coisas muito brasileiras. Chegando o final do curso, o país estava saindo da recessão pós-movimento de 64, mas as oportunidades de emprego não eram muitas. Aí apareceu a Petrobras com duas coisas: toda a mística que a Petrobras exercia com aquele segmento da juventude universitária que falava de empresa brasileira, legando objetivos nacionais etc., e segundo - acho que foi tão importante quanto o primeiro - é que a Petrobras ministrava um ano de curso para um engenheiro químico mesmo que formado, que era um curso bastante puxado, um curso muito respeitado. Como eu tinha uma autocrítica bastante precisa - ou seja, a gente sai da faculdade sem saber onde é a porta do banheiro, você sai com noções muito gerais, né, eu achei que seria um reforço na minha segurança ter um curso pela frente. Esse curso realmente é um fato marcante na construção da Petrobras, esses cursos de aperfeiçoamento. Então foi esse misto de opção política e de desenvolvimento nacional, opção política - é aquela visão de Petrobras como empresa brasileira. Primeiro a Petrobras era aquele símbolo para nós estudantes, segundo, pela altura de setembro, talvez, foi um representante da Petrobras na escola e falou sobre a empresa, aquilo reacendeu. O parente que eu tinha na Petrobras antes de minha entrada é um primo - ele entrou um ano antes de mim. Então, na época que eu estava considerando entrar na Petrobras, ele ainda estava fazendo o curso da Petrobras, e o que ele dizia da empresa não era nada da empresa, era do curso, ele dizia: “O curso é muito bom, a gente tem que estudar de manhã, de tarde, de noite; é um massacre, mas é um curso muito bom”, mas foi mais pela mística mesmo do que representava a Petrobras e para fazer esse curso.
CURSO NO CENAP
Na época que eu fiz, ele tinha saído da Praia Vermelha e funcionava na Djalma Ulrich, aqui em Copacabana. A origem mesmo dele foi, ele chamava-se Cenap, que ficava anexo na Praia Vermelha o que era o embrião do Centro de Pesquisas da Petrobras, e ali eram ministrados os cursos de engenharia de processamento e outras especialidades; eu fiz na Djalma Ulrich, em Copacabana. Curso, primeiro, puxadíssimo, e segundo, um reforço extremamente útil e eficaz na formação de um engenheiro químico que vai trabalhar tipo numa indústria de petróleo e outras assimiladas, um curso de muito boa qualidade. Aulas das 8 às 6; aula direto, intervalo para o almoço, um regime de aferição permanente - então testes de surpresas; quem tirasse, não me lembro mais a nota, ele era dividido em três

períodos - se você fosse reprovado em um dos três períodos você era desligado da Petrobras. Então um regime assim, tem que segurar o tranco, muita aula teórica durante o dia - e terminava o dia, folha de exercício para fazer em casa. Quer dizer, durante esse ano a madrugada foi uma criança para mim - chegava em casa, os exercícios do dia seguinte, era uma virada direta.
Na minha turma começamos aprovados 16; rapidamente caiu para 15 no primeiro período, porque um foi cortado, e chegamos aos 15 no final. Desses 15, 12 eram da escola que eu fiz, realmente quando eu falei que a Escola Nacional de Química era, porque o concurso era nacional e foram aprovados… a maioria da turma era da minha escola, o que nos uniu muito, uma coisa que lembra um pouco os militares, raciocina muito por turma - e isso na Petrobras é um dado muito interessante, você conhece profissionais do tempo de curso ou perto do tempo de curso. Você pensa em turmas - isso é muito útil para desenvolver equipes, formar equipes, muito mais tarde eu fui chamado para implantar a engenharia básica, tecnologia de refino, fazer projetos mesmo de tecnologia brasileira. Eu fui para o Cenpes, vários da minha turma de Cenpro - a gente chamava Cenpro – Curso de Engenharia de Processamento - foram recrutados por mim para trabalhar nessa atividade nova e responderam magnificamente bem. Então esse conceito de turma, ele é um embrião de equipe muito interessante. Não havia várias turmas ao mesmo tempo, engenharia de processamento só uma, essa turma de 15; ao lado funcionava a engenharia de mecânica e manutenção, e acho que a parte de petróleo e engenharia de reservatório ainda era na Bahia, porque eu não via o pessoal de exploração e produção, mas certamente havia os cursos de aprimoramento deles, que eu acho que na época eram na Bahia.
Volta e meia passava um veterano lá para ministrar um curso. Então ia lá um empregado da Petrobras dar aula de tecnologia específica de refino. A gente olhava como se fosse Deus, né, mas era assim, era professor, e ia embora, foi vida de estudante mesmo durante um ano. Ganhava-se um salário inicial de engenheiro, mas a vida era de estudante.
Funcionava da seguinte maneira: as vagas para engenheiros de processamento eram explicitadas, e a escolha era em função da classificação no curso, então desde que nós entramos no curso o trágico aviso foi dado: “As vagas no Rio são muito poucas, então preparem-se para sobrevoar o país”. Então tinha três vagas no Rio; eu não estava entre os três primeiros, aí fui conversar com a minha mulher, o que a Petrobras tinha na época é muito menos do que ela tem hoje em termos de refino. Ela tinha a Refinaria de Cubatão, que é a mais antiga, Mataripe, tão antiga quanto, Duque de Caxias, e estava terminando a construção Alberto Pasqualini e Gabriel Passos, Rio Grande do Sul e Minas.
