Museu da Pessoa

A diversidade gera movimento

autoria: Museu da Pessoa personagem: Fabiana da Fonseca Montes

Entrevista de Fabiana da Fonseca Montes
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 14/06/2022
Projeto: Inclusão e Diversidade - Ernst & Young
Entrevista número: PCSH_HV1216
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo

P/1 – Vamos lá!

R – Vamos lá!

P/1 – Fabiana, primeiro eu quero te agradecer demais por estar aqui, ter aceitado esse convite. E para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Tá. Então, meu nome é Fabiana da Fonseca Montes, eu sou do dia dezoito de maio de 1979, nascida em São Paulo, capital.

P/1 – E você sabe como foi o dia do seu nascimento? Os seus pais te contaram?

R – Eu sei que estava um dia bastante frio, minha mãe entrou em trabalho de parto quatro da manhã, foi pro hospital, passou o dia lá tentando ter um parto normal, só que aí eu acabei me enrolando no cordão umbilical e nasci nove da noite, de cesárea. Então não foi um dia muito simples, mas deu tudo certo.

P/1 – E você sabe como seu nome foi escolhido?

R – Não exatamente. Eu sei que tinha meio que uma briga ali, entre minha mãe e meu pai, meu pai acho que queria Marcela, minha mãe Fabiana, depois entraram em um consenso aí e acabou ficando Fabiana mesmo.

P/1 – E qual é o nome da sua mãe?

R – É Maria Filomena de Fátima. O pessoal a chama de Filó.

P/1 – E com que ela trabalha?

R – Minha mãe hoje trabalha, tem um comércio, mora no interior de São Paulo, em Indaiatuba e tem pizzaria lá.

P/1 – E como você a descreveria? O jeito dela…

R - Minha mãe é plena. Ela tem um jeito de falar sempre muito igual, um tom de voz mais baixo, uma pessoa mais tranquila e eu me espelho muito nela, em algumas questões. Ela é uma mulher forte, batalhadora, guerreira. Ela sempre me ensinou que a gente precisa, realmente, correr atrás das coisas pra ter, que nada é fácil na vida. Então acho que todo espelho que eu tenho de ser determinada, de buscar as coisas que eu quero, de ir atrás, isso vem dela, ela me ensinou bastante sobre isso.
P/1 – Você sabe um pouquinho da história dela?

R – Não sei tantas coisas, detalhes. Então, meus avós são portugueses, eu tenho um tio, irmão da minha mãe, nasceu em Portugal, mas a minha mãe nasceu já aqui, no Brasil, eles têm dez anos de diferença, então não cresceram tão próximos, porque dez anos já é bastante coisa. Eles cresceram no Ipiranga, então eu sou dessa região aí do Ipiranga e minha mãe sempre foi uma pessoa mais de estudar, mais quieta, mais caseira, não era tanto assim de sair. Eu sempre fui da rua. Gostava de sair, me divertir, não sei o que, e minha mãe sempre foi mais caseira. E aí quando ela engravidou de mim ela tinha dezenove anos, foi super cedo e aí ela já tinha vinte quando eu nasci, então ela casou já grávida, talvez aí não tenha sido o que ela tinha realmente escolhido pra ela, na verdade, que estava começando a faculdade, só que aí a vida vai mudando, as coisas vão mudando, mas eu acho que, mesmo tendo isso, gravidez cedo e tudo, ela teve bastante apoio da família, o que foi bastante importante, então meus avós ajudaram na minha criação, então são pessoas muito importantes pra mim. Meus avós já faleceram, mas foram pessoas bastante importantes aí, porque minha mãe e meu pai trabalhavam sempre e eu tinha que ficar com meus avós, eles me criaram e então fui muito apoiada nisso.

P/1 – E dos seus avós, você tem alguma recordação dessa época de infância?

R – Tenho, tenho bastante. Mais dos meus avós maternos, porque foram os que me criaram, então eu lembro que meu avô tinha um bar e aí ele me levava pro bar, eu dançava no balcão, conhecia um monte de gente lá. Ele sempre me mimou demais, meus avós me mimaram bastante, faziam todas as minhas vontades, aquela coisa: “Mãe, vai estragar minha filha!”, porque os avós têm esse papel de estragar as crianças. Então eu sempre fui muito querida por eles, eles sempre foram o amor da minha vida, esses dois, sempre fizeram tudo por mim. Parte de pai, então meu avô eu não conheci, quando ele faleceu eu era bem novinha, então não tenho lembranças dele. A minha avó por parte de pai era mais brava, só que aí eu passava férias lá, tinha primas que moravam próximo, então sempre juntava na casa da minha avó, preocupada sempre: “Vocês vão comer? Eu quero cozinhar o que vocês querem comer”, mas era mais brava, mas era uma pessoa com muita vontade de viver, muito engraçada, muito determinada também. Depois que meu avô morreu, ela ficou realmente pra cuidar dos filhos, são três, e dos netos. Então ela sempre fazia tudo pras netas ficarem bem na casa dela e uma pessoa com muita vontade de viver, então ela morreu com quase noventa anos e: “Não quero morrer, eu quero ficar aqui”. (risos) Então eu tenho lembrança muito boa dos meus avós.

P/1 – E seus avós maternos são portugueses. Você tem algum costume familiar dos avós?

R – Tinha o bacalhau. Eu odeio bacalhau, (risos) então minha vó ficava muito brava comigo, ela falava assim: “Como você pode não gostar de bacalhau?” Eu falava: “Ai, vó, não gosto, não tem jeito”. Então tinha o tradicional bacalhau na Páscoa, no Natal, sempre tinha isso e aí minha vó fazia bolinho de bacalhau, que aí eu comia o bolinho de bacalhau, mas aí uma vez, eu tinha onze, doze anos, alguma coisa assim e eu comi tanto bolinho de bacalhau que eu passei mal e nunca mais eu comi na vida, não posso sentir o cheiro do bolinho de bacalhau. Então a tradição sempre era isso: o tal do bolinho de bacalhau, o bacalhau à Gomes de Sá, que minha vó fazia, e vinho do Porto. Era sempre muito isso nas festas de família.

P/1 – E seu pai, qual é o nome dele?

R – Meu pai chama Daiton.

P/1 – E você sabe a história dele, dos seus avós, são daqui?

R – São daqui, de São Paulo, cidade do interior, não lembro exatamente onde era a cidade, mas é do interior. Meu avô era marceneiro, meu pai seguiu a profissão, é marceneiro, tem mais dois irmãos, então o irmão mais velho do meu pai também é meu padrinho de batismo e o irmão mais novo dele faleceu já tem dezoito anos, acho, morreu com 43 anos, de câncer e ele era uma pessoa, meu pai falava que eu parecia mais o meu tio do que ele, porque meu tio sempre foi de festa, do samba, de sair e quando eu era criancinha eu lembro que meu tio tinha uma casa noturna e meu pai me levava pra lá, então eu sempre fui da bagunça, eu queria sair, dançar, então eu lembro sempre em casamentos eu dançando, ele corria atrás de mim, que eu não parava quieta um minuto e esse meu tio era bem próximo, a gente gostava muito de ficar junto. Como eu era a sobrinha mais bagunceira, ele também gostava muito disso. Então eu tenho boas recordações da família, churrasco na casa da minha vó, sempre aquele samba ‘rolando’, o tio ‘mandando’ no karaokê, era sempre essa bagunça, assim, na família.

P/1 – Ia comentar isso, os costumes. Em datas comemorativas vocês sempre se reuniam, tinham hábito?

R – Sim, sempre aniversário, Dia dos Pais, Dia das Mães, então sempre foi família de comemorar, de fazer festa, de se reunir, de ficar ali. Eu gostava bastante desses momentos com a família, do churrasco, do karaokê, da cerveja. Aí um fica zoando com o outro. O irmão da minha mãe é casado com uma grega. E aí tinha sempre também - a família dela era muito grande - essa coisa de reunir a família dela também, eles moravam numa casa grande e reuniam a família também, então tinha os portugueses e os gregos. E tinha aquela coisa: os gregos dançam abraçados e a coisa de quebrar prato, então em alguns momentos já teve isso também na casa do meu tio, então essas memórias de infância geralmente tem bastante coisa de festa na família. Isso é bem interessante.

P/1 – Você lembra de alguma festa, de alguma história marcante que ‘rolou’ em algum evento?

R – Teve um Natal na casa dessa minha tia grega, meu avô se vestia de Papai Noel. E aí todo ano ia dar o presente para as crianças e aí, naquele ano, eu estranhei de novo meu avô não estar lá, na hora de entregar os presentes e aí eu reconheci meu vô pelo sapato (risos) dele. Aí eu estava no colo do meu pai, eu olhei: “Pai, o vovô é Papai Noel, aquele é o sapato dele” e meu pai: “Não, menina, não é, não sei o quê” Eu falei: “Não, é meu vô, é o vô, você mentiu pra mim”. Eu não lembro quantos anos eu tinha nisso, mas também que frustrante saber disso, né? Depois tem uma prima mais novinha e aí depois o Natal os primos mais velhos já sabiam da história e a prima novinha não, então eles ficavam dando risada dela, que ela não sabia, essas coisas. Mas era sempre divertido o Natal quando o meu vô era vivo, a gente era tudo mais novinho e tinha esse costume, de ser o Papai Noel da família, era muito interessante.

P/1 – E seus primos, são muitos?

R – Não, minha família é pequena. Eu tenho por parte de pai, três primas e um primo e por parte de mãe eu tenho dois primos e uma prima. Então não são muitos que a gente tem, mas nós somos bem próximos. Eu tenho minha prima por parte de pai, uma que tem três anos a menos que eu, então nós sempre fomos mais próximas. Parte de mãe eu tenho um primo que é doze dias mais novo do que eu, então a gente cresceu também muito junto, então geralmente são essas pessoas que sempre ficaram comigo na infância e tudo.

P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã por parte de mãe, que é a Amanda, que nós temos quase dezoito anos de diferença. Ela é do segundo casamento da minha mãe, meus pais se separaram, eu tinha doze anos, aí meus pais casaram de novo, só que meu pai não tem filhos, só cachorro, que é o Téo, e minha mãe tem cachorro e tem a Amanda, que aí a gente tem quase dezoito anos de diferença. Então quando minha irmã nasceu, era meio que filha, não era muito irmã, eu já ia fazer dezoito, então eu a criei meio que... a minha relação com ela era muito mais de mãe e filha, do que de irmã, exatamente.

P/1 – Como foi receber a notícia da chegada dela?

R – Foi bem estranho, eu tinha dezessete anos, ou ia fazer dezessete, alguma coisa assim e quando eu era mais novinha eu sempre pedia um irmão pra minha mãe: “Ai, eu quero um irmãozinho”, tal. Então eu tinha um irmão imaginário, que era o Carlos Eduardo. (risos) Já tinha até nome, esse irmão imaginário e aí depois você vai crescendo, isso vai ficando de lado e aí quando minha mãe engravidou, a gente estava pra mudar de apartamento. Então a gente estava vendo, saía pra ver móveis, as coisas e tal e teve um sábado que saiu só eu e a minha mãe, fomos ver móveis pra casa nova, aí ela parou num lugar lá que tinha quartos de bebê e eu falei: “Por que a gente está vendo quarto de bebê?” Tipo: pra mim não é. Ela falou: “Eu tenho uma coisa pra te falar: eu estou grávida”. Aí eu olhei pra ela e falei assim: “Como assim você está grávida?” Parecia ao contrário: a mãe recebendo a notícia da filha adolescente que estava grávida. Então no começo eu não acreditava muito, eu falei: “Gente, mas agora que você vai me ficar grávida? Agora eu não quero mais irmão”. Eu fiquei meio assim em choque, na hora, aí depois você vai acostumando com isso e eu fui curtindo muito a gravidez, acho que minha mãe me envolveu muito nisso, então eu ia com ela fazer os exames, ultrassom e tudo, então eu fui curtindo aí bastante a gravidez, depois acabou sendo interessante, mas no começo não queria aceitar muito, não, isso (risos). Mas depois passou.

P/1 – E você lembra da casa onde você passou sua infância?