IDA PARA A BAHIA
Então fui conversando com a minha esposa a mística de Jorge Amado - foram os livros de Jorge Amado -; fomos para a Bahia, um lugar muito diferente. E quando estava já decidido pela mística, eu falei com um dos orientadores do curso, ele falou: “Vai para a Bahia. Primeiro, não comece a sua carreira profissional fora de refinaria - importante invocar Gilberto Freyre: tem que ter o pé de usina, colocar o pé no chão, ver como as coisas acontecem na parte fabril mesmo”. E ele disse: “Mataripe é uma excelente refinaria para isso porque tem aquela alma baiana”. Isso palavras dele: “Não é tão rígida na organização quanto as outras, e eu acho que você vai ter uma chance de aprender muito boa lá”. A refinaria não era tão desorganizada quanto o folclore baiano, e a chance de aprender foi muito boa, o choque cultural foi interessantíssmo, o choque cultural mesmo. A Bahia ainda não tinha pólo petroquímico, estava começando Centro industrial de Aratu. Eu me lembro assim que ficou incipiente, Salvador não tinha classe média, você olhava na rua era um pessoal bem assim de classe menos favorecida economicamente, e os ricos, muito ricos, se escondiam naqueles clubes maravilhosos - Iate Clube, coisa e tal. Os ônibus eram um cacareco, porque eram para o povo, né? O pessoal melhor andava de carro, portanto uma cidade sem classe média.
Eu morei muito pouco tempo em Salvador, porque Salvador era tão provinciazinha na época que para alugar um apartamento eles pediam um fiador do comércio, você se lembra disso? Isso é uma coisa do tempo colonial português, quer dizer, quem tem crédito no mercado é o homem do comércio. “Mas eu não posso, não tenho ninguém aqui para dar fiança para o aluguel, desconta em cheque, desconta em folha da Petrobras.” “Não, tem que ser fiador do comércio.” Ana Paula, a minha filha mais velha, estava para nascer; a combinação com a minha esposa, Alba, era ficar aqui, Ana Paula nascer e ela ir para lá. Aí eu gastei toda a minha ajuda de custo de transferência vindo para cá de avião nos feriados, porque ela estava no final de gravidez. Aí ela resolve ir, ela vai grávida de oito meses para a Bahia, a gente fica numa pensão na rua Direita da Piedade. Ana Paula nasce no hospital português; a gente vai para uma casa, um apartamento em Brotas de um casal que estava fugindo da repressão - aí já estava pleno ano de chumbo mesmo, 68. Ficamos nesse apartamento durante um tempo, até que a refinaria liberou uma casa que tinha. As coisas eram tão distantes lá que a refinaria tinha uma vila residencial com umas casas para os empregados, aí liberou uma casa na vila de Mataripe - nos dava mais tranqüilidade, porque a gente não conhecia ninguém, aí eu ficava a dois minutos do trabalho e da minha casa, né? Aí nós moramos esse tempo restante na vila de Mataripe, que acabou, foi tomada pela refinaria, que cresceu - virou só saudades, mas a Petrobras dava, digamos, esse atrativo para você ir para Mataripe.
Mataripe era pequenininha, estilinho bem americano, com ruas muito limpas, casas de madeira prensada; as casas dos chefes eram de alvenaria, então quando você chegava a morar numa casa de alvenaria já era status, mas mesmo aquelas de madeira prensada muito dignas, com serviços bons, bem limpinhos, padrãozinho Petrobras, bem mantido.Tinha um supermercadozinho mixuruca em Mataripe, e a gente ia a Salvador fazer as compras. A distância é a mesma, perto de 68 - algo me diz 80, mas digamos 70 e tal quilômetros, uma estradazinha complicada, porque já na minha época era pavimentada, antes era jipe atolava e tal. Não tinha comunicação telefônica em Mataripe, e Salvador - uma das razões que fomos morar na vila de Mataripe, porque se acontecesse alguma coisa ou comigo ou com ela não tinha telefone, no período de gravidez que ela estava lá a gente se falava por rádio-amador, telefonar era uma proeza, não tinha comunicação.
ÁREA DE PROJETOS NO RIO DE JANEIRO
Ficamos perto de três anos, e aí estavam se avizinhando os tempos da grande arrancada no refino. A Petrobras começou longe de ser auto-suficiente, ela era “baixo-suficiente”; não produzia quase nada de petróleo e não tinha auto-suficiência no suprimentos de produtos. Então de 68 para 70 foi construída a Refinaria de Paulínia; completaram Gabriel Passos e Alberto Pasqualini; Refinaria do Planalto em Campinas começou a ser feita, e havia uma previsão de 200 mil barris novos de refino a cada 2 anos. Então naquela fase foi dar o grande pulo para tornar o Brasil auto-suficiente em derivados a custo de petróleo importado. Então era requerido um enorme esforço de engenharia para coordenar ampliação das refinarias existentes e estruturação das novas refinarias. Então eles fizeram a sede, que não era no edifico-sede da Petrobras - não existia, era lá no Presidente Vargas com Uruguaiana, no edifício Banco de Tóquio. Eles arregimentaram engenheiros em refinarias, e eu fui um deles. Então eu vim transferido para trabalhar na área de projeto do Departamento Industrial, área de refino no Rio, na Uruguaiana com Presidente Vargas, onde eu fiquei até 73, quando eu fui mandado para os Estados Unidos para acompanhar um projeto de refinação - porque muita coisa estava acontecendo em refinação. Ficamos quase um ano lá; quando eu voltei, achei o edifício-sede pronto e atravessei a ponte Rio/Niterói pela primeira vez também. A ponte, quando eu viajei, estava começando a obra.