R – Casa? Lembro. Eu lembro de uma casa que o bairro chama Moinho Velho, que é na região do Ipiranga, ali. Era um sobrado. Essa casa tinha banheira. Era uma casa... não era tão grande assim e eu lembro que tinha um portão de madeira na frente, alto e o portão tinha uma trava embaixo, uma no meio e uma em cima e aí minha mãe ia trabalhar, minha vó ficava comigo lá na casa, que ela morava bem pertinho e ficava lá com os meus brinquedos, ficava tudo lá e eu lembro que, como eu sempre gostei muito de rua, eu fugia de casa. Pegava uma cadeira, um cabo de vassoura, abria o trinco de cima e ia pra rua. Minha vó ia dar falta: “Essa casa está muito quieta, o que aconteceu, cadê a Fabiana?” Estava na casa do vizinho, por ali. Então eu fugia de casa.
Eu lembro uma vez também que minha mãe me deixou de castigo, eu não lembro porque e aí ela me deixou no banheiro. “Vai ficar aí no banheiro, pra pensar um pouco” e aí era uma casa mais antiga, então tinha a banheira, tinha bidê e eu lembro que eu tampei o bidê, abri as torneiras, deixei transbordar tudo e fiquei dentro da banheira, só vendo o que ia acontecer ali. Então, assim: foi castigo, me deixou ali, só que aí eu fiz uma ‘arte’ e brigou muito comigo também, nesse dia. A frase que eu mais escutava dela era: “Some da minha frente” (risos). Porque eu aprontava bastante. Eu lembro de ter derrubado... era taco, aqueles pisos de taco nos quartos e eu lembro que eu fui dormir com meu pai, uma vez, à tarde, meu pai dormiu e eu fiquei acordada e eu peguei um pote de talco e joguei no piso inteiro. Então eu lembro de algumas ‘artes’ que eu fazia nessa casa. Eu pegava gatinho da rua também, levava pra casa: “Mãe, vamos cuidar do gatinho”. É que minha mãe sempre gostou muito de bicho. Meus pais, né? Então acabava: “Outro gato, Fabiana?” Cuidava do gato, depois o gato ia embora, enfim. Eu lembro bastante dessa casa, tinha um jardim e eu andava de bicicletinha lá no jardim, meu pai tinha uma caminhonete, na época, e aí ele parava o carro na frente, ia lavar o carro lá na frente da casa, eu ficava em cima da caminhonete. Então eu tenho essas lembranças de infância dessa casa.

P/1 – E brincadeiras favoritas?

R – Brincadeiras. Dessa casa, depois, eu mudei pra um prédio, pra um condomínio de prédios. Aí lá eu tinha mais amigos e podia, era mais seguro pra brincar lá no prédio e eu tinha vários amigos lá, então a gente brincava - como era grande lá – muito de esconde-esconde, que era nosso preferido, tinha vários esconderijos lá naquele prédio. Tinha uma brincadeira que era de elefantinho colorido: alguém falava uma cor, tinha que correr, tocar na cor, senão você era pego. Tinha isso. E tinha a fase bonitinha da Fabiana, que era brincar de Barbie também. Então eu tinha várias Barbies, juntava com outras Barbies que as amigas tinham também e a gente ficava sempre brincando. Geralmente era isso. Eu gostava mais de ficar na rua, correr, brincar. Vivia ralada, o joelho ralado, toda suja. Mas tinha a fase também que eu queria brincar de boneca, como toda menininha bonitinha.

P/1 – Quantos anos você mudou de casa?

R – Eu tinha... desse sobrado que eu falei, mudei com cinco anos. Aí eu fiquei nesse condomínio de prédio até os dezoito. Tem bastante tempo. Então os meus amigos de infância, muitos vieram desse condomínio e tem uns que eu tenho contato até hoje.

P/1 – Você lembra de alguma grande amizade dessa época?

R – Tem algumas. Eu tenho um amigo que até hoje... mora nos Estados Unidos há mais de vinte anos e a gente sempre se fala. Então, nós temos três anos de diferença, foi um dos primeiros amiguinhos lá, meu pai era amigo dos pais dele, ficou amigo dos pais dele lá também, então ele é uma pessoa que eu tenho contato e tem mais outras duas amigas que a gente era mais próxima: uma era do primeiro andar e eu morava no andar de cima, a gente sempre brincava muito e uma outra amiguinha, que infelizmente faleceu em 2008 ou 2009, alguma coisa assim, tinha um ano a menos que eu e também era super amiga e tinha uma avó que morava na praia, então a gente ia passar final de semana na casa da vó dela, na praia. Era sempre legal. Bom, naquele condomínio tinha vários amigos e eu sempre fui de fazer muita amizade, estar sempre com pessoas, com gente. Acho que essas foram as que mais marcaram a minha infância, mesmo.

P/1 - O que você mais gostava de fazer, na infância?

R – Era brincar, né? Na rua, mesmo. Eu sou dessas que chegava da escola e ficava lá. Eu andava muito de patins, também. Aí tinha a turminha do patins, a turminha da bicicleta. Eu lembro que, na época do patins, acordava de manhã, já no final de semana ‘botava’ patins no pé e só ia tirar à noite. Fazia tudo de patins, pra lá, pra cá, brincava muito. Então acho que a fase do patins foi algo bem importante, eu gostava muito de sair pra andar de patins.

P/1 – E Fabiana, criança você pensava o que você queria ser, quando crescesse?

R – Ai, pensava em tanta coisa! Pensava em ser professora. Acho que eu gostava, acho que é uma referência, acaba sendo uma referência pra gente. Nunca gostei muito de coisa de saúde, nunca pensei em ser nada da área de saúde. No fim fui fazer Psicologia e fui trabalhar com RH, que era algo que eu não tinha nem noção, quando era criança, mas acho que sempre fui muito voltada a pessoas, então tinha que ser alguma coisa relacionada a isso. Eu sempre fui uma aluna péssima em Matemática e tudo mais, então eu sabia que também não ia partir pra alguma coisa que tivesse muitos números envolvidos, coisas assim. Ah, e uma época eu também pensava em ser aeromoça, antes falava aeromoça, hoje é comissária. Mas pensava em ser aeromoça, porque minha mãe tem uma prima que mora no Rio de Janeiro, que trabalhou na Varig, na extinta Varig, há muitos anos. Então eu tinha uma referência também. Pra mim Varig só lembrava de aeromoça. Comissária, não lembrava de outra coisa. E ela era secretária do jurídico, que não tinha nada a ver, mas era o que eu associava. Teve uma época também que eu pensava em ser isso, mas no fim passou. Uma época eu tinha medo de avião, também. Então nunca que eu poderia fazer isso, enfim, mas pensava.

P/1 – E onde que você estudou?

R – Eu estudei a vida inteira numa escola de freira chamada Colégio Virgem Poderosa. Lá eu estudei da primeira série até o colegial, então passei a vida inteira na mesma escola. Eu tenho colegas de lá, colegas dessa época de colégio que moram no mesmo prédio que eu, por acaso, que é do mesmo bairro, que eu reconheci esses dias, passeando por lá, mas a vida inteira foi no mesmo colégio.

P/1 – Que lembranças você tem desse colégio?



R – Tenho uma lembrança muito especial: uma vez meu pai ia me buscar... tinha um dia da semana que minha vó não podia ir me buscar, então meu pai ia, era de quarta-feira isso e era bem pertinho, na verdade, mas meu pai ia me buscar. E aí um dia ele esqueceu de buscar. Confundiu os dias da semana e esqueceu de ir me buscar. E aí não tinha celular na época, de você ligar, então ligava na fábrica do meu pai, não atendia, aquela confusão toda e aí eu tive que ficar na escola até alguém aparecer, conseguir falar com alguém. Então o portão da escola fechou, me levaram lá pra dentro e é uma escola de freira. Então tinha um andar que a gente não podia ir e as crianças fantasiavam muito: “Nossa, o que tem nesse lugar? É de freira, o que tem lá? Tem uma caveira lá, tem não sei o quê”. Umas coisas de criança, assim. E aí como demorou pra me buscar, a freira me pegou e levou pro andar deles, pra ficar lá, até esperar alguém chegar. Então eu fiquei no refeitório, lá. Estava mais interessante eu ficar lá do que alguém ir me buscar, na verdade. Aí depois meu pai apareceu lá, era umas sete e pouco da noite, eu saía às cinco e meia, chegou lá todo preocupado e eu toda feliz, que estava no quarto das freiras. Então, no dia seguinte, chegar na escola e falar: “Gente, vocês não sabem o que aconteceu, fui parar no quarto das freiras”. Todo mundo: “Ahn, como que é esse lugar?” Então desmistificou um pouquinho o lugar, quando eu pude ir lá conhecer, muito por acaso. Tem várias histórias assim. Então um colégio que eu passei minha vida inteira lá, conheci muita gente. Tinha aula de Educação Física, que eu gostava. Não tenho tamanho, mas eu jogava vôlei, basquete. Gostava sempre de estar em movimento. Aulas de laboratório também era bem interessante. Então acho que foi uma época bastante importante na minha vida, tenho várias doces lembranças, na verdade, desse colégio.

P/1 – Professores marcantes, você tem?

R – Tenho uma professora de Educação Física que era bem legal, eu gostava dela. Eram dois: era professora Helia e professor Baltazar, de Educação Física. Eu tinha uma professora de Literatura que era muito interessante, eu a achava muito inteligente, então pra mim as aulas dela eram sempre um show. Não é uma coisa que me prende tanto, a questão da Literatura, mas acho que a forma dela ensinar era interessante. Eu tinha um professor de Física também, que eu era péssima em Física, conseguia tirar meio numa prova, só que ele tinha muita paciência comigo, então eu não entendia, ele sentava do meu lado pra explicar, então era interessante a aula dele. E tinha uma professora de Biologia que tinha um olho de cada cor. Ela tinha um olho verde e um castanho. Ela chamava Julinha. Não sei por que ela era bastante marcante, assim, na época do colégio. Então esses foram os que mais me chamaram a atenção por algum motivo: ou a forma como davam aula, ou a forma que eles explicavam a matéria, então são professores que eu tenho boas lembranças.

P/1 – E amizades?
R – Amizades. Acho que as amizades ali, na escola, foram cíclicas, né? Porque teve pessoas que começaram comigo desde o início e foram até o final também, no mesmo colégio e pessoas que foram saindo, ficaram um ano lá, dois anos no colégio, depois acabaram saindo, então foi bastante cíclico. Eu lembro de duas irmãs gêmeas, eu não lembro qual era a série, mais ou menos, mas que numa época foram bastante importantes. Ah, eu tenho um amigo que eu conheci nesse colégio, na sexta série e depois ele saiu da escola, perdemos contato e no fim o reencontrei, sei lá, há uns doze anos, na festa de uma amiga. Ele é meu vizinho. (risos) Então a gente se reencontrou depois de muito tempo e hoje ele é meu amigo, tudo, está mais próximo. Então foi bastante cíclico. Eu acho que eu não tenho, da época do colégio, alguém que até hoje esteja presente sempre, ali. Tenho boas lembranças de acampamento que a gente fez, o NR Acampamentos, que era algo superlegal, que eu fui e aí, naquela época, tinha aqueles amigos daquele acampamento. Então eu acho que foi muito cíclico, na verdade, essas amizades do colégio.

P/1 – O que você lembra do acampamento?

R – Nossa, era uma ansiedade pra ir no acampamento, né? Você mal dormia, pra ir. Aí no ano que eu consegui ir, minha mãe pagou pra eu ir e tal, foi aquela coisa: uma semana sem dormir. Aí vai no ônibus, aquela confusão, aí chega lá, tem o chalé das meninas, que eu ia ficar, tinha um grito de guerra que a gente fez, que era o chalé do lago, que eu lembro, que era bem pertinho de um lago e tinha atividades que você tinha que desvendar um mistério lá no escuro, no acampamento. Tinha o dia do refeitório, que você tinha que limpar sua mesa, recolher as coisas, o dia de arrumar o chalé lá, então foi uma experiência superinteressante, de ficar longe dos pais por mais tempo, só com os amigos do colégio e também lembro de excursão pro PlayCenter. Quem é mais velho lembra muito do PlayCenter e era sempre aquela loucura, sempre divertidíssimo, a gente ia nas Noites do Terror do PlayCenter, aqueles monstros pelo parque, que davam susto toda hora, aquilo era superinteressante. Essas excursões eram as melhores do colégio. PlayCenter e acampamento acho que era o mais legal de todos. Muito bom!

P/1 – E vocês faziam trabalho de campo?

R – Não. Não tinha muito isso, não, de trabalho de campo. Não tinha.

P/1 – Então não tinha muitas viagens de trabalho de campo, né? Só...

R – Excursão pra parque, tinha museu que a gente ia, lembro de uma excursão no Masp também, Pinacoteca. Agora, alguma coisa de trabalho em campo, exatamente, não tinha.

P/1 – Nesse período da infância, os seus pais se separaram?

R – Sim, eu tinha doze anos quando separaram.

P/1 – Como foi isso?