ENGENHARIA BÁSICA
Fico como engenheiro - embora com cargo de chefia, mas metendo a mão na massa, trabalhando até o momento em que a área industrial resolve encampar um programa para processamento dos petróleos nacionais. Estava dando muito problema na área do refino. E um diretor da área industrial me tirou do Cenpes para ficar como assistente dele, para ficar monitorando de perto o Departamento Industrial na aplicação desses problemas que consistiram inclusive na colocação de algumas tecnologias desenvolvidos pelo Cenpes. Então eu fiquei como assistente de diretor especial para a área industrial, monitorando esses programas de fundo de barril, transformação de asfalto em gasolina, óleo combustível em diesel - porque na época sobrava óleo combustível, porque o petróleo de Campos era mais pesado e estavam faltando esses derivados mais nobres. Ali fiquei até o momento que houve a guerra das Malvinas, e a gente levou um susto porque os americanos e ingleses cortaram suprimentos de catalisadores de FCC, craqueamento catalítico em leito fluidizado para a Argentina - sem esse catalisador o refino argentino pára. Os argentinos conseguiram algum catalisador de algum vizinho aí escondido dos gringos. Mas a situação chamou atenção da diretoria toda, nós tínhamos um refino muito apoiado nesse processo de craqueamento, o catalisador era todo importado, a mentalidade de segurança nacional ainda estava muito presente na direção da Petrobras, então decidiu-se fazer uma fábrica de catalisadores de craqueamento no Brasil. Eu fui posto na frente de seleção da tecnologia do parceiro da configuração desse empreendimento todo, e aí teve muitas discussões, a gente não abriu mão do fato: “Nós vamos trazer uma empresa estrangeira para produzir catalisadores no Brasil, não podemos abrir mão de dominar a tecnologia”. Porque ali estava o poder. Então ali foi feita uma reestruturação na área de catálises do Cenpes, que não estava dando as respostas adequadas. Antes da fábrica de catalisadores entrar em operação, a gente começou a patrocinar teses de mestrado e doutorado de meninos recém-formados, já com direcionamento específicos. A fábrica foi implantada, entrou em operação - a fábrica está lá em Santa Cruz operando até agora. Ela tem 40% de capital holandês, tinha 40% de capital Petrobras e 20% de Grupo Ultra. Parece que agora ela ficou 50 Petrobras e 50 grupo holandês. Tecnologia nossa - quer dizer, inicialmente tecnologia deles; uma das grandes surpresas foi que um dos meninos cuja tese de doutorado foi suportada por nós - a fábrica com um ano e pouco de operação -, nessa altura já estava na fábrica de catalisadores, ele mudou completamente o processo de produção por uma tecnologia brasileira, assim paf, um menino de 28 anos, quer dizer, é um povo que se plantando tudo dá. E a Petrobras é o exemplo, quer dizer quando você faz as coisas bem feitas, quando você dá condições a pessoas, a resposta sempre é pra lá de boa.
PASSAGENS POR VÁRIOS CARGOS
Eu comi um pedaço grande como assistente de diretor, implantando essa fábrica de catalisadores. Eu fui superintendente-adjunto do Departamento Industrial em 85, assim que veio a Nova República, depois eu fui superintendente geral da área de refino e depois diretor industrial em 89. Quando o Collor chegou, eu fui convidado a ir para o raio que me carregasse - eu fui com muito prazer e fui parar em Santa Cruz, onde a fábrica estava sendo feita. Eu peguei a primeira operação dela. Voltei da fábrica de catalisadores para ser diretor da Petroquisa, depois voltei para ser diretor comercial - aí vale a pena contar, eu nunca tive muita aptidão como empregado da Petrobras para conversar com político. Então a primeira vez que eu fui diretor industrial, foi o presidente da Petrobras que me escolheu, na época era o Orlando Galvão. A segunda vez foi uma história muito interessante. Eu já tinha as minhas andanças pela Petroquímica, e lá pela Petroquisa eu olhava para as participações que a gente tinha no Sul do Brasil, e tinha lá uma empresa que comprava o propeno, uma empresa onde nós, Petroquisa, éramos acionistas majoritários. Nós produzíamos, e tinha uma empresa vendendo, comprando a preço meio baixo demais. Então eu fui lá e meti o preço nele. O presidente dessa empresa era nada mais nada menos do que - então diretor superintendente,

presidente - Pratini de Moraes, que era presidente da PPH, polipropilenos lá do Rio Grande do Sul. Ele ficou feroz comigo, muito feroz, ele veio aqui ao Rio e perguntou se eu não podia? Nada, preço é preço - uma briguinha normal, mas eu vi que ele ficou zangado. E um dia eu dirigindo meu carro, eu diretorzinho da Petroquisa eu escuto no rádio que o Pratini ia fazer parte do Ministério do Collor, quando o Collor estava fazendo aquele esforço de limpar o filme fez o Ministério dos Notáveis: Adib Jatene, Célio Borja, Pratini como Ministro de Minas, eu falei: “Ih rapaz, para a Petrobras eu não volto nunca mais, que o homem deve estar bravo comigo”. Nessa altura já tinha um escândalo PP na Petrobras, o Collor inaugurou bem o governo dele na Petrobras, a Petrobras estava numa confusão, página policial. O Pratini, já ministro, me chama no apartamento dele, aqui no Leblon, e a primeira pergunta que ele faz - eu não tinha intimidade quase nenhuma com ele -, a primeira pergunta que ele me faz: “Aquilo que você fez foi só comigo?” “Que aquilo? Eu cobrei o preço, estava lá.” “Mas não teve nenhuma implicância pessoal?” “Não, não teve nada.” Bom, enfim, ele me fez uma sabatina de 5 minutos, e no fim ele disse: “Você vai ser o meu diretor comercial”. Eu disse: “Não é a área onde eu me criei”. “Não, mas você pelo menos está bom para tirar a Petrobras das páginas policiais”. Ou seja, é deixar o corpo da Petrobras operar da maneira que sempre operou, pela maneira mais eufemística. A Petrobras é uma empresa muito sadia no seu corpo técnico, felizmente não precisou fazer grandes coisas assim punitivas, mas uma ou outra infelizmente foi necessária.
PETROQUISA E SAÍDA DA PETROBRAS
E eu me transformei num diretor comercial, coincidente com o processo de desestatização da petroquímica, e eu acumulava a diretoria comercial com a presidência da Petroquisa. Aí eu resolvi brigar com o governo quanto ao processo de desestatização, e teve um dia que eles me mandaram embora. O Itamar assinou um decreto dizendo: “Está exonerado da diretoria”. Eu deixei aí uns recortes da imprensa para vocês. Eu ganhei mimos do tipo "Eliminada uma pedra do sapato da desestatização”. Enfim, mas eu tenho certeza que muita coisa que eu falei na época infelizmente está acontecendo, a desestatização foi muito malfeita, não devia ser feita daquela maneira, não devia ter erradicado a Petrobras da petroquímica, correndo o risco de sair do que não era o monopólio e correndo o risco de virar um monopólio privado. Por aí para acontecer, o setor ficou desarticulado. Hoje eu vejo com muita alegria a Petrobras voltando gradualmente à área de petroquímica. Infelizmente isso acabou com os meus dias na Petrobras. Com essa exoneração eu voltava pela segunda vez diretor você vira um piano de cauda branca, né? Onde é que eu ia ficar? Pedi demissão. Quer dizer, você deixar uma amante possessiva pela qual você é apaixonado, quer dizer, foi fácil porque não dava mais, mas foi muito difícil, foi cortar uma vida de 28 anos, era o que eu tinha quando eu pedi demissão da Petrobras, mas falo com orgulho, sai leve, livre e solto. Nem da Petros eu fazia parte, não entrei no fundo de pensão, porque no tempo que eu era mais cabeludinho, assim, que apareceu a Petros, eu disse: “Que aquilo era um privilégio inaceitável das classes dominantes”, não entrei, achei um privilégio. Hoje é uma política trabalhista de empresa moderna, naquela época eu achei que era privilégio, saí absolutamente descomprometido com a Petrobras, tive um pouquinho de dificuldade de escolher pelo novo emprego, porque a maior parte dos convites dizia respeito ao setor petróleo - ficava complicado, eu estava muito inside.
RIO POLÍMEROS
Apareceu esse projeto do Pólo Gasquímico em Caxias, que veio dar na Rio Polímeros, onde eu estou, no qual a Petrobras é sócia, que é um projeto de interesse também da Petrobras. Me convidaram; eu disse: “Opa, é ali que eu fico” e estou há 6 anos, 7 ou 8, sei lá. Um empreendimento já em bom percurso, nós vamos ter operação em 2004. E eu não me livrei da Petrobras e nem ela de mim, porque estamos juntos ainda, a Petrobras é acionista muito querida, muito importante na Rio Polímeros, que eu dirijo atualmente. É uma empresa brasileira de capital privado, você tem a Suzano Química com um terço das ações preferenciais, a Unipar - as duas são brasileiríssimas - com outro terço, e o terceiro terço é repartido entre Petrobras e Bndespar. Lá na frente, Bndespar certamente vende as ações, a Petrobras tem direito de preferência. Hoje está em implantação, tem uma obra enorme lá em Caxias, um projeto de 1 bilhão de dólares em investimento. Vai fazer polietileno, plastiquinho ligado à vida corriqueira de todo mundo - embalagem de comida, saquinho de lixo, bolsinha de compra de supermercado; o poder aquisitivo da população sobe um bocadinho, o consumo de polietileno dispara. O polietileno é um bom indicador para você ver como é que a injustiça social brasileira é muito grande: a simples estabilidade monetária trazida pelo Plano Real, que no seu primeiro ano teve quase um crescimento zero na sua indústria, o polietileno cresceu quase 15%; a estabilidade permitiu que o pobre pudesse comprar leite que vem no saquinho de polietileno; feijão, bolsinha de compra. Impressionante como ainda tem camadas importantes da população brasileira abaixo do nível mínimo do consumo digno, impressionante, mas vamos ver se melhora. Nós somos o primeiro projeto petroquímico a gás natural produzido na Bacia de Campos. Vamos transformar gás natural em polietileno, com a planta lá em Duque de Caxias. O projeto está em bom curso, está bem. Não tem um pólo petroquímico do Rio, né, lá em Caxias já tem três ou quatro empresas petroquímicas - tem Polibrasil, Petroflex, Nitroflex, Rio Polímeros; agora ali já pode até somar um pólo, mas aquele conceito do pólo com nafta etc., como diz o Casseta e Planeta: “Me inclui fora disso”. Aí a Rio Polímeros está com outro tipo de matéria-prima produzida no Brasil, na Bacia de Campos, não tem a confusão da nafta que hoje é importada em boa parte; é um projeto feito para dar certo que vai dar muita alegria à Petrobras.
Em alguns segmentos da indústria petroquímica o índice de reciclagem está começando a ser encorajador. Por exemplo, aqui no Brasil garrafa de pet, garrafa de refrigerante, virou uma fonte de emprego. É um fato social, o catador de pet ele ganha a coisa com 400, 500 reais por mês catando garrafinha de pet na praia, lata de refrigerante - que não é petroquímico, na área de polietileno ainda está no começo. Ele é reciclado e volta para o processamento e vai dar novas garrafas. Ou fazendo xales maravilhosos, eles voltam a fibra e fazem tecidos e com criação artística fazem roupas maravilhosas de pet, móveis; tem uma escola de samba aqui no Rio que são todas de polietileno as fantasias. Já existem movimentos iniciais, mas é uma coisa que se não for iniciado um movimento forte a petroquímica coloca produtos tão baratos que a tendência é crescer e a gente acaba ficando entulhando aí num monte de plástico que não serve pra nada.