R – Foi uma surpresa, porque eles também procuravam não brigar, ter discussões na minha frente, então eu fui meio pega de surpresa com a separação. Eu lembro que tinha amigos também do meu prédio que estavam se separando, os pais dos amigos e que eu pensava assim: “Ah, isso não vai acontecer com os meus pais”. De repente sim, fui surpreendida com a notícia, aí meu pai foi morar com a minha avó, mas estava sempre muito presente e antes tinha aquela coisa de ficar com ele a cada quinze dias e então ele me buscava de manhã, ele tinha sempre programado alguma coisa pra gente fazer, então geralmente a gente ia andar de bicicleta, ia pra um parque, almoçar, ia no cinema, sempre ia fazer coisas pra ele ficar mais presente, então não tive problemas com a ausência dele nessa época. Tem aquela coisa diária, exatamente, que você perde, mas eu tinha outras coisas também que acabavam compensando, então ele sempre conseguiu fazer coisas nesse primeiro momento, principalmente, desse impacto da separação, pra gente ficar próximo e programar coisas. Acho que era pra ser legal ficar com ele: “Final de semana ela vai ficar comigo, então sim, vou fazer alguma coisa pra que ela queira ficar comigo” e reunir meus primos. Então depois as coisas foram ficando mais tranquilas. Foi impactante no começo, obviamente, mas eu não digo que foi um trauma, exatamente, porque ele ficou sempre presente, de qualquer forma.

P/1 – Então não chegou a mudar muito?

R – Não. Minha mãe já me levava pra escola antes, então acabou não alterando tanto isso. Era mais quando eu chegava em casa à noite, que ele não estava, mas aí eu sabia que no final de semana eu ia encontrá-lo, enfim. Então, acho que as coisas foram se acomodando bem, eu fui me adaptando bem também. A gente sobrevive, vai se adaptando e não é o fim do mundo também quando isso acontece. Acho que quando você tem os pais presentes, de alguma forma você consegue ir levando, se adaptando bem e vai.

P/1 – E, Fabiana, já mais velha, no ensino médio, como foi esse período pra você?

R – Eu continuei na mesma escola de ensino médio, aí tinha a turma também um pouco mais madura. Eu lembro que eu tinha uma turma que tinha vários repetentes da escola, então já eram mais velhos e estavam na mesma classe que eu. Era uma época que eu já ficava sozinha em casa também, então a gente se reunia pra fazer trabalho na minha casa, na casa de um, na casa de outro e tinha um pouco mais essa liberdade de ir pra alguns lugares, marcava, às vezes saía do colégio e ia almoçar no shopping, ia no cinema, fazer coisas assim. No meu terceiro colegial eu já comecei a namorar na época, com dezesseis anos, já no colegial, aí a vida já começou a mudar, também. Você começa já a pensar no seu futuro, o que você vai fazer. Já começa a sair um pouco daquela fase da bagunça da adolescência, ali, mesmo, pra começar a pensar um pouco mais sério o que você vai fazer da vida. Tem uma cobrança dos pais já, também, pra isso, já começa a mudar, mas foi no mesmo colégio, então foi uma continuidade. Não foi, por exemplo: tem pessoas que saíram do colégio pra estudar à noite, fazer técnico, alguma coisa assim, mas eu consegui manter meu colégio até o final, sem ter que trabalhar nem nada. Então foi assim.

P/1 – Você pensou em sair do colégio?

R – Pensei em sair, porque tinha muito amigo que estudava à noite e eu queria estudar à noite, em outra escola e trabalhar durante o dia, minha mãe falou assim: “Você não sabe o que está falando, (risos) aproveita que você pode ficar aqui, estudar, não ter que trabalhar agora”. Então eram brigas assim, mas ela acabou me convencendo e acabei ficando no colégio lá de manhã até o fim.

P/1 – E seu relacionamento, como foi?

R – Desse namoro? Eu tinha dezesseis anos, supernova, ele tinha dezoito, já tinha um filho de um aninho, então também foi uma primeira surpresa, já com alguém com filho novinho e a gente viajava bastante, porque ele era surfista, então a gente estava sempre na praia, depois os pais dele acabaram comprando uma pousada na praia, então a gente ia todo final de semana lá, então eu comecei a faculdade, estava namorando com ele, estudava de segunda-feira a sábado, foi um curso super puxado da faculdade. Saía da faculdade, depois a gente ia pra praia, geralmente, ou pra casa de uns amigos. Então, foi aquele namoro de adolescência, que foi até os meus 22 anos, ficamos noivos e tudo, na época, mas supernova, então acho que foi um pouco da minha liberdade também, de poder sair e viajar, aquela coisa de viajar com namorado, amigos, família do namorado. Experiência interessante. No começo eu até pensava que ia ser pra vida inteira, aquela coisa. Tinha tanta coisa pra viver ainda. E aí terminamos, com 22 anos estava já no final da faculdade. Ele pegou uma parte importante da minha vida também aí, esse relacionamento. Eu tenho contato até hoje com a família dele, inclusive. Mais com a família dele do que com ele, mas foram pessoas, na época, muito importantes pra mim, me acolheram super. Minha irmã nasceu, eu estava namorando com ele, então parece que foi bem interessante, uma experiência bem boa. Muita coisa que eu conheço de viagem de praia foi com ele.

P/1 – Você lembra de alguma história que você queira compartilhar, com alguns familiares dele ou alguma viagem de vocês?

R – Acho que tem a questão do filho, é algo interessante, porque o menino era novinho, era um menino superagitado, a mãe meio que deixou o menino pra ele cuidar, pra família dele cuidar, então eu fui muito mãe daquele menino, por seis anos. Ele foi bastante próximo, ele é um pouquinho mais velho que a minha irmã, eu saía com os dois, muitas vezes, pegava minha irmã e ele e saía. A família do meu namorado, na época, acabou ficando muito próxima de mim por causa dessa relação também, que eu tinha com o menino. Me tratavam como filha. Então acho que a questão do menino foi bastante forte pra mim. No final do namoro, já, que estava meio que pra terminar também, aquela coisa: eu tenho que terminar, mas tenho que terminar com o menino também, né? E ele foi muito maduro, o menino. Quando eu falei pra ele: “Eu estou terminando com seu pai, não está dando certo”, fui toda com um discurso pra ele e ele falou: “Tudo bem, eu sei que nunca mais eu vou ter uma madrasta igual você, que eu amo você, mas tudo bem”. Aquilo, assim, pra mim, foi: “Gente, que papel que eu tive na vida desse menino!” Como foi importante isso! Então, a gente não se vê muito, ele mora na praia também, mas quando a gente se vê é sempre aquele grande carinho, assim.

P/1 – E junto veio sua irmã.

R – Junto veio a minha irmã. Acho que ele tinha... acho que são dois anos de diferença, se não me engano, dele e da minha irmã, alguma coisa assim. E aí acabava juntando os dois. Eu tinha que levar minha irmã no cinema, queria fazer isso com ela e aí acabava chamando-o pra ir junto também. E o moleque era terrível, só que comigo ele obedecia, ficava superbem, era bonzinho, mas aí com os avós, aquela coisa: ele era bem atentadinho. Hoje é formado, se formou em Direito, casou supernovo. (risos) O tempo passa.

P/1 – E o período de enfrentar o vestibular, escolher o curso?

R – Escolher o curso foi algo difícil. Assim: minha mãe começou a fazer Psicologia quando ela engravidou de mim, então eu tinha muito na cabeça, porque eu sempre fui muito voltada a pessoas, então eu não sabia muito o que fazer, exatamente. Fui começar a pesquisar, porque eu sempre soube que não queria clínica, por exemplo. Não gosto dessa coisa muito solitária. Gosto de gente, de movimento. Então eu comecei a pesquisar e falei: “Bom, RH pode ser algo interessante, porque eu vou lidar com pessoas, de qualquer forma, é Humanas. Psicologia porque eu gosto muito da questão de comportamento”. Então eu fui eliminando algumas coisas e falei: “Bom, vou tentar Psicologia”. Não imaginava que fosse tão puxado o curso, foi muito puxado, foram cinco anos, segunda-feira a sábado, eu trabalhava o dia inteiro, estudava, uma rotina super puxada, mas eu me apaixonei muito pelo curso. Muito. Então eu acho que eu fiz uma escolha bem certa, mesmo, aí, no curso de Psicologia. Gostei muito.

P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho? Foi estágio?

R – Não. Quando eu comecei na faculdade, eu tive que trabalhar. Falei: “Bom, tenho que pagar alguma coisa dessa faculdade aqui”. E aí comecei a trabalhar como auxiliar de esteticista, uma coisa que não tinha nada a ver com o curso, mas era o que eu consegui, na época, que queriam alguém que não tivesse experiência pra treinar a pessoa, mesmo. Então eu fazia lá as massagens, drenagens linfáticas, essas coisas e gostava disso e aí depois eu fiquei uns meses lá, não lembro, acho que uns cinco, seis meses, aí minha mãe conseguiu pra mim um contato, amigo dela numa empresa, que era de iluminação cênica. Iluminação pra teatro, televisão, estúdio, essas coisas. Aí, pra trabalhar na recepção, primeiro. Aí eu fui pra recepção, depois fui pra área comercial lá e era bem pertinho da faculdade, então eu ia a pé pra faculdade, tinha essa facilidade. Aí fiquei lá dois anos e meio e aí depois eu saí, pra fazer um estágio, pra começar RH. Então eu estava indo pro terceiro ano da faculdade quando eu comecei a estagiar. E aí já foi RH em recrutamento, na Nextel. Na Paulista era, na época.

P/1 – Como foi essa experiência?

R – Bom, a primeira experiência com RH, com aquilo que eu tinha escolhido, falei: “Bom, vamos ver se é isso que eu vou gostar”. Então era um boom na Nextel, na época, e aí contratavam muito assessor comercial, pra venda, mesmo, corporativo e pessoa física. Então comecei a trabalhar, fazia os currículos primeiro, ligava pra agendar entrevista, aí tinha duas pessoas que me ajudaram a fazer, desenvolver como fazer entrevista com o candidato, daí depois fui tocando os processos sozinha, falei: “Eu acho que eu gosto disso”. Aí fiquei lá quase um ano, na Nextel, depois saí, fui pra uma outra empresa, uma consultoria de RH, fiquei lá por mais um ano, mais ou menos, depois fui pra empresas de telemarketing, pra trabalhar com treinamento, também algo diferente do que eu fazia, então eu treinava, as pessoas novas estavam chegando na empresa, em produtos que elas iam trabalhar e também na parte mais comportamental, do soft skills. Então tive essa experiência com treinamento também. Aí já não era mais estágio. Acho que nessa eu saí do estágio, pra ir pra essa efetiva, com treinamento.

P/1 – E algum desses trabalhos teve algum mais marcante, de alguma forma?

R – Acho que essa primeira experiência que: “Começar a trabalhar com isso agora, será que eu vou gostar, ou não?” Perdida. O que eu tenho que fazer? Mas eu acho que eu tive boas... duas pessoas que me ajudaram muito, me orientaram super aí, que acho que elas começaram a me formar como profissional ali. E essa experiência com treinamento também, que eu me via, de repente, em salas com um monte de gente, cinquenta pessoas pra eu falar sobre um produto e tal. Eu tinha que preparar todo o material pra isso, treinar todo mundo, então era o que eles sabiam, o que eles teriam que saber pra fazer o atendimento, era eu a responsável. Então foi superinteressante essa experiência também, pra mim.

P/1 – Teve alguma pessoa... você tinha o contato direto com as pessoas?

R – Tinha.

P/1 – Teve alguém que te marcou, de alguma forma?

R – Tinha, que não era do treinamento, na verdade, era uma pessoa de tecnologia, que ficava na frente da minha sala, só que me ajudava super, com várias coisas, não sei por quê. Ele vinha me ajudar: “Quer alguma coisa? Quer que eu te ajudo?” Ele ficou meu amigo por anos. Até quando eu saí da empresa, ele saiu também e a gente acabava se encontrando pra almoçar várias vezes. Uma pessoa que marcou muito. Não é nem da mesma área. Sei lá, acho que a gente atrai aquelas energias. Eu sempre acho isso. Então, alguma coisa tinha aí que ele tinha que me ajudar, porque ele se aproximou tanto. Foi uma pessoa que marcou durante muitos anos. Mesmo eu saindo da empresa, ele saindo também, a gente tinha contato por bastante tempo ainda.

P/1 – Fabiana, você lembra o que você fez com seu primeiro salário?

R – Puxa, meu primeiro salário não lembro exatamente, mas eu devo ter comprado roupa, possivelmente, (risos) que era o que eu mais fazia, na época. Comprava roupa, viajava também, depois comecei a viajar. Então meu salário era pra isso: comprar roupa e viajar. Mas parte, uma parte pequenininha dele, porque eu não ganhava muito, era pra minha mãe, pra ajudar a pagar a faculdade. Ela pagou quase tudo, obviamente, ganhava super pouco, a mensalidade era maior do que o meu estágio, mas dava um pouquinho pra ela, ela fazia questão de eu dar um pouco do dinheiro, pra ter essa responsabilidade: “Olha, você tem compromisso”. Então, eu lembro bastante disso.

P/1 – E momentos marcantes da faculdade?