PRODUÇÃO DE FCC
Aí em 75, engenharia básica Cenpes - não perdi o fio de nada, é por aí mesmo. Interessante notar que a Petrobras nesta fase já atingia a auto-suficiência no refino, e as estruturas governamentais, embora em pleno regime militar, começaram a fazer muita pressão para nacionalizar a tecnologia de refino, porque foram tantas refinarias compradas, tantas as unidades em que se comprava tecnologia no exterior, que a Finep fez uma carga muito grande em nível alto por cima, governo dizendo: “A Petrobras tem que tomar vergonha na cara e desenvolver sua tecnologia de refino”. Foi aí que foi feito um grupinho de trabalho pioneiro que foi feito o coordenador um assistente do diretor Leopoldo Miguez de Melo, que hoje é nome de centro de pesquisas. Ele foi sucedido pelo Orfila, que parece que é um dos entrevistados aqui. O objetivo era fazer um projeto brasileiro de um palavrão, craqueamento catalítico em leito fluidizado; é uma terminologia de petróleo bastante sofisticada de refino. É um nome bonito, é uma unidade muito importante no refino até hoje aqui no país. Mas era muito ambicioso, era começar assim: você ainda não fez o Ford bigode e já quer fazer uma Ferrari. Evidentemente foi uma jogada política. Eu era não diria ainda um especialista, mas eu conhecia bastante desse processo. Chegamos até um ponto que daqui para diante não dá mais. Foi feito um acordo com uma empresa americana detentora dessa tecnologia, e o especialista dela disse: “Olha, eles não vão fazer sabendo, mas vão copiar”. Eu fui direto para a metodologia chinesa “Se for para fazer um FCC - é o apelido - brasileiro eu copio; nós temos vários aqui no Brasil”. Aí o cara resolver ser pragmático e trocou isso por negócios: “A gente faz uma transferência de tecnologia com vocês daquilo que você não sabe fazer”. E o Ivo Ribeiro, que é coordenador, comprou parece três ou quatro plantas de amônia daquelas, foi um negócio bem feito, e isso nos levou a ir para o Cenpes, Irineu Soares, Ivo Ribeiro e eu, três. O Ivo já era uma big boss, Irineu e eu engenheirinhos. E ali foi uma das fases da Petrobras de que eu tenho muito orgulho, que a gente estruturou essa equipe de engenharia de refino que coloca hoje a Petrobras assim no estado da arte em termos de tecnologia de refino no mundo. Sabemos fazer todas as tecnologias que definem a qualidade de refino, que se adaptam a óleos que a Petrobras descobre que são peculiares, foi um empreitada de muito sucesso e para mim de muita alegria - que trabalhar em desenvolvimento de tecnologia na Petrobras é alegria dupla. O grupo inicial foi assim: “Faça a lista”. Era mais familiarizado com os engenheiros de processo, engenheiros químicos: “Faça a lista que a gente traz de onde eles estiverem”. Foi muito apoio.
O Cenpes ganhou força. Foi em 75, 76 em diante - e rapidamente a gente começou a dar produto. Logo de início fizemos um projeto de uma tecnologia que estava em bancada lá no Cenpes - não saía dos vidrinhos, resina san. É uma resina que substituiu o acrílico, copinho de bebida em avião. A gente colocou isso em atividade industrial logo de cara, muito rápido; desenvolvemos uma tecnologia brasileiríssima de produção de eteno, que é uma matéria-prima petroquímica, a partir de álcool. Estava em pleno programa nacional do álcool; desenvolvemos uma tecnologia que é patenteada no mundo, foi instalado uma planta industrial na Salgema, no Nordeste; foram vendidas duas ou três plantas para países como Índia, Paquistão, que têm dificuldade de conseguir eteno de petróleo e tinham cana-de-açúcar. Foi uma tecnologia que teve lá o seu momento de glória. Primeira planta de gás natural. E depois todos esses programas de adequação do refino aos petróleos brasileiros chegados. E aí nisso nós chegamos à tecnologia de craqueamento catalítico em leito fluidizado. Hoje a Petrobras tem duas unidades funcionando com tecnologia brasileiríssima, uma em Mataripe e outra em Mauá, na Refinaria de Capuava, planta de transformação de resíduo em derivados mais nobres – palavrões, aqui: coqueamento retardado, hidrotratamento. Enfim, foi uma avalanche de criatividade e de devolução de resultados muito rápidos para a Petrobras, foi um período muito bom.
TRANSFERÊNCIA DE KNOW-HOW
A Petrobras tinha como missão desenvolver fabricação nacional de equipamento, desenvolver a capacitação da indústria de serviços no Brasil. Então num projeto de uma planta química ou de petróleo ou petroquímica, você tem uma fase que ela é medular, ela é nodular em tecnologia. Essa é a fase em que você emite numa engenharia básica ou numa engenharia de processo. Essa era a nossa, essa engenharia básica pode ir um pouco à frente; a gente ia à frente em informações para possibilitar que equipamentos fossem comprados no Brasil e para possibilitar que empresas brasileiras que não tinham a qualificação para receber só grande receita do maître pudessem fazer a engenharia de detalhamento. Então a gente levava até um ponto em que as empresas brasileiras pudessem ser contratadas para fazer o detalhamento, compra de equipamentos, construção e montagem. Era missão. E nessa época floresceram varias empresas de engenharia, de capital brasileiro, de know-how brasileiro. A Petrobras transferindo muito do seu conhecimento para essas empresas, que infelizmente estão vivendo fases difíceis. Empresas como Natron, Promon, Internacional de Engenharia, Dina Engenharia, empresas brasileiríssimas que se apoiaram na Petrobras como instrumento de desenvolvimento de uma indústria de bens e serviços no país. A gente às vezes até transformava um pouco o projeto de processo para poder comprar um equipamento feito no Brasil; se o fabricante não tinha capacitação, os órgãos de engenharia da Petrobras passavam aqueles preceitos de certificação ISO, qualidade. Foi uma contribuição enorme que a Petrobras deu ao parque industrial de serviços brasileiros. Então a gente emitia um book, que era um livro de engenharia básica. Ele era entregue a empresas brasileiras que faziam um detalhamento, compra e montagem - e sempre um de nós assistia essas fases posteriores, para ter certeza que as coisas seriam feitas de acordo com a nossa tecnologia. Não havia xenofobia, mas era de preferência a empresas 100% brasileiras.
PATENTES
A patente é da Petrobras. Eu nem sabia disso, fui aprender essas coisas lá no Cenpes, mas parece que está no nosso contrato de trabalho ou por ocasião de alguma idéia patenteável. É uma das duas; a gente assina um termo renunciando a direitos individuais de patentes. É de propriedade da Petrobras, e aí havia discussões muito grandes que não vêm ao caso. E eu era contra aplicar patentes, porque você normalmente toma cuidado com patentes como um instrumento de defesa, você tem uma idéia sua, que está operando aqui, você toma cuidado para que não chegue um gringo e diga: “Essa tecnologia é minha; vou te cobrar royalties”. Aí cabem algumas medidas na área de patentes. Agora, nós Petrobras, embora a empresa seja gigante, mas o Brasil nem tenta colocar patente no mundo. Simplesmente, o que fizeram aí a torto e a direito? Copiaram as nossas idéias e ganharam nossas patentes, a gente não tem a sétima frota, não pode ir lá e pegar eles, então é meio cético. Mas algumas sem dúvida tinham que ser registradas - ou pelo seu caráter extremamente criativo, inovador, ou até como medida defensiva mesmo.