R – Tive algumas experiências bem importantes na faculdade, com professores, ou com aquelas aulas, até por ser Psicologia, que parecia mais uma sessão de terapia, muitas vezes, aquela aula: “Isso foi pra mim”. (risos) Eu me identificava: “Isso foi pra mim. Ai, meu Deus, hoje é dia!” (risos) Até experiências na aula de comportamento, com os ratinhos, Skinner, então você vê como é o comportamento, reforço positivo ou negativo. Então como é que, realmente, a pessoa se molda pelo comportamento daquilo que ela recebe do externo e ela age. Então isso foi interessante e me marcou bastante a questão de hospital psiquiátrico. Acho que hospital psiquiátrico foi muito difícil no começo, você aceitar ver aquelas pessoas em condições tão severas, muitas vezes. Pessoas muito jovens e que não iam sair daquela condição. Pessoas que tinham que tomar altas doses de medicação, então elas tinham efeitos colaterais por conta da medicação e não da doença: tremores, babando muitas vezes, por conta da medicação, mesmo, não da doença. Pessoas mais comprometidas, que tinham que ficar amarradas em camas. Era de sábado, então acabava com o meu final de semana. Nos primeiros dias foi meio assustador, era muito triste ver essa condições, patologias e doença mental é algo muito complicado, porque não é que você toma um remédio e passa. Não é uma dor de cabeça, algo assim. É algo que aquilo fica com a pessoa, muitas vezes, o resto da vida. Ou você está controlado com a medicação, ou terapia e psiquiatra e tudo, mas é muito difícil essa condição da saúde mental. Então ir pra lá, no começo, era difícil. Depois a gente vai meio que, infelizmente, acostumando, achando aquilo mais natural um pouco, porque você tem que trabalhar com aquilo, tem que lidar e nosso papel ali como estudante era identificar as patologias com alguns comportamentos, algumas falas dessas pessoas. Então foi algo bem marcante, assim, algo que eu não queria estar, não queria trabalhar. Tem pessoas que seguiram pra isso, Psicologia em hospital psiquiátrico, hospitalar, são coisas que pra mim, realmente, era algo que eu não tenho estrutura pra lidar, mas também foi uma forma de agradecer muito por não ter aquela condição, por ser privilegiada de ter que morar no hospital psiquiátrico, uma coisa assim, que muitos moravam, a família não tem condições de cuidar, então têm que ficar internado mesmo, tem hospital-dia, que é diferente, que aí a pessoa passa o dia só, a família vai de manhã, busca à noite, mas tinham famílias que não tinham condições de cuidar, não tinham estrutura, condição financeira, enfim. É algo bem triste.

P/1 – Era um estágio obrigatório?

R – Era. Estágio obrigatório da faculdade.

P/1 – E você lembra de algum dia importante, que foi muito afetada?
R - Eu acho que uma das primeiras vezes. A gente estava tipo num auditório, o hospital era bonito, até, só masculino, era até bonito, como se fosse um parque, uma área verde, bonita e tinha auditório no meio de umas árvores e tinha os horários que eles saíam da enfermaria, dos quartos e iam pra área verde, jogar bola, fazer coisas. Então eles estavam no auditório e a professora explicando pra gente o que a gente ia identificar hoje, alguns exemplos. Então, dando o contexto de como ia ser aquela manhã no hospital e aí a gente começou a ver, eles saíram dos quartos, foram lá pra área verde, espaço aberto e a gente no auditório, lá no meio e então eles iam na janela, ficavam olhando assim pra gente, sabe? E a gente super assustado, falei: “Meu Deus, o que vão fazer com a gente?” Era um medo meio que absurdo deles virem, serem agressivos, essas coisas, que a gente acaba fantasiando um pouco isso, porque não tem o conhecimento, né? Então, eu estava muito assustada, naquele dia. E a professora: “Vamos sair”. Eu lá com o jalequinho, tem que ficar com o jaleco, meio que pra identificar mesmo quem é você, ali. E aí eu ficava super assustada, saí de lá toda com medo, assim, não queria falar com ninguém e tinha que conversar com as pessoas, porque através dessa conversa a gente ia acabar identificando qual era a patologia e tudo e eu não queria, super assustada. Então aquele dia me marcou muito, assim. Aí, na semana seguinte, tinha que ir pra lá de novo, eu falei: “Meu Deus, eu não vou suportar”. (risos) Mas aí eu fui um pouco mais tranquila e infelizmente se acostuma a conviver com aquilo, já não te impacta tanto como inicialmente, mas não tem como você não se abalar ainda, mas foi importante viver aquilo, fez parte do curso, foi importante viver, mas não seria uma escolha de trabalho, por exemplo.

P/1 – E no final da faculdade, você estava trabalhando?

R – Estava trabalhando nessa empresa de treinamento que eu comentei. Telemarketing, eu trabalhava com treinamento nessa empresa.

P/1 – E como foi finalizar a faculdade e acabou o estudo?

R – Nossa! Eu era assim: sempre fui muito da festa, então a gente fazia várias festa aí, que eram pra formatura, arrecadar dinheiro pra formatura, pra festa e tudo. Então qualquer coisa que tinha, eu ia. Alugava o espaço pra festa fantasia, ia; sítio pra churrasco, ia e no dia da minha formatura, mesmo, estava super emocionada, por que sabe aquela coisa? Parecia um casamento. Me sentia o centro das atenções. Com duzentos alunos junto, mas pra mim eu era o centro das atenções, com a minha família, concluir essa etapa que não foi um curso simples, trabalhando, estudando, não peguei DP nenhuma, foi superbom. Meu desempenho no curso foi bom, eu tive experiência super boa, super ricas também, então finalizar foi concluir essa etapa. Então foi muito gratificante, eu estava muito emocionada no dia da formatura, do baile, ansiedade, não dormia, sonhava com isso o tempo inteiro, mas foi muito importante essa etapa. E aí, quando acaba, você fica assim: “O que eu vou fazer agora?” Porque você tinha o dia totalmente preenchido de coisas, aí já não tinha mais aquilo, então você vai: “O que eu vou fazer agora? Vou pra academia, dançar axé, fazer outras coisas na vida”, mas foi uma etapa, anos, cinco anos muito bons, de muita dedicação, na verdade, mas que acho que foi muito importante pra mim, de crescimento pessoal, profissional, tudo.

P/1 – Como você gostava de se divertir, nessa época?



R – Bom, eu comecei a faculdade namorando. Então tinha a questão das viagens, acabava saindo da faculdade e ia viajar. Não era muito, por incrível que pareça, do bar da faculdade. Eu não tinha tempo, na verdade, de ficar no bar da faculdade. E eu me dedicava bastante pro curso, também. Então, foram pouquíssimas vezes a questão do bar, dessa bagunça toda, acho que fui uma aluna bem aplicada. Os meus finais de semana, quando estava namorando, era mais, realmente, nas viagens. Tinha meus momentos também, que eu saía da faculdade quinta-feira, ia dançar forró com uma amiga, dormia na casa dela, já chegava de manhã quase na casa dela, dormia um pouquinho, ia trabalhar direto, mas era algo que eu gostava, eu sempre gostei muito de dançar, então era época que a gente ia pro forró, no Remelexo, gostava super, a gente ia e aí terminei a faculdade, já não estava mais namorando. E aí era a época que eu estava solteira, já trabalhava, tinha meu dinheirinho pra fazer as coisas, então eu saía sempre depois da faculdade, saía até de segunda-feira, não tinha muito dia, aproveitava, eu tinha 22, 23, então fase de realmente aproveitar pra curtir e sair. Aí, qualquer coisa eu vou: por bar, pro pagode, pro eletrônico. Está me chamando, estou indo. Assim.

P/1 – E como foi seguindo, desenrolando sua trajetória profissional?

R – Aí eu fui meio que direcionando depois: o tipo de empresa que eu gostaria de trabalhar, o que eu realmente gostaria de fazer. Inicialmente você vai meio que experimentando. Vai abrindo as portas, vai meio que experimentando as coisas, depois você vai tendo um direcionamento. Aí comecei meio que escolher os lugares, o que gostaria de fazer exatamente. Aí fui pra consultoria de RH de novo, mas aí pra fazer vagas mais sêniores, indústrias diferentes também, que eu trabalhei no começo até vagas operacionais, de limpeza, portaria, isso eu fiz também. Depois eu comecei e falei: “Não, não quero trabalhar com isso. Quero coisas mais sêniores, indústrias diferentes”. Então eu fui direcionando pra consultoria de RH e tudo. Eu queria entrar numa empresa multinacional, uma empresa grande e tal e eu tive uma proposta pra ir pra Basf, uma empresa, indústria química alemã, superestrutura. Fui pra lá, fiquei um ano. Eu não me adaptei muito à estrutura. Queria tanto aquilo, né? Mas, sei lá, acho que de repente é a cultura, às vezes, da empresa, também, porque tem muito a identificação daquilo que você quer, seus valores e os valores de empresa também e acho que naquele momento, com aquela empresa exatamente, não teve muito feat, mas eu fiquei um ano lá, foi válida a experiência, aí depois eu voltei pra outra consultoria, aí trabalhei pro mercado financeiro, na época era Unibanco ainda, foi um pouco antes da fusão Itaú-Unibanco, fiquei lá três anos e meio, viajei muito nessa consultoria, porque eu fazia vagas pro Banco, Brasil, então viajava bastante, tinha semanas que eu estava Salvador, Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, uma semana de loucura, mas foi boa a experiência, acho que você aprende muito também, viajando, então foi bem interessante.

P/1 – Houve uma viagem marcante?

R – Belém.

P/1 – Por quê?

R – Belém foi horrível. (risos) Tem pessoas muito ótimas que você encontra na vida. Eu cheguei em Belém já cansada, vim de BH, Salvador, cheguei em Belém onze e pouco da noite, uma coisa assim, pra trabalhar cedinho no outro dia, já. E aí era o único lugar que o banco não tinha pagado ainda hotel, porque a cidade estava muito cheia, consegui uma reserva lá: “Fabiana, nesse você paga na hora e a gente te reembolsa”. Tudo bem. Aí peguei um taxista no aeroporto e já tinha marcado com ele ficar comigo na cidade, lá, me levar, onde eu tinha que fazer processo seletivo e tal. Um senhorzinho, Carlos, uma graça. Cheguei já meio estressada, cansada, cheguei no hotel, o lugar era horroroso. Aí eu cheguei no hotel, paguei. Falei: “Bom, vamos ficar aqui mesmo”. Quando eu cheguei no quarto, tinha uma cortina florida de plástico, na frente uma praça com um monte de cigano, uma barulheira, falei: “Gente, não vou dormir”. Sentei na cama, assim, tinha um bicho andando na cama. Eu falei: “Eu não vou ficar aqui, eu não vou ficar aqui, eu não vou ficar aqui”. Liguei pro taxista: “Vem me buscar agora”. (risos) “O que aconteceu, Dona Fabiana?” Falei: “Eu não vou ficar aqui, quero achar outro hotel”. Falou: “Calma, eu estou indo”. Aí cancelei a reserva, falei: “Não vou ficar” e ele comigo: “Não, então vamos achar um outro hotel”. Ele foi rodando a cidade e tal. Senhorzinho, já. E eu estava tão cansada, já. Aí ele parava na porta do hotel e falava: “A senhora fica aqui, que eu vou lá ver se tem vaga”. Ele ia lá: “Não tem, mas tem outro lá”. Ele foi andando comigo até achar um hotel melhor, aí ele falou: “Esse aqui tem vaga, parece ser melhorzinho. A senhora gostou desse? Qualquer coisa a senhora me liga”. Aí no dia seguinte - fiquei nesse hotel e tal – liguei pra ele me buscar no hotel, pra ir pro local onde tinha o processo seletivo, que era um lugar super feio também, falei: “Gente!” Que experiência ruim na cidade, sabe? Talvez não seja nem tão ruim, mas a minha experiência lá não foi boa. E ele me buscou, depois, lá e era no meio da tarde e o meu voo era só à noite e aí ele chegou pra me buscar no hotel e falou: “A senhora tem um pouco de tempo ainda, né?” Eu falei: “Tenho” “Eu trouxe um presentinho pra senhora”. Era um sachêzinho de espantalho, cheirosinho, todo bonitinho. “Eu sei que a senhora teve más experiências aqui, mas eu trouxe aqui pra senhora, pra levar de recordação, a cidade não é tão ruim”. (risos) Um fofo. E aí ele falou assim: “Posso levar a senhora pra dar uma voltinha? Que eu queria que a senhora conhecesse algumas coisas”. Porque ele viu meu desespero, nesses dias. E aí me levou pra ver o tal do Bumbódromo, onde era, apresentou uns lugares da cidade, deu uma volta comigo. Não me cobrou nem esse roteiro. Depois me deixou no aeroporto, supersimpático. Então, o bom da viagem foi o senhorzinho. Mas eu estava tão cansada, com tanta coisa pra fazer, justo no último destino da semana, já e não foi bom. E nunca tinha tido experiência ruim em hotel, cidade, nem nada. Mas essa foi, realmente... então eu fiquei assim, tipo: “Não quero ir pra Belém”. (risos) E não voltei mais pra lá.

P/1 – Tem umas pessoas que fazem tudo diferente!

R – É. Então, eu acho que se não fosse ele, teria sido tudo ruim. Mas acho que não sei, a gente conhece pessoas no decorrer da vida, que naquele momento foi importante pra você, fez a diferença na sua vida, né? É muito interessante isso.

P/1 – E você ficou bastante... mais tempo, depois dessa viagem, no trabalho ou logo...
R – Para Belém eu fiquei dois dias, depois era o final de semana. Aí já pude descansar um pouquinho da semana pesada de trabalho e de viagens.

P/1 – E nesse trabalho, você ficou mais tempo?





R – Fiquei bastante tempo lá. Fiquei três anos e meio lá, nessa ‘pegada’, assim, forte, de viagens e tudo.

P/1- E depois, pra onde você foi?

R – Aí saí de lá, cansada, um pouco, de mercado financeiro, queria mudar um pouquinho. Eu era PJ também, falei: “Quero voltar pra CLT, conhecer outras coisas também”. Aí fui pra uma outra consultoria de RH, já num nível mais sênior, já quase coordenação aí, fazia vagas mais sêniores, indústrias específicas, era espanhola a consultoria, fui pra lá, só que aí, poucos meses eu fiquei lá e recebi a proposta da EY. E aí voltou aquela coisa de trabalhar em empresa grande de novo e de ter a experiência de novo de uma multinacional, empresa global, quem sabe eu poderia me identificar mais com essa cultura. Aí eu fui pra EY, como recrutadora, atendi três áreas de serviços diferentes: a primeira área que eu atendi foi de finance services, porque eu já vinha de mercado financeiro, pra montar uma área de consultores que iam atender mercado financeiro e seguradora. Foi um super desafio também de montar essa área, com perfis super específicos, mas eu gostava desse desafio, então foi bem importante esse momento na EY. Aí depois eu fui atender uma área de supply chain. E a última área foi tax, área de impostos, fiscal, tributária. E aí, na EY, isso foi em 2010, que eu fiz essa mudança. Em 2012 a EY começou a trabalhar mais fortemente com a inclusão de pessoas com deficiência e aí minha chefe me colocou como líder do programa, que chama EY Able, pra liderar essa frente, então eu participava de reuniões com outras empresas que estavam começando também essa prática, pra entender quais eram as ações que eram feitas, as práticas, até dicas de entrevistas que tinha que fazer. Era um processo muito inicial ainda. E aí foi quando eu comecei a ter esse contato de trabalhar com inclusão, diversidade. Foi nessa época, 2012. Então tinha meu trabalho paralelo, de recrutamento pra áreas diversas aí e em paralelo eu ‘tocava’ também esse outro trabalho.

P/1 – Foram duas áreas diferentes?

R – É, porque trabalhar com inclusão exigia um pouco mais. Não era um trabalho só de você entrevistar as pessoas e entregar pra área. Então, você tinha a parte também de como receber essas pessoas, como tratar essas pessoas, como entender o que elas precisavam de acessibilidade. O que eu tinha que fazer pra recebê-las? E também com a liderança, que não estava acostumada também a fazer a gestão de pessoas com deficiência, adaptações que a gente tinha que fazer, tipo: contratava pessoas com nanismo. Aí tinha a copa, o filtro era alto. “Manutenção, corre aqui, abaixa esse filtro”. Então, tudo que a gente tinha que fazer pra realmente poder inserir essas pessoas no nosso ambiente. Então, era um trabalho diferente do recrutamento tradicional que você costuma fazer, você tem que ter um olhar diferente pra isso, também, não é? Então, como é que você vai fazendo isso. Aí tem a parte também mais interna: o que eu vou fazer? Vou colocar as pessoas no centro de custo, ou vai ser da área? Como vai ser? Então tudo isso você tinha que entender como ia ser feito.

P/1 – Fabiana, queria entender: foi por acaso, então, que você se aproximou da área de inclusão?

R – Foi. Foi também uma proposta da minha chefe, na época, ela perguntou se eu queria liderar o programa, porque eu vinha falando pra ela: “Eu queria fazer outras coisas, não só o recrutamento. O que mais eu poderia fazer? ‘Tocar’ algum projeto em paralelo?” E ela falou isso. Eu falei: “Bom, não tenho nenhuma experiência, nunca trabalhei com isso, mas vamos lá”. Também porque ninguém tinha essa experiência, todo mundo começando também a trabalhar com isso, aí eu fui liderando o programa, então foi muito por acaso e aí isso ficou muito alinhado, na verdade, porque eu sou de pessoas e aí você vai descobrindo um propósito também. Eu tenho, acho, que um propósito de ajudar pessoas, porque a Psicologia faz isso, RH faz isso, então acho que uma coisa foi alinhando com a outra, com esse propósito também. E hoje eu vejo como é importante isso: transformar vidas é algo bastante importante.

P/1 – E quais foram os desafios e as novidades de trabalhar nessa área?

R – É você ter que mudar o seu olhar. Quando você vê uma pessoa com deficiência e você: “Puts, que história! Como é que a pessoa lida com isso, lida dessa forma e a gente, que não tem nenhuma deficiência, têm as reclamações de muita coisa? Pessoas que têm história de vida muito mais complicada e que se superam todos os dias e você, às vezes, fica reclamando por tão pouco!” Isso foi uma super lição pra mim. Então, mudar o olhar também e ter empatia com essas pessoas e você também proporcionar pra ela uma nova experiência, falar: “Tá bom, o que você precisa pra vir trabalhar aqui?” Igual o caso da pessoa com nanismo: “Eu quero pegar água” “Abaixa o filtro aqui”. Coisas pequenas, do dia a dia, que a gente não tem esse olhar. Como é que a gente pode ajudar? Então, você vai transformando o seu modo de ver as coisas. Então, eu acho que isso é o mais importante. Quando você entende quão necessário é também você trazer os seus vieses à tona e ir quebrando isso também e deixar de viver só com aquele grupo que se parece com você e começar realmente viver com outros grupos, que têm histórias diferentes, que não se parece com você, aí vai quebrando isso e você realmente acaba trabalhando nessa inclusão. Então, acho que isso é o mais transformador: como é que você muda o seu olhar pra aquilo que é diferente de você? Isso é o mais importante.

P/1 – Você implementou esse projeto de inclusão na Ernst & Young?

R – Na verdade, eu estava liderando essa frente, pra começar a entrevistar essas pessoas, como é que a gente busca essas pessoas, onde elas estão, o que a gente tem que fazer pra atrair essas pessoas também. Então, liderando esse projeto, eu comecei a trabalhar com isso. Então tinha a minha chefe, a diretora na época também, porque se você não tem apoio da liderança, você não faz. E aí tinha a liderança bastante dedicada pra fazer isso acontecer. Isso foi o mais importante, ter essa liderança que estava disposta, realmente, a orientar a gente a fazer o que é necessário de mudanças na empresa, custos, tudo, pra incluir essas pessoas.

P/1 – E qual a importância de existir empresas que pensam nessa questão de inclusão?

















R – É a porta aberta pra quem busca uma oportunidade. Eu acho que você transforma seu mundo. Às vezes você fica tão preso... porque eu tive o momento inicial dessa empresa, em que a gente contratava as pessoas todas iguaizinhas. Aquele perfil de pessoas que estudaram em faculdades de primeira linha, que puderam fazer intercâmbio, que tem várias experiências fora, tem inglês, espanhol, alemão, tudo. Então, esse perfilzinho geniozinho que todo mundo quer, mas esquece que eu tenho também outras pessoas que não tiveram essas chances, mas que são tão boas quanto. Então como é que você começa a trabalhar isso, o diferente? Se você realmente não tem o espaço pra diversidade, você permanece igual o tempo inteiro. Quando você contrata pessoas que só têm aquela experiência, todo mundo se parece, tem aquela mesma vivência, como é que você diversifica o pensamento? Como é que você pensa melhor? Como é que você pensa ‘fora da caixa’ também, se você tem a única experiência, essa? Convive só com pessoas que têm a mesma experiência que você. Acho que pensar diferente faz bem pra empresa, você pensar que você está não só contratando pessoas, está transformando vidas, quando você fala na diversidade. E aí a gente abre isso pra pessoas com deficiência, pra pessoas trans também, que são muito marginalizadas ainda. Como é que você faz a inclusão? Como é que você se mostra como empresa, fala: “Sim, essa porta está aberta pra você. Você não tem que ir pra rua, se prostituir. Você também pode trabalhar aqui”. Como é que você abre isso. A diversidade acho que é o mais importante. Acho que você tem que ter. Acho que não dá pra você trabalhar com pessoas iguais todo o tempo e querer que seja tudo diferente e acho que faz parte do movimento social também, de igualdade, de você começar a diminuir essas diferenças que a gente tem, socialmente falando.

P/1 – Com esses anos nesse trabalho... isso foi em 2018...

R – É, eu fiquei nesse foco 2012 até 2014, foram dois anos. Aí eu saí dessa empresa, fui pra outra empresa que eu não trabalhei com isso em nenhum momento, foram cinco anos fora do trabalho de diversidade e inclusão mesmo, mais de cinco anos, na verdade, e eu voltei a trabalhar com foco nisso mesmo em 2020, porque eu saí da EY em 2014, aí fui pra outra experiência profissional, voltei pra EY em 2020 e aí com foco, já, então trabalho com recrutamento e seleção com foco em diversidade e inclusão. O meu trabalho hoje é desenvolver estratégias, parcerias, programas, iniciativas, pra atrair pra firma como um todo mais diversidade. Como é que a gente olha pra esses grupos que a gente entende que são sub-representados e inclui. Esse é o meu papel hoje.

P/1 – E pensando nesses dois anos, um pouco atrás, 2012 a 2014, agora voltando, você consegue perceber algumas transformações positivas de conviver com a diversidade na empresa, pensando em todos?

R – Sim. É ‘outra empresa’. Quando a gente começou a trabalhar lá, em 2012, com isso, era tudo muito inicial, ninguém sabia muito como lidar ainda, tinha uma certa resistência também pra absorver essas pessoas: “O que eu vou fazer com as pessoas?” E tinha muito isso: “Essas pessoas só vão fazer trabalhos administrativos”. Colocava as pessoas pra fazer trabalhos administrativos e mais nada. Elas não evoluíam em carreira. E hoje eu vejo que existe um plano de carreira pra todo mundo, inclusive para as pessoas com deficiência também, por que não? Então a gente tem um trabalho hoje, e hoje a gente vê que a liderança pede a diversidade, muitas vezes: “Eu quero 10% da minha área de diversidade” e aí eu estou falando de pessoas com deficiência, LGBTQIA+, também pretas e pardas, mulheres. Então eu olho pra tudo isso quando eu falo em diversidade. Hoje eu já tenho esse movimento ao contrário. Antes a gente ia oferecendo: “Olha, tem um PcD aqui, vamos colocar e fazer aquela atividade”. Então a gente estava fazendo diferente. Agora não, é inverso o movimento, então muitas áreas já acionam a gente e falam assim: “Eu quero no meu time diversidade, quero trabalhar com pessoas com deficiência”. A gente tem um programa na EY hoje, que é superinteressante, que é a inclusão de pessoas autistas. Então, a gente tem o que a gente chama de Centro de Neurodiversidade, que na verdade é um hub de tecnologia. Essas pessoas estão em tecnologia, têm interesse em trabalhar com tecnologia, não tem que ter experiência, a gente vai desenvolver. Se a pessoa tiver alguma formação, algum curso na área ajuda, mas no dia a dia a pessoa vai ser treinada pra isso. Então você vê que foi um líder que é fantástico, ele já queria isso, a gente chegou pra ele com uma proposta, ele ‘abraçou’ e falou: “Vamos fazer!” Então, a gente preparou também a liderança pra isso, escolheu líderes, gerentes, pessoas mais engajadas na causa mesmo, que saberiam olhar pra isso de uma forma diferente porque, na verdade, nesse caso, a gente que tem que se adaptar a eles, não são eles que têm que se adaptar à gente. Então, a forma de gestão é diferente, porque eles funcionam de formas diferentes. Então, eu tenho que entender como eles funcionam pra poder passar uma atividade pra essa pessoa. Algo mais rotineiro, algo mais estruturado. Então, a gente foi aprendendo muito também com essa inclusão. A gente quer aumentar isso. No passado já foram contratadas outras pessoas com autismo também, mas em diversas áreas, que não tinham acompanhamento. A gente tem uma empresa especializada nessa inclusão, que apoia a gente pra fazer, desenvolver essas pessoas. Então, a ideia é que elas tenham, cada vez mais, autonomia de trabalho, sejam mais independentes no dia a dia. Então, tem essa empresa que acompanha, então pra eles é interessante saber que tem alguém que vai dar o suporte. Muitas vezes a gente acaba envolvendo a família também, nisso, nessa discussão também, de como a família pode apoiar também a carreira dessas pessoas. A gente tem pessoas com síndrome de Down trabalhando com a gente, temos duas pessoas, então a gente tem diversificado também isso, né? Então, eu não só posso contratar pessoas com deficiência física que, teoricamente, são mais fáceis de você lidar, coloca uma adaptação ali pra pessoa e tudo, mas eu tenho outras deficiências também: visual total, que não enxerga nada, atleta paraolímpico, trabalha lá com a gente, a gente tem um software de leitor de tela, pra ele poder trabalhar, foi promovido. Ou seja: a gente vê que a empresa está aberta, realmente oferecendo ferramentas, dar o apoio que a pessoa precisa pra se desenvolver dentro da empresa. Então, isso é bastante importante. Acho que a liderança está muito engajada aí, realmente, nesse tema. Então, isso faz total diferença.