DESCOBERTA NA BACIA DE CAMPOS
Eu estava falando ali fora, havia um relatório, há um relatório que foi um relatório muito controverso aqui no Brasil, de um geólogo americano chamado Link, relatório do Link. Esse relatório era lido pela esquerda como um todo, eu vi esse relatório sem nunca ter lido durante muito tempo como uma grande safadeza, quer dizer, “nesse país não tem petróleo”, para eles virem e tomarem o nosso petróleo. Mas consta que o que o relatório do Link dizia era o seguinte: “Se vocês querem achar petróleo, desistam do continente: vão para o mar”. Aí, lá pelo 60 e muitos, quase chegando aos 70, a nossa turma sabia fazer sísmica em alto-mar - não sabia tirar petróleo de água profunda, e a sísmica indicava que tinha petróleo para lá das 10 milhas; dentro das 10 milhas, quase nada; para lá das 10 milhas, muita coisa, Bacia de Campos. E aí foi feita a lei das 200 milhas, que naquela época era fácil -

general de cá falava com o general de Brasília: “Faz uma lei aí mudando essa história de águas territoriais, porque tem muito óleo ali, e se a gente não disser que é do Brasil, qualquer maluco chega bota a sua sonda ali”. E eles já sabiam tirar petróleo de águas mais profundas do que nós. Mas dizia eu então que na época era fácil - o general daqui falava com o general de lá: “Faça a lei das 200 milhas”. E ela foi feita, sem dar grandes explicações, porque a lei foi contestada internacionalmente, alguns países disseram que não iam reconhecer e foi encomendado, como dizia - tem um compositor brasileiro que eu gosto, tanto como cantor quanto compositor, João Nogueira -, foi feito meio que sob encomenda o samba das 200 milhas; não sei se vocês lembram: “Esse mar é meu, leva esse barco pra lá pescador, pescador dos olhos verdes vai pescar em outro lugar, das 200 para lá”. Ele sabia que era petróleo, porque eu acho que o João era ligado a movimentos mais nacionalistas, o João Nogueira, e fez sob encomenda. É um fato marcante, que me fez gostar mais ainda dele, e o que se deve dizer da coragem dos dirigentes da Petrobras foi que naquele momento eles pararam - praticamente pararam com a exploração em terra, se atiraram nas águas profundas, sem que a Petrobras soubesse explorar o petróleo em águas de maior profundidade, foi um pulo no desconhecido. Já se sabia, a sísmica indicava.
Não sei se o Alfeu falou, mas é fácil fazer aquilo - quer dizer, fácil para eles. Simplificando, você pega um navio, amarra uma porção de dinamitezinhas - hoje deve ter coisa menos agressiva ecologicamente -, você detona uma carga de dinamite; a onda sonora vai lá no fundo do mar, volta, é capturada. Isso se transforma num borrão no computador, e os geólogos e geofísicos dizem: “Aqui tem petróleo”. Você não precisa ir lá no fundo do mar para saber. Então sabia-se que tinha muito petróleo. O que não se sabia é como tirá-lo a partir de uma certa profundidade. E a resposta da Petrobras foi um negócio brilhante, porque foi-se aprendendo a fazer, e hoje a Petrobras é líder mundial em águas profundas. Essa fase anos 70, portanto - 73 foi a primeira grande descoberta Garoupa, na Bacia de Campos - coincidiu com a ultima refinaria grande nova feita pela Petrobras; foi a Refinaria de São José dos Campos. E daí por diante, durante essa década de 70, mais de 70% dos investimentos da Petrobras eram exploração e produção, porque tinha uma vez alcançada a auto-suficiência no refino. Estava na hora de dar a resposta àqueles detratores da Petrobras que diziam que a Petrobras só é boa do chão para cima: “A Petrobras não produz petróleo, a Petrobras não sai do lugar e tal”. Então houve um esforço muito grande, que coincidiu com a criação da nossa estrutura de tecnologia de refino, e a gente ficou esperando coisa nova, “Não tem mais saimento”, o diabo que teve muito, porque à medida que a gente foi conhecendo a qualidade do petróleo brasileiro, foi necessário desenvolver como se fosse outra tecnologia para processar o petróleo que só nós temos e conhecemos. E o petróleo da Bacia de Campos é um petróleo mais pesado também, mais pesado, com características que a gente às vezes leva um susto, a gente exportava muito combustível de aviação para a África, e quando os petróleos brasileiros começaram a chegar e ser refinados, a gente começou a receber queixa que o combustível de aviação ficava escurecido na chegada, era uma característica do petróleo que não aparecia nas avaliações clássicas. Então houve algumas surpresas que provocaram desenvolvimentos de tecnologias. Inclusive, na própria especificação por exemplo de combustível de avião, que é uma coisa delicada, mas a resposta da Petrobras, como sempre, foi precisa. Então a Petrobras hoje tem um equilíbrio muito bom, ela é pioneira, ela é líder em desenvolvimento de produção em águas profundas e tem na área de refino uma tecnologia capaz de dar as respostas pra transformar este petróleo em produtos a custos empresarialmente competitivos.
SINDICATO DOS QUÍMICOS
Eu fui diretor do sindicato, a minha carreira política subversiva terminou, como eu contei, lá naquela manifestação no antigo Ministério da Educação. Aí começa a ter os albores da abertura democrática - ano 75, 6, 7. Então ali é a época em que quem tinha compromisso com o futuro do país, com a democracia, enfim, a ordem era ocupar todos os espaços democráticos e brigar pela abertura. Então eu fui diretor do Sindicato dos Químicos, engenheiros químicos do Rio de Janeiro - creio de 77 a 79; antes disso eu fazia parte do sindicato e depois disso eu ainda fiquei um tempo fazendo parte. Militei bastante no Clube de Engenharia, que era um centro assim de muita discussão política; fui sócio da Aepet, então naquela época o negócio era abertura democrática, era o que cabia a pessoas com juízo, que não foram à luta armada e nem ficaram na clandestinidade, era o que cabia fazer. Então, mesmo não concordando com esse conceito de Sindicato de Químicos, engenheiros químicos - eu achava que devia ser Sindicato de Petroleiros todo mundo, isso vem da carta del lavoro, tem uma história antiga aí -, mas era um espaço, e a gente ocupou esse espaço. Então eu tive lá uma militância sindical. Me serviu pelo menos para uma coisa: eu fui numa conferência do SBPC, e o presidente da Petrobras, que queria me demitir. E a imunidade sindical me fez um bem danado, serviu como aprendizado. Esse era meio zangadinho, não digo o nome dele nem sob tortura. Mas foi importante você se sentir participando do movimento de você restaurar o país a um regime democrático - era a obrigação de todos nós, né?
Não participei do Sindipetro. A participação foi ao contrário, porque em 85, quando eu assumi a superintendência-adjunta do Depin – Departamento Industrial, Área de Refino, eu tive que enfrentar uma crise de identidade muito grande. Porque, primeiro, greves na Petrobras não eram usuais; segundo, na minha cabeça greve é um direito do trabalhador, greve é um instrumento de luta etc., greve não é um monopólio como a Petrobras. Se falta produto, como é que fica? Gente doida para dizer: “Olha, está vendo o que é que dá o monopólio, essa turma de marajás que ganha bem pra diabo fica fazendo greve etc., e a gente fica aqui sem produto”. Então foi um período que realmente eu não se foi complicado, foi um período que eu tive que ficar do lado patronal da greve. Então o que dá para dizer que tenho alguns amigos, não são muito poucos, que eram dirigentes sindicais naquela época - porque a gente procurava sempre conversar, mesmo que tivesse que tomar atitudes um pouco mais fortes, e sei lá - uns outros, que não ficaram meus amigos, sei lá o que eles podem pensar; têm todo o direito de pensar. Mas para uma cabeça como a minha, ficou um negócio muito complicado. Era assim: “Não pode faltar produto, monopólio tem esse compromisso, o empregado da Petrobras tem que saber ter esse compromisso”. Em alguns instantes a greve era mais do que justa, porque cortaram alguns benefícios, conquistas de trabalhadores, foi difícil, e eu quando saí dessa linha eu fiquei menos estressado, porque você tinha que se dividir entre as duas coisas, né?
A FAMÍLIA
Conheci minha esposa na pracinha, ela era minha vizinha, ela era friburguense também, eu vi ela passar, achava ela bonitinha; depois os bailezinhos e tal. Nós começamos a namorar muito cedo, eu acho que eu tinha 16 para 17 anos, e foi a minha última namorada. Eu não ia a Friburgo todos os finais de semana, mas ia com uma certa freqüência.
Acho que ela lembra com muita saudades do período que passamos em Mataripe. E foi um período emocionante, porque foi a primeira filha. Ainda em Salvador a gente começou a esperar o Guilherme, o segundo filho, vida em construção, o baque profissional - ela teve que se afastar do trabalho; não é que tenha compensado, mas ela conseguiu trabalhar num ginásio daquela campanha nacional de educação gratuita. Na época ela era professora de português, muito mais tarde, com os filhos criados, mal-impressionada com o descaso da educação, ela fez um curso de fonoaudiologia e hoje ela tem uma oficina de trabalho em texto, trabalhar criatividade; ela está por conta dela. Mas ela via com entusiasmo. Nunca sentiu ciúmes da Petrobras, embora o dia que eu me demiti da Petrobras, ela disse: “Puxa até que enfim”. Não por um descaso da Petrobras, mas a Petrobras sugava muito.
Tenho dois netinhos. Bom, filhos são três - depois eu vou ver se eu mando a fotografia da família, completa, porque eu só trouxe a Ana Paula, minha esposa.

Ana Paula, a minha filha mais velha, e Guilherme dentro da barriga dela - que não está visível, ela estava gravidinha naquela foto da Bahia, tem Guilherme. Ana Paula é promotora de Justiça hoje, casada, já nos deu dois netinhos, Leonardo e Beatriz, 5 e 2 anos. Guilherme é médico cardiologista e aprendiz de saxofonista, herdou o talento musical do avô, ele tem um talento musical acentuado. E Fabiana, a mais nova, ela é advogada e trabalha no Tribunal de Justiça, ali perto da rua do Acre. Fabiana está casada, e o Guilherme está solteiro, então chance instantânea de mais um neto é da Fabiana, mas são dois netinhos lindos, maravilhosos.
Desde que vim de Mataripe me instalei em Niterói. Em Niquite e lá ficamos, agora mais do que nunca com a melhoria salarial da Petrobras, na Petrobras ganha bem, eu saí da Petrobras e pude comprar uma casa melhor em Niterói, e agora é uma casa que virou ponto de encontro da família. Então agora que está arraigado mesmo, os finais de semana são sempre com amigos e família.