P/1 – Queria te perguntar quais são os seus aprendizados individuais, trabalhando nessa área e também os aprendizados que você pode perceber da empresa, das pessoas que não estavam acostumadas a trabalhar com essas experiências e essa inclusão no dia a dia delas, se elas conseguem hoje perceber o ganho de trabalhar com essa diversidade, mesmo.

R - Escuto a liderança falar quanto foi importante ter essa vivência com pessoas com deficiência. Essas pessoas, muitas vezes, se dedicam muito pro trabalho, porque elas também olham pra empresa e falam: “Nossa, eu tenho como trabalhar numa empresa desse tamanho! Eu tenho uma carreira. Eu posso ser protagonista da minha carreira, trabalhando aqui dentro”. Então, você dá espaço pra ela, de fala também, pra ela participar dos grupos que a gente tem, de afinidade, internamente e falar: “Olha, precisamos melhorar isso aqui”. Então, a gente tem esse espaço, uma ferramenta, que é a mentoria reversa. Eu tenho líderes, sócios, diretores de área que vão escutar as pessoas com deficiência, então elas vão falar o que precisa melhorar, vão contar a experiência delas entrando na empresa, desde o processo de seleção, até a chegada, o dia a dia dela. Eles escutam, não podem falar nada, ficam só escutando, ali e eles mesmo pensam, então, em melhorias que eles podem fazer. Então, a gente dá espaço pra essas pessoas também. Então, a liderança também aprende muito. Eles vão mudando muito o olhar deles. Eles passam a ter uma gestão mais humana até, eu diria, de olhar pra essa pessoa e entender que aquela pessoa precisa de uma adaptação, de repente ter um pouco mais de supervisão, ou não, ela trabalha muito bem sem uma supervisão. Por exemplo: se tem uma pessoa que é cega total, entender que de repente o tempo dele pode ser diferente de outra pessoa, mas vai entender isso também, vai apoiar, desenvolver. Então, você vê esse apoio da liderança e como a empresa está aberta a cada vez mais ir melhorando esses processos, é bastante importante, sabe? E ver a área pedindo: “Fabiana, eu quero diversidade no meu time” é a melhor coisa, você vê que você está fazendo um trabalho, está sensibilizando a liderança e eles estão querendo isso. Não é uma cobrança por parte dos sócios da empresa: “Tem que contratar”. Não, deixou de ser. Acho que no começo a gente tinha muito nessa questão legal, especialmente quando eu falo de PcDs. Só que isso vai mudando. Hoje, na verdade, é mais o nosso compromisso como empresa e com a sociedade, do que realmente uma cota legal. Cota legal, se acontecer alguma coisa, a gente paga, mas a gente quer mais do que isso: eu não quero pagar, porque eu quero realmente trabalhar nessa inclusão, de fato. Então, eu acho que isso é o mais interessante. E pessoalmente é incrível como te transforma, como você muda o olhar realmente, sabe? Como você quebra seus vieses, como você... eu sou muito grata, às vezes, de ver essas histórias e ver que a pessoa está lá dentro e está trabalhando feliz, está: “Obrigada pela oportunidade! Você mudou a minha história”. Como é que você não fica feliz com isso? Porque é muito mais fácil você abrir a porta pra alguém que está preparado pro mercado de trabalho, que não tem uma deficiência, que conseguiu estudar numa boa universidade, teve condições. Isso é fácil você incluir. Agora, você abrir a porta pra alguém que o mercado, de forma geral, rejeita, não inclui, fala: “Não, dá muito trabalho isso” e aí você vê que você vai fazer internamente esse trabalho com a liderança, vai ‘plantar aquela sementinha’ ali e vai conseguir fazer esse trabalho impactar vidas. Então, pessoalmente, é muito gratificante.

P/1 – O que ainda pode ser feito pra melhorar a questão de PcDs no mercado de trabalho? O que você acha?

R – Eu acho que tem muitas coisas que a gente já está fazendo, mas que podem ser melhoradas na empresa como um todo. Então, é uma questão de capacitar também as pessoas, porque elas não tiveram, talvez, tantas chances, alguma barreiras estruturais também, de acessar uma universidade e tudo. Como é que eu posso, de repente, ter aquela pessoa que não conseguiu entrar numa universidade, por estrutura mesmo, ali, barreira estrutural e como eu posso apoiar pra que ela consiga, então, ter uma formação, para que desenvolva na carreira? Como é que, de repente, eu posso apoiar pra um inglês, por exemplo, que acaba sendo importante no dia a dia, quando eu falo de uma empresa global. O que eu posso fazer? E agora acho que com o trabalho também, híbrido, remoto, isso acaba melhorando. Então, por exemplo: pessoas cadeirantes às vezes não vão pra empresa, porque o acesso até lá é difícil, porque a empresa não tem estrutura pra receber, tem que mudar a estrutura toda. E agora a pessoa pode ficar na casa dela trabalhando, de qualquer forma, não tem que se deslocar, nem nada. Então, isso também deve abrir um pouquinho o ‘leque’ pro tipo de deficiência que eu posso ter dentro da minha empresa. Quando eu falo de pessoas autistas, por exemplo, algumas preferem ficar em casa, porque a interação social acaba sendo mais complicada, às vezes iluminação, barulho. Se a pessoa pode ficar em casa e não tem a obrigação de ir pro escritório, ela acaba desempenhando melhor. Mas tem também aquela pessoa com autismo que gosta de pessoas: “Eu também quero ir pro escritório”, então vai pro escritório, vamos lá conversar, se conhecer, trabalhar presencialmente. Então, tem isso também. Como é que a gente consegue também olhar pra cada um e ir realmente se adaptando, fazendo todo esse esforço pra ir acomodando melhor essa pessoa na empresa, seja remoto, seja presencial. Acho que isso é importante. E tem o lado também de como a empresa tem que se mostrar aberta pra isso, porque às vezes a pessoa com deficiência não quer falar que ela precisa de uma adaptação, de uma ferramenta, porque ela pensa que isso pode ser algum impeditivo pra ela trabalhar. Como é que a gente se coloca à disposição, pra falar: “Olha, você pode pedir o que você precisar, que a gente vai fornecer”. Então a área de inclusão tem que estar muito próxima também dessas pessoas, pra que elas se sintam acolhidas, apoiadas. Então, é importante manter essa proximidade com as pessoas.

P/1 – Tem alguma pessoa que você e sua equipe conseguiram incluir no mercado de trabalho, que foi muito marcante pra você?

R – Tem uma pessoa, foi uma contratação recente, uma pessoa neurodiversa, que é formada em tecnologia, sempre trabalhou em empregos que não eram em relação a tecnologia, então o que ele encontrava pela frente era frentista, atendente, fiscal de loja, uma pessoa superinteligente e a gente o contratou com 46 anos, como trainee. Então, você vê que tem muito aí: tem uma questão de idade, da própria formação dela. Então, é a chance que ele teve e a gente conseguiu dar essa chance pra ele. Como o mercado de trabalho é ingrato! Como ele passou anos tentando, de repente, trabalhar no que ele gosta de fazer realmente e a porta estava sempre fechada. Então, a gente conseguiu abrir essa porta pra ele e a gente vê que outras empresas também têm esse movimento já, estão fazendo ações pra isso, programa pra essa inclusão. Então, acho que isso... tem outras histórias, né, mas eu acho que esse é o mais recente e eu fiquei bastante satisfeita, na verdade, feliz por ter contribuído pra essa inclusão, que super merece, tem um super talento desperdiçado em outras atividades que não estava feliz, mas era o que ele poderia fazer e agora ele está, realmente, trabalhando naquilo que ele gosta. Então, isso aí é bastante importante.? E tem uma outra pessoa também que tem síndrome de Down. Saí da empresa, voltei e ela está lá ainda. (risos) Está na empresa há onze anos. Já passou por diversas áreas e ela é super... tem autonomia, independência, ela vai sozinha, volta sozinha, namora, tem amigos, fala com todo mundo da empresa, não importa se é a pessoa da copa, se é o sócio, ela vai falar igual com todo mundo e todo mundo a conhece. Então, a gente tem que se adaptar também a ela, tem que entender o que ela pode fazer, o que ela consegue fazer realmente, mas a gente está dando pra ela atividades, responsabilidade, porque acho que é importante isso: a pessoa tem que saber que ela tem responsabilidade, tem um trabalho, tem que cumprir com o horário dela. Então a gente também está dando pra ela isso, pra que ela se sinta também acho que útil, acho que é importante que a pessoa sinta que: “Sim, estou aqui nesse time e faço parte desse time”. É o senso de pertencimento, que é importante você criar nas pessoas também.

P/1 – Como é, pra você, como você se sente trabalhando na EY?

R – Eu tive duas experiências diferentes na EY e parece que são duas empresas diferentes, como ela vem numa mudança, acompanhando as mudanças do mercado. Antes era um ambiente tudo muito formal, os perfis todos iguais de contratação e hoje é um ambiente muito mais descontraído, hoje a gente pensa que você trabalha aqui na EY, só que você pode ser aquilo que você realmente é. Isso é bastante importante. E eu sou apaixonada pela empresa, de verdade. Eu acho que essa questão de você ser quem você é no ambiente de trabalho, você ter esse compromisso de trabalhar com a diversidade, compromisso da inclusão, ter uma liderança que te apoia exatamente, que vai te ajudar, te dar ferramentas e uma empresa que te desenvolve treinamentos diversos, te desafia diariamente pra você ser melhor, pra você pensar ‘fora da caixa’, poder transformar. A gente chama de Liderança Transformativa isso. Você é seu líder também. O que você faz pra ser melhor no seu dia a dia de trabalho? Acho que essa cultura de você ser dono da sua própria carreira dentro da EY acho que é bastante importante. E eu, como pessoa que apoia muito a questão da diversidade, trabalhar numa empresa que a gente tem valores que apoiam a diversidade e a inclusão, pra mim é muito importante. Não faria sentido pra mim, como Fabiana, pessoa, estar numa empresa que não tivesse esse apoio, que não olhasse realmente pras pessoas.

P/1 – Fabiana, se você quiser comentar rapidamente da sua experiência no meio...

R – Entre a EY, né?

P/1 – É.

R – Então, eu saí da EY, uma superempresa, global, enorme, no mundo todo, pra uma empresa, uma consultoria mexicana nova no Brasil. Então, eu saí do RH, onde só o RH tinha cinquenta pessoas, pra ir pra uma empresa que, no total, aqui no Brasil, tinha dezessete pessoas. Eu era o RH da empresa. Então, o importante, pra mim, era isso: eu queria ter outras experiências também, que não fosse só o recrutamento. E a Sintec, que era essa empresa, me proporcionou isso. Eu era o RH da empresa, cuidava de tudo, trouxe os processos do México pro Brasil, então eu tive que tropicalizar algumas coisas, algumas coisas a gente teve que implementar, então meu trabalho era de construir o time aqui no Brasil, então contratar as pessoas e também cuidar de desenvolvimento, expatriação, então alguns diretores mexicanos vieram pro Brasil, desde todo processo de visto, parte mais burocrática pra chegar aqui no Brasil, até casa pra eles, escola pros filhos, carro, tudo. Então era meio que a ‘empresa é minha e eu tenho que fazer isso aqui acontecer’. Isso foi bem interessante na empresa. E aí, depois de dois anos aqui no Brasil, uma época meio ruim aqui, da economia e a empresa aqui no Brasil também fez uma proposta pra eu ir pro México e foi assim, de surpresa, tinha outras pessoas indo pro México, eu estava trabalhando nesse movimento, de mandar as pessoas pra lá e tudo, eu achei que não fosse pra lá, mas fui surpreendida com uma proposta, meu chefe falou assim: “Fabi, vem aqui” - uma sexta-feira, final do dia – “tem uma proposta pra você aqui, pra ir pro México também, pra ficar seis meses, vamos fazer um projeto pra você lá, no RH de lá. Pensa, responde na segunda-feira”. Eu falei: “Meu Deus, um final de semana pra fazer isso!” e aí eu falei: “Bom, eu tenho que ‘abraçar’. Eu acho que a vida está me dando uma ‘porta aberta’ ali, pra conhecer outra coisa”. E aí em vinte dias eu arrumei tudo aqui: apartamento, cachorro, carro, tudo e fui embora pro México, pra ficar só seis meses lá. O detalhe é que eu não falava espanhol, então cheguei pra trabalhar, não falava nada quase em espanhol, muito básico, mas se você fala um básico e vai viajar é uma coisa; se você fala o básico do básico e vai trabalhar, escrever e-mail, falar com o sócio, diretor, seus colegas todos ali são mexicanos, não falam seu idioma... então, no começo foi difícil, até eu me adaptar, morava em hotel, sofria com a comida, com a pimenta, porque não estava acostumada. Diariamente [era um] sofrimento pra comer. Não tem arroz, feijão, que eu estou acostumada a comer aqui. Vai comer tacos, com um monte de pimenta lá. Era diferente. Então eu sofri também essa adaptação. A altitude, porque lá é muito alto, muito seco, então muita falta de ar, atravessava a rua e estava cansada. Foram meses de difícil adaptação. Mesmo assim, depois de dois meses lá me promoveram pra eu ficar lá no México mais um tempo e aí como business partner do escritório, não mais um projeto. Eu falei: “Vou ‘abraçar’ também”. Já estava lá, já foi toda a mudança, por que não ficar? E aí foi importante a experiência, então eu fui aprendendo, eles são super receptivos, adoram brasileiros, então me ensinaram muita coisa, as ‘pegadinhas’ de idioma também, muita festa também, o pessoal gosta de sair, beber muita tequila. A cultura mexicana é incrível: comida, assado... povoados que a gente vai conhecer, Dia dos Mortos é uma festa linda. Festa no cemitério. Quem imagina fazer uma festa num cemitério? Mas lá é assim: festa, música, comida, então é uma cultura super incrível. De seis meses passaram dois anos e quatro meses e eu falei: “Não, eu quero ir embora, já chega”. (risos) Aí eu vim embora. Mas foi uma experiência super, super incrível. Acho que eu cresci muito mais pessoalmente, do que... profissionalmente também, obviamente, trabalhar com cultura diferente, recrutar pessoas lá é diferente daqui, os perfis são diferentes, tudo é diferente. Mas acho que pessoalmente, o aprendizado de você estar sozinho... tem os amigos e tal, mas é você por você, sua família não está ali. Você ‘se virar’ o dia que você está doente, viajar sozinho também: “Quero ir pra tal lugar” “Não posso, não posso, não posso” “Então tá, vou sozinha, viajar sozinha”. Pegava um avião, alugava um carro, sei lá, mas ia, então como você se basta sozinho, que você aprende a ‘se virar’ sozinho, aprende a se conhecer e a estar bem com você mesmo o tempo inteiro. Então foi bastante importante pra mim.

P/1 – Os maiores aprendizados que você tira dessa experiência de intercâmbio cultural, quais são?

R – Eu acho que a primeira coisa é você se bastar, realmente, porque você se vê, em muitos momentos, sozinha. E você encarar aquilo sozinha, uma viagem sozinha, aproveitar aquele tempo lá e fazer tudo que você pode fazer. E outra coisa acho que importante foi estar aberta, realmente, a conhecer isso: novas pessoas, novas culturas e realmente fazer uma imersão naquilo. No começo estava muito presa à minha vida aqui no Brasil, então eu não consegui me divertir muito e ficava pensando no que eu deixei aqui, não estava aberta pra aquilo ainda, até que isso foi, aos poucos, melhorando, eu fui tendo um pouco mais de consciência do que era aquela proposta, pra mim, do que era estar morando num outro país. Então, eu comecei a ficar realmente mais aberta, conhecer muito mais coisa e as coisas foram fluindo. Então, é estar bem com você, até nos dias que você não está bem. E você aceitar que sim, você não está bem nesse dia, você vai chorar o dia inteiro, sozinha, ali, mas vai passar. Pode sentir saudade um dia, pode sofrer, pode chorar, mas vai passar e você se superou. Então, acho que é isso.

P/1 – E o retorno? Como foi se readaptar aqui?

R – Foi difícil o retorno. (risos) Achei que fosse mais fácil, mas deixar aquela vida lá também foi difícil, porque eu já estava acostumada, era uma vida boa: eu morava de frente pro escritório, só atravessava a rua; eu viajava muito lá, a proximidade com os Estados Unidos, por exemplo, eu fui de carro pros Estados Unidos; tive vivências muito interessantes também nessa experiência; fiz amigos muito importantes lá também, então deixar essa vida foi difícil. Cheguei aqui no Brasil, falei: “Gente, será que eu fiz certo em ter voltado?” (risos) Mas, assim, eu fiz certo, acho que foi uma boa experiência. E aí eu chegava aqui, quando eu voltei pra cá, eu falava metade de uma frase em espanhol e metade em português, até você se adaptar de novo com isso, e não é uma frescura, não, você tem que falar espanhol, eu fui obrigada a falar, você vive aquilo todos os dias, você sonha em espanhol, faz tudo em espanhol, aí você volta pra cá e tem que se adaptar e aí eu tive que procurar outra casa aqui, aquela correria, mala pra lá, mala pra cá. Minha mãe mora no interior, eu estava em São Paulo, aquela confusão, casa de amigos, mas foi interessante. Eu cheguei aqui no Brasil dezoito de dezembro e eu ia viajar dia 23 pra Europa, com a minha família, uma viagem programada já, o ano inteiro programando essa viagem, então eu tinha cinco dias pra arrumar o apartamento em São Paulo, pra ir viajar e quando eu voltasse da viagem eu já ia começar a trabalhar aqui. Então já tinha que estar com tudo pronto. Foram dias corridos e me adaptando, fuso horário, tudo, então eu cheguei, o fuso horário mudou; fui viajar, o fuso horário mudou; voltei pra cá, mudou de novo. (risos) Foi uma correria, mas tão boa, de ver meus amigos e festa de ‘bem-vinda, Fabi, de novo ao Brasil’, então dá aquele ‘quentinho’ no coração ter voltado, mas é começar tudo de novo: casa, carro. Eu segui na mesma empresa, quando eu vim pro Brasil, continuei mais quase um ano nessa empresa. Mas aí também já era ‘outra empresa’. Outras pessoas, outra estrutura. Só que aí eu estava no Brasil, atendendo México ainda, também tinha a questão do fuso horário. Foi toda uma reorganização de vida. Mas acho que é importante você passar por isso também. Como é que você também se adapta, passa os perrengues aí, mas se adapta, aprende. Acho que o importante é você enfrentar e ir embora. Vai. A vida te colocou nisso, então você é capaz, vai embora.

P/1 – Você se lembra de uma experiência muito marcante...

R – No México? Quando eu cheguei no México, eu não falava espanhol e aí eu tive uma pessoa que me ajudou muito lá e teve um dia que eu estava desesperada, porque eu tinha que fazer um negócio com um diretor. Lógico, ele super entendia, mas eu tinha que entregar o trabalho. E aí eu tinha que escrever um e-mail pra ele de uma coisa superimportante lá, eu falei: “Meu Deus, Google (risos) vai me ajudar, é isso”. Aí eu fiz um texto e tinha que revisar toda hora aquele texto, aí tinha uma amiga que foi e me ajudou com isso também. Eu tinha que tirar meus documentos, porque eu recebia em dinheiro, porque eu cheguei lá, tinha que tirar o visto ainda, pra poder trabalhar, documento de residência demorou muito pra vir. Recebendo em dinheiro, não tinha conta, não tinha um cartão, nada assim, tipo: eu não existia lá no México. Eu não podia ter, por exemplo... salvo o cartão do Brasil, pra eu fazer alguma coisa, comprar alguma coisa lá, mais cara, senão tinha que ser tudo em dinheiro. Então foram uns perrengues assim. Tinha uma pessoa lá da empresa que me ajudou muito, foi tipo um anjo da guarda mesmo. Teve um dia que eu falei: “Eu não vou aguentar”. Trabalhei até meia-noite, no hotel lá, desesperada, eu chorava: “Eu quero ir embora, não quero ficar aqui” “Não, você vai conseguir, vamos lá!” Então, foi, no começo, uma pessoa que me ajudou muito com isso e aí tive muitos momentos bons lá, depois que passou essa primeira etapa, de encontrar amigos brasileiros, chilenos, franceses, colombianos, tudo e a gente fazer viagem juntos: “Quero conhecer tal lugar” “Vamos lá”. Passa um dia pela cidade, andando, vários lugares, não sabia se era perigoso ou não, mas estava lá, conhecendo tudo, explorando tudo, mesmo. Então, acho que depois que passou, foram seis meses assim, que aí eu já, depois tinha meu apartamento, podia fazer a minha comida, já não passava mal também, como no começo, por causa da pimenta, mas aí estava adaptada e as coisas foram indo, comecei a me abrir pra cultura realmente e as coisas foram acontecendo. Mas se não tivesse tido essa pessoa que me ajudou e falou: “Não, você vai ficar aqui, a gente vai te ajudar. Você não vai embora, não. Não desista”. Então, ela me deu essa força, pra seguir em frente. Isso marcou muito. Então, ela foi bastante importante pra mim na empresa.

P/1 – E, Fabi, pensando hoje, como é o seu dia a dia, sua rotina?

R – A gente está nesse modelo agora híbrido. Eu sempre fui muito de sair, ficar sempre com pessoas, então a pandemia foi um desafio muito grande pra mim, ficar trancada dentro de casa, sem ter esse contato com as pessoas não foi algo fácil, mas a gente se adapta e aí vai indo. Então, minha rotina, hoje: geralmente eu vou pra academia cedo, eu gosto de acordar cedo, começar meu dia cedo, fazer coisas na parte da manhã, depois ter o dia livre pra trabalhar ou fazer qualquer outra coisa, ou sair. Então eu tenho uma rotina de acordar cedo, me exercitar, começar a trabalhar em casa a maioria dos dias ainda, aí à noite posso sair pra jantar, ou posso ficar em casa mesmo, se eu não vou sair, eu vou assistir séries, tenho dois cachorros: a Love, que tem dois aninhos e o Sussu, que vai fazer dezoito anos, que são minha companhia também, que eu moro sozinha, com eles, então eles são a minha companhia diária. Tenho namorado, então está sempre em casa também, é recente, chegou agora, mas é uma pessoa superimportante pra mim, já desde o primeiro dia. Então, minha rotina é essa. Aí, final de semana, amigos, minha mãe mora no interior, então acabo indo pra lá também, passo final de semana lá, ou fico por aqui, os amigos sempre: “Vamos pro bar, sair, viajar”. Rotina, assim: nada muito fora do comum. Mas se puder viajar, eu estou viajando. (risos)

P/1 – E como vocês se conheceram? Você e seu namorado.

R – Nós temos um amigo em comum, ele ficou mais afastado desse amigo por um tempo, e esse amigo dele é muito próximo de mim, a gente está sempre junto, há anos, e aí esse ano esse meu amigo resolveu chamá-lo pra saber como ele está: “Porque nunca mais vi na vida, vou ligar pra ele” e chamou pro aniversário dele e daí a gente se conheceu. Então, foi muito assim: totalmente inesperado. Eu tinha terminado um relacionamento em agosto do ano passado, não queria ter ninguém na vida, (risos) falava assim: “Eu quero um tempo, quero ficar dois anos solteira, fazendo coisas”, mas não durou muito tempo, porque, na verdade, a gente não escolhe. As coisas apenas acontecem. Ele também tinha terminado em novembro, depois que eu ainda, então menos tempo solteiro, também estava: “Não quero ninguém”, mas aí é isso: você não quer ninguém, mas a vida fala assim: “Então, você não quer, mas está aqui. (risos) Receba”. Então, aí você vai se adaptando. Acho que foi uma coisa muito boa eu e ele desde o começo, muito leve, muito de companheirismo, muito de parceria, pouco tempo, pouquíssimo tempo. Eu falo pra ele: “Mas não é possível que tem três meses só, quase isso, porque parece que a gente se conhece uma vida inteira”. Aquela alminha gêmea, sabe, que chegou ali, de repente e aí mudou toda sua vida, pra melhor, então temos planos e é isso.

P/1 – Quais são os seus planos futuros, pensando profissionalmente?

R – Eu quero seguir a minha carreira agora com esse foco de diversidade e inclusão. Acho que é o que realmente... quando eu voltei pra EY, pra trabalhar com esse foco, acho que eu me achei. Acho que eu falei: “Fabiana, é isso. Você está conseguindo unir o seu propósito de ajudar pessoas com esse fator transformador também, que é abrir essa porta e poder, realmente, impactar a vida de alguém”. Então eu quero seguir a minha carreira nisso. Se eu puder continuar na EY, que eu realmente gosto da cultura da empresa, tem bastante oportunidade dentro da empresa, é aquilo que eu sempre gostei: uma empresa grande, global. Então, eu acho que eu estou no lugar que eu realmente gosto de estar, mas pensar assim o que eu quero fazer: eu quero seguir com diversidade e inclusão.