A ORIGEM POPULAR DA PETROBRAS
Eu tenho duas coisas, ou uma - rapidinho, pegando a pauta de vocês, eu levei a sério: “Um novo olhar sobre a história do Brasil”, aquilo é para valer? Então, ao ensejo de 50 anos da Petrobras, como é que seria no meu entender a maneira nova de olhar a história do Brasil? A gente registra - o professor de história me deu mais uma que eu não sabia – a gente nos movimentos de industrialização no Brasil - Barão de Mauá, Vargas na ditadura, quando fez a CSN -, nesses dois momentos, nenhum movimento popular absolutamente de cúpula. Isso vindo de um ensino de história; disse que parece que não é importante, mas é muito importante, a história ensinada no meu tempo de colégio é do colonizador, a gente leu muita história pela ótica do português, do vencedor, do colonizador, apequenando; os livros de história do meu tempo de ginásio diziam que o índio era indolente, quer dizer, não se deu a menor condição da raça brasileira ter orgulho dela mesma nas escolas, junto com movimentos de mudanças econômicas que não tiveram respaldo popular, como é que entra a Petrobras nisso? O movimento popular que fala da dignidade de brasileiros, Semana de Arte Moderna em 1922, quando chegamos até ao canibalismo, né? E a Petrobras, esse é um fato, pode ser uma maneira de olhar a história econômica brasileira, porque a criação da Petrobras e o fato dela estar consolidada hoje representa inquestionavelmente um fato marcante econômico social brasileiro, sem a menor sombra de dúvida. O trabalho da gente desenvolveu vários segmentos nesse país, enfim não preciso me estender muito, e foi criada pelo envolvimento de cunho popular. Esse fato pra mim foi marcante, é uma maneira nova de olhar e dizer: pela primeira vez, o povo brasileiro, mesmo sem ter noção do tamanho da coisa que ia sair, ele foi às ruas e obrigou, através de uma pressão de movimento popular, a criar um negócio que é decisório no moderno processo de industrialização brasileira. Muito bem, outro ponto que vocês falam: e as relações sindicais, as relações de trabalho? Já nos seus primórdios de criação, essa mística do “O petróleo é Nosso”, trazida pelo movimento popular, foi uma constante na cabeça e na alma de cada empregado - inclusive dos dirigentes sindicais. E a Petrobras começa novamente adiante do seu tempo, porque sendo o Brasil nos anos 50, quando a Petrobras foi criada, um país de capitalismo tardio, as relações de trabalho eram de extrema crueldade. Eu me lembro do meu pai contando, então é contemporâneo meu, que ele trabalhava numa fábrica em Friburgo, não tinha um documento, carteira nem pensar, direitos coisa nenhuma; pagava-se praticamente o que bem queria o empregador. E me lembro do meu pai mitificando Getúlio Vargas pela Consolidação das Leis do Trabalho, foi a primeira coisa, pela primeira vez então, quase 1950, sei lá, na ditadura de Getúlio se pensou no operário brasileiro. Num país desses a Petrobras começa suas atividades pagando bem, dando condições de trabalho, dando assistência médica - o que nós viramos, mesmo? Marajás, classe de privilegiados. E aí a postura sindical foi muito importante, a postura sindical no sentido de manter intransigentemente esses direitos, porque em cima disso a Petrobras se escorou para ter empregados saudáveis, comprometidos com a empresa. Então a clarividência do movimento sindical foi muito grande nesse momento, de não tratar aquilo como privilégio e tratar como um passo adiante da classe trabalhadora no Brasil e a contribuição perpassa. Você vê isso agora no segmento petroquímico, onde eu estou, as empresas se modelaram muito na Petrobras, nos direitos e vantagens que a Petrobras oferece aos seus trabalhadores. E um dado novo também nas relações de trabalho sindicais é extrema adesão dos dirigentes sindicais à empresa, o sindicalismo desavisado vai contra a empresa, o sindicalismo inteligente preserva a empresa e procura ir contra ou o dirigente ou capital, e é destaque aos empregados da Petrobras. Vocês já devem ter ouvido isso em todos os depoimentos: todos nós que começamos na Petrobras, a gente estava ungida e cingida pela imensa responsabilidade de fazer e acontecer uma companhia que nasceu do movimento popular, que era afirmação do povo brasileiro. Nós poderíamos ser o farol ou estar na frente daquilo que se faz no Brasil e poder dizer que brasileiro dá certo. A gente tinha essa consciência e tinha essa obrigação, portanto o fazer o melhor possível ou o não falhar era o dia-a-dia nosso na Petrobras. Esse é o diferencial de todos os empregados da Petrobras, que construíram essa empresa que está aí.
EM DEFESA DA PETROBRAS
Uma vez me perguntaram uma coisa parecida: “Se você ganhasse na Sena acumulada, o que você faria?”. Tinha gente que disse: entra na sala do chefe, faz e acontece. Eu disse que acho que eu continuava fazendo o que eu estou fazendo. Então do lado material não tenho queixa, me considero até privilegiado, embora não tenha nascido em berço esplêndido. Trabalhar na Petrobras é uma recompensa pelo que eu não mereço, é uma empresa maravilhosa para se trabalhar, estou trabalhando no Rio Polímeros, e do ponto de vista pessoal certamente eu não cometeria alguns erros que eu cometi, que eu não vou nem contar aqui no plano pessoal, mas não mudaria nada não. Não é que eu esteja satisfeito comigo, não, mas eu estou satisfeito com a minha vida sem grandes demandas não. Talvez se houver o grande encontro lá no Juízo Final, talvez eu tenha grandes críticas ao Criador, talvez um pouco mais de justiça, enfim, ou um pouco menos de coisas ruins, talvez - aí nós temos uma discussão grande.
Esse projeto me instiga, mesmo sabendo que hoje são 40; é material que Deus manda, né? E como é que vocês vão botar isso em forma de museu isso é o lado assim prático, mania de engenheiro executivo, é ver o lado prático, né? Como é que vocês vão apresentar isso, se não vai ser muita poluição de informação, muita coisa? Do ponto de vista de projeto eu acho legal, com as incorreções, as parcialidades, os narcisos que devem ter aparecido por aí - talvez eu seja mais um deles -, mas com tudo que ele pode trazer é uma forma de registro que tem pelo menos um sabor de emoção e que as pessoas que viveram as coisas contam suas histórias com as suas próprias emoções. Acho uma iniciativa interessante. Nunca vi a Petrobras fazendo um projeto de memória, a Petrobras era mais sisuda, já houve várias tentativas de projeto de memória na Petrobras - traz a primeira J101 bomba lá de Mataripe e bota no saguão da Petrobras; Getúlio todo sujo de petróleo; as histórias de Mataripe. Essa é uma maneira diferente, nova de falar da Petrobras, e tomara que a mensagem seja a seguinte: “Ilustríssimo povo brasileiro, pára de pensar que a Petrobras é dispensável e o Brasil ainda não é o país para desestatizar uma atividade dessa. Ainda precisa e está dando certo”. Tomara que esse projeto procure veicular essa mensagem.