P/1 – E quais são as coisas mais importante pra você, hoje?

R – Desculpa, o quê? As coisas?

P/1 – As coisas, pessoas…

R – Eu acho que a gente aprendeu a valorizar muito mais ainda as pessoas, com essa pandemia. Eu acho que o simples, hoje, é o que importa. Às vezes você não dá valor, ali, pra estar com alguém do seu lado, pra viver aquele momento ali de descontração, daquele sorriso, daquele abraço, daquela companhia. Então, hoje, o simples importa. O fato de você, de repente, estar com alguém em dez minutos e poder falar alguma coisa pra alguém, fazer aquela pessoa feliz por dez minutos, está bom, você impactou, de alguma forma, ali. Então, pra mim eu acho que o importante é isso: ser simples e verdadeiro, acho que isso também é bastante importante e eu tento ser melhor a cada dia. A cada dia fazer alguma coisinha pra ser melhor, pra me sentir melhor, pra fazer uma outra pessoa melhor. Pessoa, ou os meus bichinhos. Tipo: dar um biscoitinho pra eles e ver a alegria deles. É simples, mas quando não estiverem mais aqui, eu vou sentir a sua falta. Então, como é que você vive cada momento assim, da forma mais forte que você puder. Acho que isso é bastante importante pra mim. Eu valorizo o mínimo. Acho que isso é o mais importante. Você dá valor, às vezes, pras coisas: “Eu tenho isso, eu tenho aquilo”. O que vale tudo isso? Quando você entra numa pandemia, por exemplo, isso não tem valor pra nada, porque você vai ter um carro e não vai poder sair com ele, você não pode ir pra lugar nenhum, tem que ficar dentro de casa. E as relações que você tem dentro da sua casa, te fazem bem? É o dia a dia ali. As coisas não são importantes. Acho que importante é ali, quem está do teu lado. Fazer bem quem está com você, receber o bem dos outros também. Isso acho que não tem valor nenhum. Pra mim o resto é preço. Isso realmente é o valor. É isso.

P/1 – E quais são seus maiores sonhos?

R – Acho que meu maior sonho, a minha maior vontade é ter saúde, porque aí você faz qualquer coisa. E eu quero viajar mais, ter saúde pra viajar mais, ter disposição pra viajar mais, pra me conectar com mais gente por aí. Acho que isso é bastante importante pra mim. Hoje eu sonho em ter uma família. Isso é o que estava esquecido, porque eu comecei a ficar muito sozinha e querer fazer as coisas muito sozinha, mesmo tendo alguém, eu queria estar sozinha. Mas hoje isso mudou e eu quero ter família. Hoje eu quero construir alguma coisa pensando em família e não mais na Fabiana sozinha. Então, isso está sendo uma evolução, pra mim, de verdade. Pra quem sempre teve que lidar com tudo sozinha, muitas coisas sozinha e de repente ter esse sonho de construção com alguém, pra mim, Fabiana, é uma evolução. Eu quero construir uma vida com família, exatamente, mas quero casar.

P/1 – Teve alguém, durante sua a vida, que tenha te inspirado ou te inspira muito?

R – Minha mãe me inspira muito. Por quê? Porque ela também... ela é a mulher forte da família. Ela é a pessoa que carrega a família. Ela é a pessoa que me ensinou que: “Fabiana, se você não correr atrás, você não vai ter”. Teve uma situação quando eu queria comprar um carro. Eu tinha pouquinho dinheiro pra comprar o carro, mas podia comprar um carrinho velho, mas podia comprar. Minha mãe falou assim: “Eu não tenho dinheiro pra te ajudar, não. Compra seu carro”. Eu fiquei brava, falei: “Imagina, como é que você não vai me ajudar?”, mas essa foi a melhor coisa que ela fez, porque eu comprei meu carro velho, acho que foi em 2001, eu comprei um Uno 1985 à vista, em dinheiro, (risos) então você imagina que custou quatro mil reais o carro, na época. Um monte de coisa pra fazer, mas aí meu namorado na época falou: “Compra, que eu te ajudo a arrumar o carro. Não é o que você pode comprar?” E como eu dei valor pra aquele carro! Como eu dei valor pra aquela conquista! Porque era meu, era o meu trabalho, era o meu dinheiro, era o que eu podia fazer. Como aquilo foi importante, pra saber que eu não vou depender de ninguém, porque eu tenho que fazer as coisas sem esperar que os outros me ajudem sempre pra fazer alguma coisa. Como eu dei valor pra aquele carro! Como eu consegui comprar o próximo, o próximo e o próximo sem depender de ninguém também. Eu não quis entender na época, fiquei brava, não queria falar com a minha mãe mais, mas como foi importante pra mim dar esse passo. E como você dá valor pras coisas. Não vem fácil. Não venho de família rica. Eu venho de pessoas que tiveram que trabalhar também pra ter as suas coisas: um pai marceneiro, uma mãe que não fez faculdade também, meus pais não têm o superior. Minha mãe conseguiu ainda trabalhar em empresa melhor e foi indo, na área de Comércio Exterior, foi conseguindo ter o nome dela lá, mas sem ter uma formação também. Quantas pessoas conseguem isso hoje? E meu pai é marceneiro, também não tem o superior, então eu sou a primeira pessoa da família a ter isso. Também é uma história que você vence, né? Eu fui indo, fazendo as coisas sozinha e fui. Então, como é que eu dou muito valor pra essas coisas, hoje. Por isso que eu falo: o mínimo, pra mim, eu dou valor, pras relações e pras coisas também, então é isso. Eu acho que eu sou vencedora hoje, também. Eu poderia também falar: “Ah, meus pais não estudaram, também não vou estudar, não quero fazer nada disso”. Poderia, mas não. Também fui atrás, fui buscar, tive o apoio da minha mãe pra pagar a faculdade, então super agradeço a ela, porque se não fosse ela eu também não teria conseguido, ou teria feito mais tarde, quando eu já pudesse - ganhando um pouquinho mais – pagar minha faculdade e não com dezoito anos, por exemplo, dezessete, dezoito anos. Então, ela que me ajudou nesse começo, eu sou muito grata por isso. Eu sou muito feliz com a pessoa que eu me tornei e eu acho que ela me inspirou também a ser assim. Entre brigas, (risos) porque na época você não aceita, não entende isso, mas depois, com o passar do tempo, eu falei: “É, eu acho que essa é a melhor forma, realmente, de você aprender a dar valor, correr atrás, conquistar as coisas, de ser independente”. Meu maior orgulho hoje é ser independente e eu aprendi com ela isso.

P/1 – Fabi, uma viagem no túnel do tempo: qual a sua primeira lembrança da sua vida?

R – A infância num sobrado que eu morei com meus pais e acho que eu fui me descobrindo como pessoinha, porque antes eu não tinha nenhuma lembrança de uma casa que eu morava lá e fui pra essa casa, onde eu comecei a ter a minha infância de brincar, de aprontar, pegava os gatos da rua, fugia de casa, brincava. Então essa parte da minha infância, meus pais juntos, eu tenho muita memória musical, eu gosto muito de música e meus pais gostavam também, então hoje eu escuto música e lembro daquele determinado fato que aconteceu naquele dia, naquela idade, por causa de uma música. Então, eu lembro deu dançando com meus pais em casa, meu pai escutava Julio Iglesias, minha mãe escutava Fábio Júnior. Meu pai escutava também samba, que ele gostava e tinha meus avôs portugueses que escutavam fado. Também cresci escutando isso, então tem memória musical, então quando eu lembro assim, túnel do tempo, me leva pra essa casa. Impressionante como a minha memória afetiva é muito forte nessa casa aí, da infância. Acho que eu fui construindo muitas memórias a partir desse momento aí. Foi bastante importante.

P/1 – A gente está chegando ao fim, queria saber se você tem alguma história, algum período, algum momento que você queira dividir com a gente, que eu não tenha te perguntado.

R - Não. Acho que a gente conseguiu fazer uma boa linha do tempo, acho que foi pegando desde a infância, trazendo muita coisa importante de infância, adolescência, escola, todas essas fases, que me levaram a ser o que eu sou hoje. Todas essas experiências vão moldando a Fabiana hoje, com 43 anos. Todas as experiências são válidas. Eu consegui falar também de outras experiências que não estavam envolvidas com inclusão, diversidade, mas que também foram importantes pra minha carreira, coisa da família, infância. Então, por enquanto, não estou lembrando de nada que eu gostaria de falar.

P/1 – E o que você deixa como seu legado pras próximas gerações?

R – Eu acho que a próxima geração vai encontrar, já, um mundo diferente, um mercado diferente. Um mercado mais aberto, talvez um mercado mais igual. Falar um pouco mais de equidade. Acho que a nova geração aí, quando começarem a trabalhar, começarem as suas carreiras aí, vão achar o mundo corporativo um pouco mais humano. Eu acho que as relações têm mudado no mundo corporativo, entre as pessoas. Acho que a pandemia também trouxe isso, porque você não é só mais um profissional que está ali, todo dia, no escritório, bonitinho. Você tem a pessoa que está na sua casa, com criança, com marido, com esposa, com família, com problema, cachorro, gato. Você está numa reunião, seu filho chora, porque a pessoa tem família e como você, agora... eu sempre tenho olhado pra isso também com relações mais humanas. Que tudo bem você pedir um minuto, porque seu filho está chorando. Tudo bem você pedir um minuto, que seu cachorro está latindo. Ou dentro de um espaço de tempo que você tem que levar seu filho na escola. Então, aquela coisa inflexível de antes tem mudado. Essa nova geração acho que vai encontrar um mercado mais igual, mais flexível e eu realmente espero um mercado mais humano. E eu faço parte dessa história, porque eu também tenho ajudado a construir esse mundo diferente. Eu acho que o pouquinho que eu faço aqui, o que o outro faz ali, vai construindo esse castelo, ou vai derrubando muros e criando pontes. Eu acho que essa é a melhor definição. Então, eu acho que a nova geração aí vai pegar um pouquinho desse legado, que eu tenho ajudado a construir, que é um mundo mais igual. Assim espero.

P/1 – Você gostaria de deixar alguma mensagem?

R – Eu acho que o que eu tenho falado desde o começo isso, da transformação, do olhar, da empatia, de você olhar o outro e falar: “Essa pessoa não é igual a mim, mas ela não é melhor ou eu sou melhor que ela, porque nós somos diferentes. Nós somos pessoas, cada um com a sua história”. Então, eu acho que você olhar o outro com respeito, aquela pessoa que não se parece com você, ou com aquele grupo que você pertence, também tem seu valor. Como é que você respeita essa pessoa? Respeita a história do outro, aquilo que o outro é. Está muito ligado à diversidade. Você não tem que, de repente, ter um preconceito porque alguém é preto, tem uma deficiência, tem uma opção diferente da sua. Acho que isso é o respeito. Acho que é empatia, é o olhar. Tenha um olhar humano pro próximo. Acho que está todo mundo nesse mesmo lugar aqui, todo mundo tentando vencer um pouquinho aí, dia após dia, na vida, então como é que você apoia o outro? Seja menos egoísta. Acho que isso é importante falar.

P/1 – Pra finalizar, como foi, pra você, lembrar da pessoinha e ver essa mulher que você se tornou hoje?

R – Em certos momentos, muito emocionante. Você relembrar sua história, saber o que você já fez e às vezes você está vivendo, você não faz essa linha do tempo exatamente, você lembra das coisas, mas talvez você não tenha essa percepção do quanto você já fez, evoluiu, superou em alguns momentos. Então acho que reviver isso é importante. Eu acho que você se dá mais valor, quando você olha a sua história, trajetória, tudo que você já fez na vida e onde você está hoje... eu não tenho a melhor casa, o melhor carro, o melhor cargo, o melhor salário do mundo, mas eu tenho aquilo que é bom pra mim hoje, aquilo que eu acho que pra mim é bom e eu sempre acredito nisso, que você está onde você merece estar, onde você realmente deveria estar. Sua evolução é essa. Então aprenda todos os dias a ser melhor, olhe pra sua história com carinho, valoriza sua história, onde você está, o seu dia a dia, o mínimo que você tem hoje na vida, as pessoas que estão próximas de você. Então, é isso: eu gosto muito da minha construção, de verdade. E eu tenho muita coisa pra construir e melhorar ainda, mas acho que eu sou bastante orgulhosa da minha trajetória, de verdade.

P/1 – Nossa, estou sem palavras! Não sei como te agradecer.

R – (risos) Imagina! Eu que agradeço. Acho que pra mim foi uma experiência super incrível participar disso, saber que eu posso participar dessa história, também contribuir um pouquinho com meu trabalho e com aquilo que eu sou, então pra mim foi uma experiência super incrível. Eu que agradeço a vocês!

P/1 – Que honra! Muito obrigada!

R – Imagina! Obrigada você!